Estão à sombra, sentados num dos velhinhos bancos de suplentes do principal campo de râguebi do Complexo Desportivo do Jamor, sorridentes e com reservas de energia para a galhofa. É louvável. As cerca de três horas anteriores parecem que passaram como um suspiro por Rodrigo Marta e Manuel Cardoso Pinto, eles tiveram os músculos e o fôlego triturados à torreira do sol matinal, mas brincam, riem, um dá uma palmada na coxa do outro e diz “vou tentar tirá-lo aqui do lugar, que jogamos na mesma posição”. É o troco recebido quando, findo o treino, massacrados os corpos, os auscultamos pelos objetivos que têm para o Mundial. E a boa-disposição, de repente, soluça, trava ao de leve quando o hino nacional entra no baile da conversa.
Dirigir-lhes uma das imagens, quase rótulo, que restou da estreia da Portugal no pináculo do râguebi, há 15 anos, é um protótipo fácil de pergunta: homens grandes, corpulentos, graúdos e feitos a escorrerem lágrimas enquanto entoavam ‘A Portuguesa’; homens feitos, como os que os clichés dizem que não choram, a chorarem desalmadamente na estreia do país em Mundiais. Rodrigo tinha 8 anos, Manuel vivia há nove, em 2007 eram crianças e o tempo que os tirou da infância não fez crescer a modalidade, ainda amadora no país. Nota-se o esforço em trocarem os pés aos sentimentos. Já são cautelosos na fala, embora de pouca dura. O mais velho diz que não podem “deixar-se levar completamente pelas emoções”, quer luzir contenção, mas quem tem menos idade baixa a guarda.
Rodrigo Marta lembra-se “daquele jogo contra a Espanha”, há meses, em Madrid, onde “quem ganhasse qualificava-se” para o Campeonato do Mundo e a voz do selecionador Patrice Lagisquet, o mais ancião do balneário lhes pedir, mais do que dizer: “‘Não quero ver ninguém a chorar, cabeça fria, façam o vosso jogo, ninguém se pode emocionar, agora cabeça fria’”. Remata a confidência, “mas não é fácil”, para o antes cuidadoso Manuel Cardoso Pinto o acompanhar, de novo rendido ao riso. “Já sabemos como vai ser quando for o Mundial”, concede. Faltavam quase dois meses para o torneio e a estreia de Portugal (contra o País de Gales, este sábado, às 16h45, Sport TV).
A seleção ainda amanhecia, todos os dias, no seu quartel menos ocluso que há, no Jamor, onde qualquer cidadão poderia sentar-se na bancada de pedra e vê-los chegarem ao treino de moto, em carros partilhados, por vezes até já equipados, para treinarem. E também poderiam ouvir o treinador, às tantas, a gritar com impaciência.
O stress, a pressão
Este treino, em meados de julho, até tem Patrice Lagisquet a cortejar a calma na maior parte do tempo. Com início pelas 9h, as brasas aquecem-se com corridas ligeiras, elásticos de resistência e exercícios progressivos de ativação. O selecionador assiste, atento e de boné branco na cabeça, enquanto um poliglota “allez, fast, velocity!” é ordenado pelos preparadores físicos gauleses. Há dois circuitos a dividir os mais de 30 atletas equipados sem mangas, uns estimam a explosão e os arranques e os outros limam a força usando cargas (barras e pesos). Aos poucos, as piadas são engolidos pela contrição, o fôlego vira propriedade preciosa. Já se escuta o sopro do vento e o zumbido da autoestrada, ali mesmo ao lado.
A tareia física precede a bola e os jogadores sabem-no, as primeiras quatro semanas de estágio serviram para lhes esculpir o físico. Este treino fez a oval conviver mais com as mãos deles, mas também lhes aproximou os ouvidos da irritação do treinador.
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