Opinião

O Caldas acusou um árbitro de racismo. Convém que se faça prova clara disso

O Caldas acusou um árbitro de racismo. Convém que se faça prova clara disso

Duarte Gomes

ex-árbitro de futebol

O Caldas acusou João Pinho, um árbitro, de insultar racialmente um jogador. Se vier a comprovar-se que aconteceu com a intenção que lhe é rotulada, a sanção tem mesmo que ser exemplar, escreve Duarte Gomes. Porque os árbitros são agentes desportivos com responsabilidades adicionais e não nunca podem dar exemplo contrário - mas o episódio não pode criar a narrativa hipócrita de que insultos nunca acontecem do lado oposto

José Vala, treinador do Caldas SC, denunciou suposta atitude racista protagonizada pelo árbitro aveirense, João Pinho, em relação a um jogador da sua equipa. Alegadamente tudo terá acontecido no passado domingo quando a equipa recebeu o Atlético CP, em jogo da 17.ª jornada da 1.ª Fase, Série B - Liga 3. A vítima terá sido o central colombiano Yordy Marcelo, que acabou expulso após o jogo terminar.

Ao contrário das agressões físicas, que alguém sempre vê ou grava para documentar, as ofensas por palavras são mais difíceis de provar por estarem geralmente confinadas a quem as profere, a quem é ofendido e, eventualmente, a uma ou duas pessoas que as possam ter ouvido.

Neste caso, a acusação do Sr. Treinador - que já mereceu a solidariedade do seu clube e do Sindicato dos Treinadores - é muito grave. Não estamos a falar apenas de um insulto atirado para o ar em momento de algum descontrolo, mas de uma ofensa racial direcionada, algo que tantos de nós lutam para erradicar do desporto e da sociedade.

Se vier a comprovar-se que aconteceu com a intenção que lhe é rotulada, a sanção tem mesmo que ser exemplar. Os árbitros são agentes desportivos com responsabilidades adicionais e não nunca podem dar exemplo contrário.

Mas, repito, convém que se faça prova clara disso. É importante pela sensibilidade pública do tema, é importante para quem acusa e é importante para quem é acusado.

Agora há algo que não devemos esquecer: este episódio não pode criar a narrativa hipócrita de que isto nunca acontece do lado oposto. Todos os fins de semana há insultos, ofensas e ameaças dirigidas a árbitros de futebol. Estamos a falar de crimes que acontecem desde que iniciam o seu aquecimento em campo até ao momento em que abandonam as instalações desportivas (uma ou duas horas após o final do jogo).

Quer em escalões de formação, com meninas/os de sete, oito anos, quer em jogos dos mais graúdos, o que não faltam por aí são exemplos de impropérios dirigidos a quem tem o apito na mão. Infelizmente é de “animal” para cima (ou para baixo), arrastando-se a um lamaçal de indecências gritadas por gente emocionalmente descontrolada ou apenas mal formada. Pelo meio, atiram isqueiros, garrafas de água, pedras e tudo o que tiverem à mão.

Não raras vezes, há agressões consumadas, socos e pontapés e até perseguições nas estradas. O último fim de semana foi fértil nessa matéria.

Aquilo que supostamente terá acontecido nas Caldas é, infelizmente, o que acontece recorrentemente em relação a tantos e tantos árbitros, um pouco por todo o lado: insultos racistas, xenófobos e sexistas, depende da cor, idade ou género de quem está lá dentro. As árbitras, por exemplo, sofrem muito às mãos de ordinários a quem ainda se permite entrada em recintos desportivos.

Também é importante não esquecermos que parte desses comportamentos têm origem em elementos sentados nos bancos técnicos, que não raras vezes perdem o controlo, protagonizando comportamentos deploráveis. São tantas vezes eles os primeiros a instigar ‘rebeliões’ nas bancadas e ódios em relação a quem está em campo.

É verdade, não façamos de conta que não é, por favor.

Naturalmente que quando ‘o homem morde o cão’, o mundo pasma-se, a imprensa faz notícia e as redes sociais inundam-se de odes contra o mau da fita. É como é.

Nada disto obsta à necessidade de se repor justiça em relação ao tema em concreto. A verdade é que ninguém está acima da lei e quem incorre em condutas irresponsáveis, sobretudo desta natureza, tem que ser sancionado de forma célere, justa e proporcional.

Tolerância zero a qualquer manifestação que gere ódios, divisões e intolerâncias, sobretudo quando proferidas por quem tem responsabilidade adicionais. Aí o crime é maior.

Há justiça o que é da justiça e cá estaremos no final do processo para fazermos contas.

Tem alguma questão? Envie um email ao jornalista: tribuna@expresso.impresa.pt