A arbitragem viveu toda a sua existência numa espécie de clausura autoimposta. Foi treinada para estar presente no jogo, mas ausente do debate. E aceitou, conformada, esse papel, como se fosse o único que a protegesse, o único que lhe desse paz e recato.
O árbitro apitava, decidia e recolhia-se ao silêncio. Ele e a sua casa-mãe. Era quase uma condição de sobrevivência: tentar esclarecer fosse o que fosse seria sempre visto como uma desculpa esfarrapada. Uma afronta. Uma forma de justificar o injustificável.
Resultado? Um vazio completo. Ao longo do tempo, esse silêncio potenciou suspeitas e narrativas enviesadas, construindo uma imagem negativa de todos os seus agentes.
É certo que a arbitragem nunca deixou de ser o mais escrutinado dos setores no futebol, mas também se pôs a jeito para isso. Todos os outros sempre disseram de sua justiça, explicando os seus momentos, falando quando sentiam que deviam falar.
Os árbitros não. Os árbitros remetiam-se ao seu papel de réus amordaçados, permitindo acusações em praça pública, condenações nas redes sociais, ofensas, ameaças e agressões em privado. Hoje parece claro que essa cultura alimentou a ideia de que havia algo a esconder. De que, quem não falava, consentia.
Felizmente o futebol moderno não permite esconderijos. Por estes dias, a transparência não é apenas desejável, é inevitável. Os clubes comunicam em tempo real, os jogadores abrem janelas da sua intimidade, os treinadores desmontam táticas sem tabus. Os protagonistas do jogo têm canais próprios e até presidentes, ministros e famosos usam os seus meios para passar as suas mensagens.
A nossa classe tinha que acompanhar essa mudança, passando a comunicar para fora, com pensamento e estratégia. A opção é sinal de desassombro, de maturidade e assume-se como fundamental para devolver algum equilíbrio ao debate.
O Conselho de Arbitragem da FPF e a sua Direção Técnica vão continuar a trilhar esse caminho. Vão continuar a explicar processos, a clarificar critérios, a esclarecer lances, a desmontar equívocos. Vão assumir erros, explicar o que os motivou e, mais importante, mostrar o que pretendem fazer para que não se repitam.
O objetivo não é protagonismo nem proteção cega dos árbitros ou da sua estrutura. É proteger o jogo, defender a verdade, desmistificar mitos de outros tempos.
Não deixa de ser curioso (mas não inesperado) o paradoxo que a opção criou: quando ficávamos em silêncio, éramos acusados de nos escondermos ou de fugirmos ao diálogo. Agora que damos a cara, parece haver quem ache que queremos branquear falhas ou mascarar incompetência.
São danos colaterais inevitáveis, mas parece-me importante sublinhar que essas opiniões não nos desviarão do nosso rumo.
Sentimos genuinamente que a melhor forma de servir o futebol é trabalhando arduamente intramuros, partilhando o que deve ser partilhado. Tudo, claro está, com máxima verticalidade e humildade.
É até fácil de perceber. Basta ter a cabeça e o coração nos sítios certos.
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