Há alguns anos, quando noutras funções gravava o programa "Oh, Senhor Árbitro" - formato televisivo que me levava a percorrer o país para promover a arbitragem distrital - talvez não imaginasse que, por estes dias, uma dessas viagens ganhasse um significado tão especial.
Era apenas mais um episódio que tentava retratar o desafio que era dirigir jogos um pouco por todo o país. Um episódio que, tal como outros, tentava humanizar o trabalho dos árbitros e abrir portas a uma arte tão incompreendida.
Numa deles fui até ao distrito de Coimbra para conversar com o meu amigo Fernando Ferreira - então Presidente do Conselho de Arbitragem - e para acompanhar um jogo de futsal que seria arbitrado por uma menina de olhar convicto e serenidade invulgar.
A Filipa (é esse o seu nome) falou-me logo dos seus sonhos gigantes e da enorme paixão que tinha pela modalidade. Após curta carreira como atleta, teve vontade em construir novos caminhos através do ingresso na arbitragem. E queria chegar longe, o mais longe possível.
Deu para ver, em meia dúzia de palavras, que era focada e comprometida. Prova cabal: vivia no Entroncamento e todos os fins de semana rumava a Coimbra para arbitrar futsal distrital. A timidez fora da quadra contrastava com a segurança que esgrimia lá dentro. Naquela tarde via-a na direção de um disputado Tabuense-Associação Desportiva da Tocha.
A qualidade estava lá. A vontade, o compromisso, a determinação também. Percebia-se que o talento havia de amadurecer rapidamente. É uma daquelas coisas que se sente, mesmo sem se ver.
Hoje a 'jovem' Filipa fez-se mulher e é notícia em todo o mundo: a agora árbitra internacional portuguesa tornou-se a primeira do país a ser nomeada para um Campeonato do Mundo FIFA, que decorrerá em dezembro próximo, nas Filipinas.
Um feito notável que aquela velha história na TV não apenas previa, mas antecipava como inevitável.
A afirmação plena da Filipa Prata engrandece a modalidade e a arbitragem. Mas, mais importante, tornou-se o conto de fadas perfeito. Um modelo inspiracional que deve motivar qualquer jovem, árbitra ou árbitro, a abraçar esta atividade com os olhos postos no topo.
Este reconhecimento é igualmente importante porque reforça a confiança que as instâncias internacionais têm nos nossos árbitros, cada vez mais solicitados para jogos de relevo e competições de prestígio. Os números não enganam.
Quanto à Filipa, deve estar orgulhosa do percurso que percorreu até agora, sabendo a responsabilidade adicional que esse estatuto agora acarreta: ser uma referência para tantos não é o ponto de chegada, é o ponto de partida. Agora é preciso trabalhar ainda mais e melhor, para trepar ao topo do Evereste.
No meio desta excelente notícia, é justo recordar que o futsal, tal como qualquer outro desporto coletivo, também se constrói em equipa: esta nomeação não é apenas dela, mas de todos os que a apoiaram e estiveram ao seu lado desde o dia em que tirou o curso até aos dias de hoje.
São momentos assim que nos fazem perceber que as obras mais valiosas são esculpidas com dedicação, caráter e humildade.
Tem alguma questão? Envie um email ao jornalista: tribuna@expresso.impresa.pt