Pinto da Costa é candidato a um “certamente último” mandato na presidência do FC Porto, que anunciou com recados e bicadas a Villas-Boas
JOSÉ COELHO/LUSA
Após se conhecerem as suspeitas que constam na Operação Pretoriano, Jorge Nuno Pinto da Costa surgiu, no Coliseu do Porto, este domingo, para confirmar o que prenunciara há pouco mais de uma semana. Será candidato, pela 16.ª vez, à presidência do clube, e anunciou-o com críticas a André Villas-Boas, lembranças dos 2568 títulos que conquistou e elogios, em particular, a um apoiante na sala: Manuel Pizarro, ministro da Saúde (e por lá também esteve Sérgio Conceição). Garantiu, ainda, que o clube irá revelar “um saldo positivo de algumas dezenas de milhões de euros” nas suas contas
À priori, Jorge Nuno Pinto da Costa não saberia da rocambolesca neblina que necessariamente pairaria sobre ele, este domingo, quando, com atraso, abriu a porta e colocou os pés fora do carro que estacionou diante do Coliseu do Porto, às 17h26, quase meia-hora além dado anunciado a 26 de janeiro. Então, a assinatura do presidente surgia no site “Todos pelo Porto”, criado para convidar “calorosamente” o mundo a assistir à apresentação de um “projeto de renovação” que não tinha escrito, mas estampado na cara que seria também o desvendar a recandidatura a um 16.º mandato na presidência dos dragões.
Era um prenúncio do óbvio.
Entretanto, soube-se da Operação Pretoriano que deteve Fernando Madureira e a mulher, eles o presidente e a vice-presidente dos Super Dragões, claque com a qual a investigação suspeita que Adelino Caldeira, administrador da SAD do clube liderado por Pinto da Costa, orquestrou cenas de intimidação a apoiantes de André Villas-Boas que aconteceram a 13 de novembro, na última assembleia-geral de sócios do FC Porto. Surgisse um eremita no Coliseu do Porto, este domingo, e não se daria conta desta neblina.
Às 17h28 desligaram-se as luzes no interior do espaço, com 17h29 começou a música, 17h30 e a apoteose, quando Pinto da Costa apareceu por entre a plateia do coliseu, com gritos de “Porto! Porto!” a abafarem a “Pronúncia do Norte” e o presidente com cara taciturna, algo desprovida de laivos de emoção; às 17h32, um aplauso a amortecer o fim da canção dos GNR para ser sucedido com berros de “O Porto é nosso e há de ser, o Porto é nosso até morrer.” Eram 17h38 e já a cicerone das cerimónias discursara palavras bonitas em louvor de Pinto da Costa, cravando mais um aplauso que pôs de pé o líder de 42 anos, um holofote radiante a iluminá-lo e a deixar ver algumas presenças nos resquícios dessa luz.
Sentados à sua beira, na mesma fila ou logo na de trás, estavam António Oliveira e Jaime Magalhães, antigos jogadores do clube. Mesmo no assento do lado, a hora da companhia próxima era de Manuel Pizarro, o ministro da Saúde a dar presença do Governo na cerimónia. O recinto jubilava com palmas. Depois, no ecrã gigante, eis a cara de D. Américo de Aguiar, Bispo do Porto, cardeal católico e presidente das recentes Jornadas Mundiais da Juventude a manifestar o seu apoio na mesma tela onde surgiria um vídeo embalado por música épica, colado com conquistas históricas dos dragões.
O braço erguido no ar do falecido Fernando Gomes, o exemplo do bibota seguido de arrancadas de Paulo Futre, golos de Rui Barros, saltos celebrativos de José Mourinho, o golo tardio de Costinha em Manchester, as lágrimas de felicidade em Gelsenkirchen e a cabeçada de Falcão em Dublin, na final da Liga Europa erguida por Helton na conquista orientada pelo ruivo André Villas-Boas cujos cabelos não surgiram, nem um fio, evidentemente em qualquer frame. Esse era o prenúncio de bicadas por vir. Às 17h55, era chamado ao palco Jorge Nuno Pinto da Costa e o seu “ora bem” a ser interrompido por um “e salta Porto e salta Porto allez, allez!” A seu tempo, sem papeladas a ajudá-lo, confirmaria o esperado: “Eu sou candidato à presidência do FC Porto.”
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A ser eleito, será o seu 16.º mandato e “o último, sem dúvida”, confirmou já mais para o final do seu discurso. A primeira vez que os votos lhe sorriram foi há 42 anos. Na plateia, em apoio para mais quatro anos de Pinto da Costa como presidente, também esteve Sérgio Conceição, treinador da equipa principal desde 2017 que tem fintado questões acerca desta corrida eleitoral. Na sexta-feira, sublinhara: “O meu papel e o dos jogadores é pensar única e exclusivamente em servir o FC Porto.” No coliseu, o técnico foi fotografado a beijar carinhosamente a teste do presidente.
Feitas as apresentações, seguiu-se uma intervenção calculada, a ritmo calmo e pausado, sem nomear o candidato que quem o ouvisse pensaria ser seu único adversário nas próximas eleições - há um terceiro, o empresário e professor Nuno Lobo - mas visando-lhe críticas e alfinetadas sem cerimónia. Algumas, também, sem sensibilidade. Picotando as declarações de AVB, há semanas, na Alfândega do Porto onde apresentou a sua candidatura, Pinto da Costa referiu que “não basta dizer que se sonhou com cadeiras de sonho que hoje pode estar ali e amanhã acolá”, retórica eleitoral a encaixar nos moldes convencionais, seguida de um “entrei nesta sala, cheguei a este púlpito sem ter nenhum segurança a acompanhar-me”, alusão à sombra que seguiu Villas-Boas quando entrou no seu tal evento.
Um reboque visto no seu adversário eleitoral que era provavelmente justificada com o que, tempo antes, o antigo treinador dos dragões teve de lidar: a sua residência fora atacada e vandalizada quando os rumores da sua candidatura ganhavam corpo. Sem o mencionar, o destinatário das bicadas era pouco subliminar. Mas, paradoxalmente, às críticas a Villas-Boas juntou um agradecimento por inerência, quando quis “agradecer a todos os atletas, treinadores e dirigentes que desde 1982, [o] acompanharam nesta luta e que foram o seu suporte”. Porque, frisou, “todos tiveram” o “rigor, competência, paixão e ambição” que são os “quatro pilares” estimados por Pinto da Costa que define “o que é ser do FC Porto”.
O dirigente, de 86 anos, assegurou que o clube “será sempre o dono da SAD” e confessou estar “orgulhoso e comovido” de olhar para uma plateia cheia e pensar: “Tanta gente aqui que não precisa de mim para nada, nem espera nada em troca.” Entre eles, com privilégio de o receber no Coliseu do Porto à chegada, esteve João Koehler, empresário do Porto e acionista da SAD, outrora crítico da administração do clube e de uma “má prática de gestão financeira”. Há quatro anos, à Tribuna Expresso,disse que se demitia enquanto administrador de uma empresa que “apresentasse contas” do “calibre” dos 50,8 milhões de euros de prejuízo registados no primeiro semestre da época 2019/20. Em outubro último, a SAD do FC Porto teve contas negativas em €47,3 milhões, balanço que Pinto da Costa atribuiu a “estratégia” para o clube poder segurar Diogo Costa e Pepê no verão.
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A entrada a pés juntos
“Minhas queridas dragonas, meus queridos dragões, não tenho palavras para vos agradecer a receção, o carinho, a amizade, a solidariedade que hoje, com a vossa presença e os vossos aplausos, me transmitiram e baterem bem fundo no coração. Naturalmente que todos compreenderão como é difícil para mim neste momento controlar as emoções de poder ter a serenidade para vos transmitir o que tenho para vos dizer. Entrei nesta sala, cheguei a este púlpito sem ter nenhum segurança a acompanhar-me. Não venho ler nenhum discurso, nem tenho ao fundo qualquer teleponto.
Venho dizer-vos como sempre vos encarei a dizer aquilo que sinto e a compartilhar convosco o amor ao FC Porto. Tenho aqui uma sala repleta de gente ilustre, de notáveis, porque, para mim, todo e qualquer dragão é para mim uma pessoa notável. Orgulho-me de ter uma plateia cheia e não ter ninguém ressabiado. E se para mim são todos iguais e estão todos no meu coração, permitam-me só, pelo lugar que ocupa e pelo carinho e dedicação que demonstra em relação ao FC Porto, agradecer ao Dr. Manuel Pizarro por estar entre nós. Está como portista de coração e, para mim, todos os que estão de coração no FC Porto são notáveis.”
A confirmação da recandidatura
“Entrei para sócio de FC Porto a 31 de dezembro de 1953, tive o meu primeiro cargo como dirigente desportivo em 1962, mantendo-me até 1969 como chefe e diretor de várias secções nas presidências do Sr. Nascimento de Cordeiro e do saudoso Dr. Cesário Bonito. Fui mais tarde convidado pelo Sr. Afonso Pinto Magalhães, grande presidente do FC Porto, para ser dirigente das modalidades amadoras. Fui, de 74 a 78, diretor do departamento de futebol a convite do saudoso Dr. Américo Sá. Este é o meu percurso no FC Porto. E porque considero que quando alguém concorre a qualquer lugar, a primeira coisa que deve apresentar é o seu currículo, este é o meu no FC Porto. E se pela vossa reação posso admitir e querer que o meu currículo está aprovado, eu sou candidato à presidência do FC Porto.
E espero que quem quer que venha a candidatar-se apresente também o seu currículo. Não basta dizer que se sonhou com cadeiras de sonho que hoje pode estar ali e amanhã acolá. Não basta querer abrir caminho para que gente que nem é do FC Porto tome o FC Porto para fazer negócios. Venho apresentar-vos a minha candidatura pelo coração, pelo nosso coração, pelo amor de todos nós ao FC Porto. Tive a felicidade, nos meus mandatos, que as equipas das modalidades e do FC porto 2568 títulos. Quero realçar isso para agradecer a todos aqueles que me ajudaram nessa luta, aos treinadores de todas as modalidades, aos atletas tão magnificamente aqui representados não por terem passado efemeramente pelo FC Porto, mas por terem vivido uma carreira de paixão no FC Porto. É a eles que devemos esses títulos, que devemos estar agradecidos, conseguimos 68 títulos em futebol, sete dos quais internacionais, mais do que todos os clubes portugueses juntos - não conseguem chegar nem perto desse número.
Por isso sou candidato à presidência do FC Porto e quero agradecer a todos os que desde 1982 me acompanharam nesta luta, a todos os atletas, treinadores e dirigentes que foram o meu suporte, as minhas quatro palavras para definir o que é ser do FC Porto: rigor, competência, paixão e ambição. Todos eles a tiveram, por isso, a todos sou grato. E queria lembrar alguns dos meus queridos dirigentes que, infelizmente, não estão presentes: Reinado Teles, Poncio Monteiro, Armando Pimentel, podem ser os presentes e futuros modelos do que é servir e amar o FC Porto.”
O que o levou a recandidatar-se
“Tinha condicionado a minha recandidatura a três factos: a passagem aos oitavos de final da Champions que alcançámos; aquilo que foi a arma de arremesso às direções, que agora se calaram porque já sentiram que estavam a cometer um erro, que são as contas e os capitais próprios positivos - não vou poder revelá-los por imposição da lei e da CMVM, mas posso-vos dizer que, se estou aqui, é porque dentro de uma ou duas semanas vamos apresentar um saldo positivo de algumas dezenas de milhões de euros; explicámos, mas ninguém quis ouvir, de que tinha sido uma estratégia de apresentarmos aquele saldo negativo para podermos resistir ao ataque que nos foi feito para nos levarem o Diogo Costa e o Pepê, por exemplo, então optámos por mantê-los, apresentar esse saldo, mas sabendo que no final do ano estaria invertida a situação e estariam, como vão estar, os capitais próprios positivos.
Desde que cheguei ao FC Porto não me lembro nunca de ter tido um momento de desafogo financeiro. Em 1982, tive, na farmácia do meu saudoso amigo Fernando Barbot, abrir uma conta em meu nome para que fornecesse ligaduras ao FC Porto; vejam a que ponto estávamos. E ao fim de meia dúzia de meses, quando regularizámos essas situações, agora, por favor, debita ao FC Porto, senão algum dia julgam que tenho uma fábrica de múmias. Desde essa hora, quando, para fazermos as viagens, nos exigiam o pagamento das viagens a pronto e tudo para nos dificultarem a vida, foi sempre, até hoje, com muita luta e ajuda dos meus parceiros, que fomos ultrapassando estas dificuldades.”
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O último mandato
“Este será, certamente, o meu último mandato, sem dúvida. Mas vou cumpri-lo até ao fim. Não é com a intenção, como alguns dizem, de o deixar a meio para abrir a porta a quem quer que seja. Não, quem vai escolher o presidente do FC Porto serão os sócios do FC Porto. Não serão os lóbis, as grandes construtoras, os grupos económicos nem as televisões ou aqueles que aspiram a voltar a ter o preço ao desbarato dos direitos televisivos do FC Porto. Não, não vão, porque os sócios não o permitirão e reconhecem o que é ser do FC Porto. Fico orgulhoso e comovido ao olhar para esta plateia e ver tanta gente aqui que não precisa de mim para nada, nem espera nada em troca, mas está aqui por amor ao FC Porto. Não vejo aqui ninguém que não sendo do nosso clube, que tendo camarote nos nossos rivais, vê apenas uma possibilidade de negócio. Não, aqui o FC Porto será sempre o dono da SAD do FC Porto.”
Os ‘inimigos’ do FC Porto
Quando se criaram as SADs, em 1999, o FC Porto tinha apenas 40% do seu capital. Hoje, temos 74%. E não, não conseguirão, para querer vender o seu lote de ações, ter aqui alguém a negociar com gentes da Arábia, do Irão, do Iraque ou do Dubai, para fazer negócio e levar o FC Porto a perder essa percentagem na nossa SAD. Garanto-vos que ninguém entrará no FC Porto a não ser aqueles que, portistas do coração, compram ações para serem acionistas do FC Porto e estarem mais ligados ao nosso clube.”
Nós temos de ser ambiciosos. Sabemos o quão difícil é ser e estar no FC Porto. Temos uma comunicação social que nos hostiliza. Ouvia-os hoje à tarde, um comentador desportivo que eu mantinha um discurso contra a imprensa lisboeta, e disse que a candidatura do meu adversário era para combater isso mesmo. É verdade, basta ouvir diariamente um programa de televisão da CM TV para se sentir a vontade com que eles querem ver-me daqui para fora. Sou permanentemente afrontado, atacado, até insultado, mas isso só me dá força. E enquanto eu sentir que as televisões e a comunicação social lisboeta me quer ver daqui para fora, piso bem os pés no chão e digo: ‘Vamos em frente FC Porto.” Fico triste quando, como hoje ainda vi, nos dois jornais da cidade, que o Jornal de Notícias, que encheu primeiras páginas com notícias de que o meu opositor hoje está aqui, amanhã acolá, hoje está numa assembleia e amanhã está a vender refrescos no Bulhão, hoje não traz uma linha sobre este evento que estamos a realizar. Não é um desrespeito para mim, mas para vós, que são a alma do FC Porto. É isso que quero combater. Quero todos pelo FC Porto, não somos só nós. Mas não vou permitir que entre aqui quem queira fazer do FC Porto um entreposto de negócios com os árabes.”
Um presidente de todos
Era muito prático para mim chegar a esta altura, ao fim de 42 anos de presidente, e dizer basta - e a dizer chega, cuidado -, basta. E viver dos louros de tudo o que conquistámos. Não, não fui no canto da sereia dos que me diziam que eu era o presidente dos presidentes, que merecia ser presidente honorário, que por acaso até já sou, que merecia todas as honras. Não, eu estou aqui para levar o FC Porto em frente, infelizmente não sou o presidente dos presidentes porque todos os presidentes, muitos dos que com quem trabalhei, infelizmente já não existem no meio de nós. Sou o presidente do FC Porto, sou o presidente de todos vós, porque vocês me elegeram e pretendem que eu continue.
Fico orgulhoso por ver aqui tantos ex-atletas que escreveram a letras de ouro a história do FC Porto. Não passaram por aqui, estiveram por aqui. Amaram e amam este clube. Por isso, na pessoa do eterno capitão João Pinto, queria envolver todos vós num grande abraço. Fixem bem, não como um slogam mas como um estado de alma: Todos pelo Porto. Se estivermos todos pelo Porto, o Porto será maior. O Porto clube, o Porto cidade e o próprio país, porque a palavra Portugal nasce do FC Porto. Viva o FC Porto! Todos pelo Porto!”