Opinião

Não há arbitragens perfeitas, os árbitros sabem disso. E vão continuar a errar porque a vulnerabilidade ao erro nunca deixará de existir

Não há arbitragens perfeitas, os árbitros sabem disso. E vão continuar a errar porque a vulnerabilidade ao erro nunca deixará de existir

Duarte Gomes

ex-árbitro de futebol

Pensem, por exemplo, nos jogadores e treinadores, argumenta Duarte Gomes. Ao mais alto nível, também eles dispõem de ferramentas extraordinárias para realizar o seu trabalho. Mais e melhores que as dos próprios árbitros até. Eles treinam diariamente, têm acompanhamento personalizado, são talentosos, trabalhadores, comprometidos. São profissionais de topo, a crème de la crème. E ainda assim... também erram

Não há arbitragens perfeitas.

Nunca houve e nunca haverá. A verdade pode ser difícil de encaixar, mas não deixa de ser verdade. E quanto mais cientes estivermos disso, menos intolerantes seremos em relação à forma como olhamos para os donos do apito.
Historicamente a exigência sobre os árbitros foi sempre enorme, o que é compreensível. Afinal de contas, o seu trabalho é determinante na forma como afeta a verdade desportiva e a verdade desportiva, hoje em dia, vale mais, muito mais do que a vitória dentro das quatro linhas. Uma má decisão pode afetar a justiça de um resultado, a moral de uma equipa, toda uma competição.
Eles sabem disso. E foi precisamente essa noção que lhes permitiu conquistarem, com tempo, mais e melhores meios de apoio à decisão.
Começou pelos famosos ‘bip’ instalados nas bandeirolas dos assistentes (emitem vibração e sinal sonoro para recetor colocado no braço do árbitro) e chegou há pouco tempo à vídeo tecnologia, não sem antes ter passado pelos relógios que monitorizam desempenho, pelos sistemas de comunicação áudio, pelas linhas de fora de jogo, pela goal line technology, etc.
Mas ainda que munidos de todos esses equipamentos, ainda que acompanhados a nível profissional, ainda que bem preparados física e tecnicamente, continuam a errar. E erram aqui, nas nossas ligas, como erram na inglesa, na norte-americana ou na sul-africana. Erram no ‘nosso’ futebol, como erram no ténis, no bilhar, no atletismo ou em qualquer outro desporto.
A razão é simples: enquanto a última decisão, o veredito final, estiver nas mãos de uma pessoa, a vulnerabilidade ao erro nunca deixará de existir.
Esta afirmação pode custar a digerir tendo em conta a evolução tecnológica e até o surgimento em força da AI, mas é assim e será assim enquanto for o homem a tomar decisões.
Tentem pensar nisto pela via da analogia.
Pensem, por exemplo, nos jogadores e treinadores. Ao mais alto nível, também eles dispõem de ferramentas extraordinárias para realizar o seu trabalho. Mais e melhores que as dos próprios árbitros até. Eles treinam diariamente, têm acompanhamento personalizado, são talentosos, trabalhadores, comprometidos. São profissionais de topo, a crème de la crème.
Ainda assim... erram.
Erram o passe, a receção ou a marcação. Erram o remate, o cabeceamento ou o controlo emocional. E do lado de fora, sem fadiga ou esforço físico, sem jogar a bola ou levar pancada dos adversários, os técnicos também erram. Erram na constituição do onze, nas substituições ou nas opções táticas. Erram ao lerem mal o adversário, ao não anteciparem devidamente, ao não mexerem na equipa no momento certo.
Até o dirigente, totalmente livre da pressão intensa do jogo, erra. Erra na gestão, nas contratações, nas não renovações ou na construção equilibrada do plantel.
A moral da história é simples e remete-nos para o título desta opinião: não se pode pedir à natureza humana que seja perfeita, porque não é.
O que se pode e deve exigir é a melhoria constante das condições de trabalho de quem está no desporto. Quantos mais meios, menos erros. E o que se pode e deve exigir também é muito trabalho, profissionalismo e empenho de quem lá anda. A partir daí há-que premiar a meritocracia, que é como quem diz, os mais qualificados e disponíveis, afastando quem não se concentra, quem é menos comprometido e qualificado.
Mesmo assim, haverá sempre penáltis mal assinalados, golos falhados à boca da baliza e guarda-redes mal batidos.
Parte fundamental da emoção do jogo passa precisamente pela sua imprevisibilidade e essa advém da nossa humanidade.
No meio dessa fragilidade, uma certeza quase matemática: no fim das contas, os mais consistentes, competentes e que melhor se adaptam às variáveis que não controlam, ganham.
Os outros são os primeiros dos últimos.

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