Joel Stransky chutou a bola que ganhou um Mundial, foi almoçar com Mandela e ‘entrou’ no filme que Clint Eastwood fez sobre ele e os amigos

Editor
Pensemos nas toneladas de pressão com que Joel Stransky teve de arcar. Estava na final do primeiro Campeonato do Mundo profissional da história do râguebi, os braços, as pernas e a cabeça fatigadas pelo cansaço e fustigadas pelo tempo, o jogo já ia no prolongamento e só restavam oito minutos de caça ao prejuízo. Empatados a 12 pontos com a Nova Zelândia, os sul-africanos sabiam que não haveria desempate após o tempo extra. Caso empatassem, perderiam, reféns da regra que então derrubava a seleção com mais cartões amarelos vistos no torneio. Quando a bola lhe chegou às mãos, parece que nem olhou para o alvo.
A uns 30 metros de distância, Joel Stransky exibiu confiança no pontapé e encheu-se de um peito-feito na ressaca do chuto lhe sair do pé. Parecia seguro do desfecho, certo de que a bola que deixou ressaltar na relva e chutou bem para o alto iria passar entre os postes. “Um drop é tão espontâneo que não pensas em nada, toda a prática e a preparação entra no momento”, diz o hoje cinquentão, quase a minimizar a dificuldade do teve de executar perante um Ellis Park, em Joanesburgo, a transbordar pelas costuras da camisa de tão apetrechado de gente que estava. A bola que lhe voou da sua chuteira destra daria um impensável título Mundial à fraturada África do Sul, cheia de feridas do apartheid, do racismo e da segregação que foram saradas durante uma semanas.
Duas horas antes, um avião comercial fizera um voo rasante sobre o estádio para desejar força aos springboks, o Nelson Mandela inspirado pelo râguebi como plasticina de uma união de um povo a tentar ser inspirador ao cumprimentar os jogadores, no relvado, vestindo a camisola da seleção que representava o poder branco, o râguebi era coisa de brancos porque jogado sobretudo por brancos e o primeiro presidente eleito com democracia na África do Sul predominantemente negra aproveitou-se de um símbolo de divisão para motivar a união. No pontapé em drop de Joel Stransky também estava o sonho de “um homem maravilhoso, calmo, acolhedor e sábio”, em cuja “bondade existia um perdão verdadeiro”.
Visitante, há uns meses, de Lisboa para um jogo de exibição das antigas lendas do râguebi sul-africano contra homónimos portugueses, Stransky falou dos Himalaias de significado desse Mundial de 1995, da experiência que foi vivê-lo nas entranhas e de vê-lo, depois, digerido para o cinema por Clint Eastwood. E foi o filho do realizador a protagonizar o ex-médio de abertura da África do Sul no ecrã, onde um Morgan Freeman que conheceu “na persona de ‘Madiba’, com o mesmo sotaque” quando visitou o set das filmagens da película que ainda acha “inacreditável” ter sido feita acerca da “viagem incrível” que “aproximou as pessoas umas das outras”.
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