Opinião

Desporto sem limites

Desporto sem limites

Laurentino Dias

Ex-secretário de Estado do Desporto

O financiamento do projeto paralímpico, que era de 3,8 milhões de euros para os Jogos do Rio de Janeiro 2016, passou para 6,9 milhões em Tóquio 2020, e atingiu 9,2 milhões para os Jogos de Paris 2024. Tudo isto a par do apoio à carreira dupla, a subvenção de integração após carreira, e até mesmo a equiparação dos prémios de resultado. Sim, desta vez o ouro paralímpico vale final e justissimamente o mesmo que o ouro olímpico (50 mil euros)

1 - Um país que reserva especial atenção aos seus cidadãos mais vulneráveis a desigualdades de sistema merece sempre o meu maior respeito. Por exemplo, quando se cuida de modo particular daqueles que, desde o nascimento ou por qualquer acidente de vida, veem as suas capacidades e possibilidades de atividade diminuídas por resultado de uma deficiência. Por eles justifica-se uma discriminação positiva por parte de sistemas e estruturas sociopolíticas, respeitando as suas diferenças e os seus obstáculos acrescidos, assegurando igualdade de oportunidades, e valorizando a sua qualidade de vida, a sua cidadania.

Uma sociedade digna, que nos orgulhe, só pode ser uma sociedade que destine especial atenção e apoio aos que dele precisam, começando pelas pessoas com vulnerabilidade social como as crianças, os mais idosos, os atingidos por doenças de difícil combate, mas também as pessoas com deficiência que se encontram em posições de desigualdade impossíveis de remediar sem ajustes de sistema. Estes são os cidadãos a quem não se pode negar, bem pelo contrário, a quem se devem assegurar, meios e condições especiais que lhes permitam a total integração na sociedade ativa, e a contribuição indispensável das suas aptidões.

O que é válido para a sociedade em geral é ainda mais exigente quando se fala, por exemplo, no acesso à atividade desportiva por cidadãos com deficiência, cidadãos que, não obstante se confrontarem com certas incapacidades, querem ter acesso à prática do desporto na sua vida e por toda a sua vida, alguns deles com o talento, a força e a coragem de o fazer ao mais alto nível.

2 - Os Jogos Paralímpicos são a mais alta expressão do desporto de Alto Rendimento para atletas portadores de deficiência. Sucedem-se aos Jogos Olímpicos, na mesma cidade, nas mesmas instalações, mas sem a mesma (ou sequer aproximada) projeção mediática. A razão não é difícil de determinar: trata-se principalmente da diferença que os impérios da comunicação, das audiências, das marcas impõem para todo um mundo ávido de grandes resultados ou records, em que o desporto é reduzido a espetáculo mediático.

Portugal está presente com 27 atletas em 10 modalidades desportivas, o que significa que é a representação nacional que mais modalidades apresentou para competir em Jogos, e revela um alargamento positivo do universo de prática desportiva de alto nível por pessoas com deficiência. E não é apenas a mais diversificada, é talvez a mais bem preparada. Vejamos os resultados atuais, a meio da competição:

Duas medalhas de ouro, de Miguel Monteiro no lançamento de peso e Cristina Gonçalves em boccia BC2, uma de bronze para Diogo Cancela nos 200 metros estilos de natação SM8, e oito diplomas (classificação até ao 8.º lugar) de Beatriz Monteiro no badminton, Telmo Pinão no ciclismo C2, Carla Oliveira e André Ramos no boccia BC4 e BC2, Marco Meneses nos 100 metros costas S11 e 400 livres S11 de natação, Margarida Lapa no Tiro SH2 e Filipe Marques no Triatlo PTS5. Atletismo, ciclismo, natação, boccia, badminton, tiro e triatlo são, para já, as modalidades em que os nossos atletas já obtiveram resultados do maior relevo internacional. Acho que devemos seguir os restantes dias de Jogos com toda a atenção ao nosso desempenho.

3 - Tive o privilégio pessoal de, entre 2005 e 2011, acompanhar de perto a realidade do desporto para pessoas com deficiência e de participar em algumas evoluções estruturais que o tempo mostrou terem sido importantes para o seu desenvolvimento. Então, o enquadramento dos atletas fazia-se por via das chamadas “associações de deficiência” e da Federação Portuguesa de Desporto para Pessoas com Deficiência (FPDD), o que não apenas limitava o seu apoio técnico, como se traduzia numa “guetização” inaceitável dos atletas, fechados num muito restrito mundo federativo.

Aconteceu então a transição para o campo adequado, ou seja, para as federações desportivas das modalidades, que passaram a ter também um setor de desporto adaptado, juntando numa mesma organização de modalidade todos os atletas, sem discriminação. Lembro as primeiras, salvo erro - o remo, a natação, o ciclismo, o atletismo - e outras se lhes seguiram.

Em setembro de 2008 foi criado o Comité Paralímpico de Portugal (CPP), que passou a ser a tutela do desporto de alto rendimento adaptado a deficiência, e a liderar todo o processo de preparação e envolvimento de atletas, treinadores e técnicos multidisciplinares indispensáveis nesta área. Em suma, tornou-se o parceiro do Estado na gestão do projeto e seu financiamento. Tenho para mim que este foi o bom caminho, e que vai mostrando os seus resultados.

4 - Os portugueses podem estar cientes de que as instituições públicas, governos, federações, e mesmo autarquias, vêm reforçando a sua atenção e apoio ao desporto paralímpico. Houve uma trajetória de convergência dos apoios do Estado ao projeto paralímpico face ao projeto olímpico. Esta tendência acentuou-se a partir de 2015 e foi progressivamente aproximando os valores das bolsas de atletas e treinadores, chegando já igualadas nos Jogos de Tóquio 2020, o que significou um aumento de 80% das verbas até aí confiadas ao CPP. O Estado passou a tratar todos por igual, atletas e treinadores, olímpicos ou paralímpicos.

O financiamento do projeto paralímpico, que era de 3,8 milhões de euros para os Jogos do Rio de Janeiro 2016, passou para 6,9 milhões em Tóquio 2020, e atingiu 9,2 milhões para os Jogos de Paris 2024. Tudo isto a par do apoio à carreira dupla, a subvenção de integração após carreira, e até mesmo a equiparação dos prémios de resultado. Sim, desta vez o ouro paralímpico vale final e justissimamente o mesmo que o ouro olímpico (50 mil euros).

A Missão Paralímpica Portuguesa a Paris 2024 vai ter um saldo altamente positivo, o que, confirmando o caminho que vem sendo trilhado, não pode resultar num abrandamento do apoio existente, que sempre deve ser melhorado, quer pelo Estado, quer pelos privados. Esta necessidade ficará sempre clara se mantivemos uma verdade simples sempre bem presente: todo o apoio, mesmo que avultado, quedará sempre além do esforço imenso destes atletas, e do orgulho e reconhecimento nacional pelos seus notáveis feitos desportivos. Trata-se aqui de investir no talento nacional em toda a sua diversidade, em que possíveis restrições físicas ou deficiências não se tornam nunca limites, de forma a promover antes de mais um Portugal que é feito de todos os Portugueses.

Força, equipa, vamos terminar estes Jogos em grande!

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