Râguebi

Para o seu terceiro Mundial de râguebi, calhou a Portugal uma fava pouco exótica e muito europeia

Em julho, a seleção nacional sofreu a pior derrota da sua história (108-13) contra a Irlanda, que vai reencontrar no Mundial de 2027.
Em julho, a seleção nacional sofreu a pior derrota da sua história (108-13) contra a Irlanda, que vai reencontrar no Mundial de 2027.
David Fitzgerald

Os ‘Lobos’ vão jogar contra irlandeses, escoceses e uruguaios na fase de grupos do próximo Campeonato do Mundo de râguebi. Será a terceira participação no torneio para Portugal, onde a modalidade ainda é amadora. À 11.ª edição (a sétima desde que o râguebi virou profissional, em 1995), a prova vai estrear um novo formato com 24 seleções e mais jogos, embora em menor número na fase inicial. O Mundial arranca em outubro de 2027, na Austrália

Quando, num Jamor escanzelado de gente nas bancadas, os jogadores portugueses ouviram o silvo final do apito que mais parece um grito nervoso de uma rola, na cabeça de muitos terá entrado um pensamento. Perdido o encontro (6-28) para o Uruguai, então 19º do ranking da World Rugby, a seleção perdia a esperança de melhorar o seu 20º lugar na hierarquia, mesmo que ganhasse, como o fez, os dois compromissos seguintes de novembro. Ambos com pior classificação, vencer Canadá e Hong Kong era inócuo se antes os uruguaios não fossem vencidos. A consequência deu-se a conhecer esta terça-feira, a mais de 18 mil quilómetros por viagem com asas.

Em Sydney, na Austrália, onde já se despem camadas de roupa pelo cheiro a verão iminente, realizou-se o sorteio da fase de grupos do próximo Campeonato do Mundo e Portugal, posto no pote 4, teve a sorte previsível para quem por estes dias se preocupa com tapar a pele com agasalhos. Estando entre a 19ª e a 24ª posições do ranking segundo a atualização de 1 de dezembro, um docinho ofertado pela organização que rege o râguebi para aguçar o interesse da janela de outono para jogos internacionais, os ‘Lobos’ já sabiam que iriam calhar só com adversários, em teoria, mais fortes. A fava era garantida: a seleção ficou no Grupo D com a Irlanda, a Escócia e o Uruguai.

Nunca o sorteio seria simpático para Portugal, tal era uma miragem. Mas, sendo o dificílimo uma garantia, o sortilégio poderia ter conferido outra graça ao entroncamento de equipas. Ao contrário das duas participações anteriores, a seleção não defrontará uma das nações mais fortes do Hemisfério Sul - a Nova Zelândia em 2007, a Austrália em 2023, além das Ilhas Fiji. Os adversários pouco de exótico terão e os portugueses até vão repetir o embate com a Escócia, ressuscitador de simbolismo: há 18 anos, Pedro Carvalho marcou o primeiro ensaio da história do râguebi nacional em Mundiais, no meio da derrota por 56-10.  

O mais temível dos jogos será diante da Irlanda, atual segunda classificada da hierarquia da World Rugby. Sentiu os seus tremeliques este ano, tem-lhe custado o câmbio geracional desde a retirada de algumas das suas lendas (Johnny Sexton ou Peter O’Mahony) e a falta de rasgo com bola ficou escancarada em jogos recentes contra as seleções mais fortes. Mas, no verão, veio a Lisboa com uma equipa secundário, sem os principais nomes, para atropelar os ‘Lobos’ por 99 pontos. Foi a pior derrota da história da seleção.

A Escócia tem o farol de talento de Finn Russell a guiá-la, um dos mais imprevisíveis 10 do râguebi, além das arrancadas de Blair Kinghorn, jamais será um adversário dócil para Portugal, que experimentou as agruras dos homens dos kilt e do whisky em novembro de 2024, quando visitou o mítico Estádio de Murrayfield, em Edimburgo, e perdeu por 59-21. Contra os uruguaios, velhos conhecidos, as hipóteses de vencer serão sempre maiores pelas poucas diferenças palpáveis no nível das equipas. 

Os seis grupos de quatro seleções do Mundial de 2027.

O cruzamento de seleções abraçou o pouco entusiasmo, em termos de confrontos entre equipas de latitudes distintas, noutros grupos. Os All Blacks, donos de três títulos mundiais, ficaram emparelhados com a Austrália no Grupo A, ambos com risonhos perspetivas de avançarem face à companhia de Chile e Hong Kong. Os ingleses não vão estranhar, no Grupo F, a cara dos galeses que anualmente defrontam no Seis Nações. Mais vivaços, apesar de desnivelados na teoria, serão os encontros da Argentina com as Fiji ou a Espanha no Grupo C, ou dos franceses com os japoneses no E, num choque de estilos frenéticos, cheios de jogo à mão. Os Springboks, bicampeões do mundo, terão de lidar com a Itália, a Geórgia e a Roménia no B.

À futebol, mas só no formato

O Campeonato do Mundo terá os jogos espalhados por sete cidades da Austrália e a seleção apenas saberá por onde se vai equipar a 3 de fevereiro de 2026, quando a organização do torneio divulgar o calendário completo. Aí restará um ano e meio até à prova, menos do que os quase dois anos que ainda sobram a contar do dia da realização do sorteio. Para a edição anterior, a World Rugby marcou a rifa com quase três anos de antecedência, a bem das contas à vida e à carteira dos adeptos, sensível à logística das viagens de quem enche os estádios com apoio. No futebol, o sorteio para o próximo Mundial acontecerá esta sexta-feira, apenas 188 dias antes do arranque da competição. Conhecendo a queda da entidade para a magnificência, deverá durar horas. Esta do râguebi ficou despachada em pouco mais de 30 minutos.

Ao serem futebolcêntricas, as atenções desportivas padecem de sintomas derramados por certos vícios da modalidade mais adorada no planeta, um deles as espampanantes cerimónias montadas para os sorteios de Mundiais.  

Na bola que junta 22 almas a correrem atrás dela no campo, a FIFA, mesmo que isso pouco importe, acha importante aprumar a ocasião em anfiteatros pomposos (o John F. Kennedy Center, em Washington) com atores/ comediantes (Kevin Hart), ex-modelos (Heidi Klum), bandas musicias (Village People) ou um tenor (Andrea Bocelli) para o que, afinal de contas, é um mero sorteio. 

Já na oval de ressalto imprevisível, responsável por 30 corpanzis andarem a chocar num relvado com postes em vez de balizas, a World Rugby limita-se a usar um sóbrio estúdio de TV, em Sydney, onde junta antigas estrelas e campeões do mundo por diante de uma simples fundo em chroma key, semelhante a qualquer noticiário televisivo. Sem perlimpimpim, momentos musicais ou discursos pomposos, as bolas foram sendo retiradas das taças, à antiga. O nome de Portugal saiu das mãos e da voz do neozelandês Daniel Carter, outrora melhor jogador do mundo, não de uma celebridade qualquer.

Os jogadores portugueses, em 2023, a celebrarem a primeira vitória da história do râguebi português em Mundiais, contra as Ilhas Fiji.
Julian Finney - World Rugby

No Mundial que a Austrália organizará, o râguebi vai adotar um formato estreado pelo futebol nem há uma década, que pôs o Portugal redondo a sorrir. No Europeu de 2016, a seleção nacional saiu da fase de grupos como um dos quatro melhores terceiros lugares, dali embalando para uma surpreendente vitória em Paris. O próximo Mundial oval será o primeiro a contar com 24 países, distribuídos por seis grupos de quatro seleções. Desde a edição de 2003 que o torneio por tradição longo, quase a tocar nos dois meses de duração, acolhia 20 equipas, cada uma com cinco jogos garantidos.

Com essa expansão lucrou Portugal, apurado diretamente para este torneio pelo aumento do número de vagas, fugindo às repescagens e aos play-offs a que se agarrou nas duas qualificações anteriores. Mas, alterado o formato, talvez não favoreça a seleção nacional. Antes, tinha assegurado o confronto com quatro adversários, provavelmente, de melhor nível, cheios de estruturas profissionais, lucrando com essa experiência.

Agora, mantendo a moldura realista, terá de aspirar a disputar o 3º lugar do grupo contra equipas que foram evoluindo nos últimos quatro anos, ao contrário do que é visível na oval portuguesa. De 2023 a 2027 pouco ou nada mudará na natureza amadora do seu râguebi caseiro, dependente da exportação dos melhores jogadores para as divisões secundárias de França ou do cortejo a luso-descendentes que seduza a atuarem pelos ‘Lobos’.

Pese a mudança na estrutura do Mundial, mantêm-se os cinco dias de descanso obrigatório entre jogos da fase de grupos. Com o número par de seleções, contudo, já não haverá uma a repousar a cada jornada. Haverá 52 partidas em vez das 48 da edição anterior, e menos na fase inaugural: pela primeira vez serão disputados uns oitavos de final, o que, na prática, impõe o mesmo esforço a quem for à Austrália para ser campeão, com a diferença de haver mais uma ronda a eliminar.

Em 2023, a África do Sul fez sete jogos até à revalidação do seu título, qualquer pretendente fará o mesmo número para conquistar o troféu Webb Ellis, entregue desde 1989 ao país vencedor do Mundial.

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