Râguebi

Eddie Jones, o treinador que vive entre o céu e o inferno e que terá em Portugal o próximo adversário

Eddie Jones, o treinador que vive entre o céu e o inferno e que terá em Portugal o próximo adversário
Guillaume Horcajuelo/EPA

O treinador da Austrália arrisca-se a ficar na história do râguebi do seu país pelas piores razões. No 3.º lugar do Grupo C, com os mesmo pontos que Fiji mas um jogo a mais, os wallabies estão à beira do precipício e perto de saltar fora do Mundial pela primeira vez na fase de grupos. Domingo encontram-se com Portugal, mas já pode ser tarde para as aspirações dos australianos, cujo selecionador divide opiniões e envolve-se em polémicas com alguma frequência

Eddie Jones não é, provavelmente nunca será, uma figura consensual no seio de uma modalidade jogada por homens com ar agressivo, mas a quem não é permitido pisar as linhas das regras instituídas. Qual elefante em loja de porcelana, o (ainda) selecionador da Austrália já por várias vezes tropeçou em si próprio, fazendo alguns estragos que o obrigaram a esclarecimentos e pedidos de desculpa ou o levaram até a conhecer a porta da rua.

E, a julgar pelos últimos episódios, a sinalização da porta de saída parece ter voltado a iluminar-se no seu caminho.

Tendo em conta que a Austrália, potência do râguebi, pode chegar ao jogo com Portugal (no domingo) já eliminada da fase de grupos, o que, a acontecer, seria inédito, o futuro de Eddie Jones à frente dos wallabies está preso por um fio.

Se este facto por si só pode ser suficiente para correr com o treinador, as recentes notícias de que terá sido entrevistado secretamente, via Zoom, por autoridades do Japão, no sentido de voltar a assumir o cargo de selecionador daquele país, pouco antes do início deste Mundial, não vieram ajudar em nada o selecionador, sobretudo porque surgiram no dia em que a Austrália perdeu com o País de Gales, por expressivos 40-6, comprometendo bastante a continuação no Mundial, depois de também já terem perdido com Fiji.

Confrontado com os rumores, Eddie Jones negou quaisquer abordagens ou conversas com os japoneses, respondendo: “Não sei do que está a falar”. E concluiu: “Estou comprometido em treinar a Austrália”.

Participação da Austrália no Mundial 2023 tem sido desastrosa
Guillaume Horcajuelo

Esta não é a primeira vez que Eddie Jones tem as rédeas da seleção australiana nas suas mãos. Entre 2001 e 2005, levou a Austrália à final do Mundial de 2003, antes de ajudar a África do Sul, como conselheiro, a vencer o Campeonato do Mundo de 2007.

De 2012 a 2015 treinou o Japão conseguindo uma surpreendente vitória dos nipónicos sobre a África do Sul, no Mundial de 2015. Estes pergaminhos levaram-no a tornar-se no primeiro técnico estrangeiro a assumir a liderança da Inglaterra, no final desse ano. E Eddie Jones não só conduziu a Inglaterra à final do Campeonato do Mundo de 2019, bem como a três títulos do Torneio das Seis Nações, e tornou-se no treinador com a maior taxa de vitórias (73%) com a Red Rose, com um total de 59 vitórias em 81 jogos disputados, superando todos os seus antecessores.

Os sete anos que esteve à frente da seleção tiveram, no entanto, muitos altos e baixos. Após um início com uma série recorde de 17 vitórias e apenas uma derrota nos seus primeiros 25 jogos - um período que se estendeu por mais de dois anos e trouxe sucessivos títulos no Torneio das Seis Nações, incluindo o primeiro Grand Slam desde 2003 -, seguiu-se um período mais negro, sobretudo em 2018, em que perdeu cinco jogos seguidos, entre fevereiro e junho. Porém, em 2019, deu a volta por cima, levando os ingleses a derrotar a anfitriã Nova Zelândia a caminho da final do Campeonato do Mundo, antes de serem vencidos, na final, pela África do Sul.

Dan Mullan - RFU

Um terceiro título do Torneio das Seis Nações, em 2020, valeu a Jones a prorrogação do contrato que supostamente o manteria no cargo até ao final do Mundial deste ano.

Mas 2021 e 2022 não correram bem ao técnico, que nasceu na Tasmânia há 63 anos, fruto do casamento de uma japonesa com um australiano. A Inglaterra perdeu três dos cinco jogos do Torneio das Seis Nações em 2021 e 2022 e o fantasma do annus horribilis de 2018 voltou a pairar, até porque perdeu seis em 12 jogos.

Em dezembro de 2022 acabaria por ser despedido, para gáudio de uns e tristeza de outros. Os seus defensores elegem-no como o melhor treinador de sempre da Inglaterra, socorrendo-se dos números e títulos já aqui referenciados e dos métodos que usa, que podem incluir acordar às 5h para submeter jogadores a sessões intensas, mas curtas, para estarem nos limites aeróbicos do corpo. Consideram que saiu um ano antes do tempo e que deveria ter tido a oportunidade de brilhar em França.

Do outro lado, há quem prefira realçar que Jones teve a sorte de herdar um plantel do qual já faziam parte jogadores que, com a seleção inglesa de sub-20, chegaram a quatro finais do Campeonato do Mundo e conquistaram dois títulos neste escalão etário, de 2011 a 2015, além de terem conquistado no mesmo período, quatro dos cinco títulos possíveis do Torneio Seis Nações Sub-20.

Durante sete anos, Jones protagonizou vários episódios que fizeram correr tinta, dado o seu gosto por fazer piadas e atirar farpas. Uma das polémicas começou com um comentário sobre um jogador seu, Marcus Smith, mas que atingiu Emma Raducanu. Jones disse que Marcus Smith não devia cair na mesma armadilha que a jovem figura do ténis inglês e que havia uma razão para a jovem, que venceu o Open dos EUA em 2021, não ter conseguido jogar tão bem a seguir. A razão, segundo Jones, era Raducanu andar distraída com campanhas publicitárias e com os meios de comunicação social, após ter posado para a “Vogue” e ter dado a cara por uma conhecida marca de roupa. A linguagem foi considerada sexista e Eddie Jones sentiu necessidade de pedir desculpas. Contactou Raducanu diretamente para lhe explicar que apenas queria dizer “como é difícil para os jovens jogadores lidar com as distrações”.

foto David Rogers/Getty Images

No podcast RugbyPass Offload, em novembro de 2022, o jogador Joe Simpson relatou um caricato episódio, em que Eddie deu uma enorme dura a um ex-assistente, à frente de toda a equipa, por ter cometido um pequeno erro no treino. Jones terá pedido desculpas mais tarde por ter perdido a cabeça e ofereceu ao ex-técnico um saco, dizendo: “Comprei um bife para ti, leva para casa e come com a tua patroa. Aproveita e aceita as minhas desculpas”. Ao que parece, quando já em casa contava à mulher o insólito episódio, abriu o saco e lá dentro em vez de um bife encontrou salsichas. Mais tarde recebeu uma mensagem de Eddie: "Não estás pronto para um bife. És uma salsicha. Melhora o teu jogo".

Em agosto de 2022, o técnico australiano voltou às luzes da ribalta por criticar a dependência do râguebi inglês do sistema de escolas privadas e foi repreendido pela União de Futebol de Râguebi (RFU). Numa entrevista a um jornal, o selecionador da Inglaterra afirmou que "vão ter de rebentar com tudo isto" porque produz jogadores "fechados" que não têm "determinação". A opinião foi considerada "insultuosa", mas Jones insistiu que o ónus de produzir jogadores de qualidade é da RFU e que isso não aconteceu.

Depois de ter sido despedido do cargo de selecionador da Inglaterra em dezembro de 2022, Eddie Jones voltou a ser o treinador principal da Austrália no início deste ano, mas arrisca agora ficar na história dos wallabies pelas piores razões, algo que certamente não deseja, nem nunca lhe passou pela cabeça.

Se a seleção das ilhas Fiji vencer a Geórgia com ponto de bónus, no próximo sábado, assegura desde logo a qualificação para os quartos-de-final, uma vez que tem vantagem no confronto direto com os australianos.

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