Râguebi

José Paiva dos Santos entrou aos três minutos e, num ápice, estava a marcar dois ensaios aos bicampeões do mundo de râguebi

José Paiva dos Santos entrou aos três minutos e, num ápice, estava a marcar dois ensaios aos bicampeões do mundo de râguebi
PHILL MAGAKOE

Estava no banco de suplentes e a contar passar lá um bom bocado. De repente, aos três minutos, mandaram-no ir a jogo contra os bicampeões do mundo de râguebi e marcou dois dos três ensaios de Portugal na derrota contra a África do Sul (64-21) num encontro de exibição em Bloemfontein. Os Lobos jogaram com mais um jogador durante 77 minutos, mas não conseguiram anular a diferença em relação aos Springboks, apesar das boas prestações de jogadores como Simão Bento e Manuel Cardoso Pinto

Nunca ninguém percebeu bem como é que no pedra, papel ou tesoura uma folha supera uma rocha. Ainda bem que esse é um método apenas utilizado pelas crianças para tomar decisões nos plenários do recreio. É um mau princípio, porque a vida é um pouco mais cruel. Uma montanha não se derruba se lhe apontarmos um livro.

A intransigência do que parece ser intransponível não alivia com a emoção das histórias bonitas. Os Lobos levariam vantagem para qualquer encontro se assim fosse. Todo o mundo viu o que Portugal fez contra as Ilhas Fiji, no Mundial 2023. Poder-se-á dizer que muita da abertura que as seleções topo de gama estão a demonstrar para jogar encontros amigáveis frente a equipas de nível mais baixo se deve a esse feito. Assim, Portugal foi à África do Sul testar o ponto de evolução do seu râguebi e talvez o resultado pesado (64-21) não seja para relembrar muitas vezes no caminho para o assumido objetivo de estar no Mundial 2027.

“Portugal demonstrou que pode competir com algumas das melhores equipas do mundo”. A reflexão de Rassie Erasmus é fiel à cultura de respeito da qual a modalidade tem fama. Ao mesmo tempo, o selecionador sul-africano não ignorou que orienta os bicampeões do mundo e manteve apenas um jogador, Kurt-Lee Arendse, no XV inicial em comparação ao jogo frente à Irlanda que antecedeu o embate com os Lobos.

Tomás Appleton, capitão português, também não escondeu que o primeiro jogo da história entre as duas equipas era uma oferenda para o estatuto que os Lobos conseguiram atingir mesmo que mantendo o estatuto de não-profissionais. “Muitos de nós vamos defrontar jogadores que costumávamos ver na televisão. Eles influenciaram o nosso estilo e a forma como queremos jogar”, afirmou o dentista ao portal Rugby365.

Haverá sempre diferenças num duelo entre jogadores de râguebi e profissionais de outras áreas. Se colocassem Kurt-Lee Arendse frente a frente com Tomás Appleton num concurso de remoção de tártaro, o resultado ia pender para o português.

José Lima, o homem com as lágrimas mais conhecidas do râguebi, voltou a ter preso por um fio o choro enquanto cantava o hino, tal como tinha acontecido em França. O mesmo é dizer que, para Portugal, o jogo com a África do Sul era tão ou mais importante.

O drop de partida iniciou a demonstração de que Simon Mannix, a fazer o segundo jogo no comando dos Lobos, vem para manter a liberdade artística dos três quartos. Manuel Cardoso Pinto, ou CP, como lhe costumam chamar os preguiçosos incapazes de dizer dois apelidos, correu em linha reta com placagens secas a tentarem pará-lo. Parecia o meio de transporte operado pela empresa pública com o qual partilha sigla. Ficou a milímetros do ensaio.

Por muito que um olhar distante faça o jogo de râguebi parecer um desenho de uma criança de três anos, tal o emaranhado dos lances, existem regras que a árbitra Holly Davidson se empenhou em fazer cumprir. Com isso, Portugal ficou a jogar com mais um elemento. André Esterhuizen foi expulso após cabecear José Lima. Choques como o que aconteceu entre os dois jogadores não são nada propícios a que o mais debilitado dos intervenientes permaneça em campo.

José Lima saiu aos três minutos e José Paiva dos Santos, que esperaria que a sua jornada no banco de suplentes demorasse um pouco mais, entrou. Ainda nem dez minutos tinham passado e o jogador do Belenenses recebia o offload de Simão Bento para viver uma das maiores odisseias da sua vida enquanto corria mais de metade do campo com o ensaio debaixo do braço.

Portugal colocava-se a ganhar e garantiu logo aí que não saía de Bloemfontein sem uma recordação. Só que se os Lobos têm CP, os Springboks têm várias espécies de TGV’s. Ao intervalo, mesmo que a seleção nacional tenha, durante dez minutos, estado com mais dois elementos em campo, o resultado tinha virado para um nada suave 29-7.

A genica ofensiva nunca faltou aos jogadores de Simon Mannix. O problema era conter as locomotivas que vinham do outro lado. O jogo terminou com dez ensaios da África do Sul (três da autoria de Makazole Mapimpi) e três para Portugal. Simão Bento mostrou os ziguezagues mais eficazes para a tentativa de iludir uma linha defensiva dos Springboks que encurtava num ápice a distância para o portador da bola, mas que não lidava bem com situações de pressão.

A eficácia de Portugal na ida aos 22 metros do adversário foi elevada. Os Lobos conseguiram mais dois ensaios que suavizaram o resultado. José Paiva dos Santos, em mais uma incursão pela ponta direita, e José Madeira mostraram que, apesar da demora a entrar no ritmo, existiam formas de vergar o tal muro que, até certo ponto, não é mais do que uma amarra mental.

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