FC Porto

A quadratura de um empate

A quadratura de um empate
Octavio Passos/Getty

O FC Porto empatou (1-1) em casa do Moreirense e o atraso para o primeiro lugar aumentou. Um resultado e um facto. Nos outros dois lados do quadrado deste empate (que teve um golo anulado pelo VAR quase nos descontos) ficam a incapacidade que o FC Porto teve em usar o volume de jogo para furar a bloco baixo e compacto do adversário, e mais um facto - faltam cinco jogos no campeonato para a equipa de Sérgio Conceição, que foi expulso, tentar recuperar seis pontos

O dicionário do resultadismo é de edição ilimitada, sempre estará cá para as curvas apesar de os resultados no futebol enganarem, são destruidores de ideias, projetos e intenções, esses sim todos finitos, porque a duas ou três derrotas sucedâneas e que é tão frequente dependerem de tantas coisas incontroláveis no jogo são logo atirados pela janela metafórica por onde Moussa Marega ia voando.

Do maliano se fala por Sérgio Conceição sobre ele ter falado antes de ambos estarem em Moreira de Cónegos com o FC Porto, estão juntos há quatro anos e o treinador ironizou-lhe a quadratura dos pés para deliberar acerca de resultados, factos e gestões da psique do avançado que tinha 71 golos marcados no clube com este treinador, até este jogo, fora o singular golo deixado na meia época inicial em que o julgaram um extremo direito.

Quem o treina puxou de resultados e factos para advogar a favor do que realmente favorece Marega há quatro anos, o contexto, que criou condições para outras coisas se juntarem e, por sua vez, surgir o rendimento do avançado que ataca o Moreirense tal e qual visa qualquer adversário: andar pelo lado cego do central do lado esquerdo e arrancar, muitas vezes em diagonal fora-dentro, para o espaço nas costas logo que um médio ou um lateral levantem a cabeça.

Marega não é especial, ninguém o é, tem coisas que faz bem e outras que nem por isso e muitas das dinâmicas e movimentos atacantes do FC Porto existem para magnificar os sprints na profundidade ou embalá-lo em corridas um-para-um, coisas que o maliano sabe fazer melhor. Não é de agora que existe um contexto piscador de olho ao maliano entre os portistas.

Tentam lançá-lo (4’), mas não chega por pouco à bola; cruzam-lhe para a cabeça (8’); aceleram um passe e lá vai ele, mas Rocic corta (22’); encontram-no em corrida e ele recebe e remata antes de se saber em fora-de-jogo (33’); até encafuado entre corpos contribuiu para Corona ganhar um ressalto (40’) e já na área ser bloqueado, à última, pelo deslizante central Rocic.

A equipa muito o procura e também a Taremi, o iraniano é outro destinatário da insistência nos lançamentos (rasteiros ou aéreos) na profundidade, são esticões dados à última linha do Moreirense que sofre, é quase asfixiado durante mais de meia hora pela pressão pós-perda do FC Porto. Qualquer bola que deixava pés portistas era um iô-iô, dois ou três segundos depois e regressava, a transição defensiva era asfixiante e os minhotos só foram capazes de sair duas vezes até à área contrária.

Uma acabou com Rafael Martins a não alcançar um passe esperançoso de Filipe Soares. A outra teve Conté a cruzar rasteiro para o avançado ajeitar e Yan Matheus rematar com embalo. Deu canto, a bola parou e deu hipótese ao Moreirense de mostrar a matéria treinada - foi batido curto, um toquezinho para o lado a cortejar o adversário a mexer-se, para do lado esquerdo o pé esquerdo de David Simão cruzar e a bola se ir afastando dos defesas, com gente a arrastar marcações e o remate de Nahuel Ferraresi (37’) culminar no 1-0.

A alta voltagem da contra-pressão do FC Porto dava-lhe uma quase omnipresença na metade do campo do Moreirense, a tendência manter-se-ia depois e os cercos em caça de bolas perdidas até se foram desprendendo ao longo da segunda parte. Mas, com o tempo, também os minhotos recuariam linhas, cerrariam espaços ao centro e barricaram-se mais junto à área para, ao menos, se protegerem apenas contra ataques continuados.

Os portistas reapareceram velozes e intensos. Houve logo um tiro de Taremi (46’) direto ao alvo com luvas entre o iraniano e o alvo a sério na área, Sérgio Oliveira curvaria depois (48’) um livre em direção a um dos ângulos de cima para Pasinato se elevar numa palmada e, em lance com elevada densidade populacional na área, Mbemba cruzou e Marega duplicou-se na pontaria em demasia - primeiro, acertou no guarda-redes, na recarga insistiu contra o poste (57’).

Os “pés quadrados” sairiam à hora de de jogo, sobrava cada vez menos profundidade para os arremessar. Sentia-se a urgência, as caras mostravam-na e o vazio de um estádio deixava ouvir os gritos apressadores. A quilometragem do 47.º jogo da época também se mostrava, Corona por vezes jogava com coxeio, Mbemba foi um esgar de dor ao agarrar-se aos gémeos de uma perna e ter de sair e o FC Porto, cada vez mais cruzando a bola, cada vez menos a ter gente a combinar dentro do bloco alheio, para obrigar adversários a saírem de posição, empurrava o Moreirense para trás sem lograr fatiar a sua organização.

Os azadrezados do Minho acabariam encostados à sua baliza, tão curtos quanto possível e a serem arrombados uma e outra vez, a uma leva vinha sempre outra e os últimos 15 minutos foram de encurralamento contínuo, após André Luiz apanhar um passe sem olhar de Pepe, correr para fintar Marchesín e Uribe ter de se acelerar mais do que ele para deslizar na relva (76’) e se projetar contra a bola e o poste. A dor do colombiano deu esse quarto de hora ao FC Porto.

Octavio Passos/Getty

E, com ele, os cruzamentos sucederam-se e Toni Martínez à espera de todos, na área, enquanto Taremi era o único a espreitar entre linhas e no meio das cegueiras, costas e desatenções dos adversários, o iraniano cairia duas vezes na área, Francisco Conceição uma outra e o avançado espanhol também, nessa apitou-se penálti e o iraniano forçou-o para lá das mãos de Pasinato. Aí, ainda restavam quatro minutos.

Foi para a cabeça de Martínez, o contexto agora era procurá-lo e no meio do caos urgente houve quietude de espírito já nos descontos, um canto uniu quatro jogadores do FC Porto na calma até Otávio, à entrada da área, se esquivar de um corpo, cruzar a bola e o crânio espanhol a marrar baliza dentro. Corpos rejubilaram campo dentro, o estádio já cheio e à pinha de berros. Até o VAR focar os 10 centímetros do avançado que não estavam no jogo.

O som do golo anulado foi um berro, só um, a voz de Rocic roncou-se sobre tudo o resto no estádio, mas o capitão do Moreirense ainda viu a cabeça de Toni Martínez dar o nono remate na baliza, o décimo sétimo ao todo, e obrigar Pasinato a parar a bola uma última vez, para o resultado último do FC Porto ser agora perseguir a liderança do Sporting que fica a ver um pouco mais longe.

O atraso de meia dúzia é um facto e uma consequência do resultado, esses são dois lados da quadratura deste empate. De um dos lados que sobra, fica a incapacidade que o FC Porto teve em usar o volume de jogo para furar a bloco baixo e compacto do adversário. E no outro, mais um facto - faltam cinco jogos no campeonato para tentar recuperar seis pontos.

Após o apito final, Sérgio Conceição entrou em campo, dirigiu-se ao árbitro Hugo Miguel, exaltou-se e foi expulso.

Tem alguma questão? Envie um email ao jornalista: dpombo@expresso.impresa.pt