Rogério Casanova

Se lerem bem, como Rogério Casanova leu, há uma estrofe nos Lusíadas em que os Deuses do Olimpo olham para o clube de Alvalade

Se lerem bem, como Rogério Casanova leu, há uma estrofe nos Lusíadas em que os Deuses do Olimpo olham para o clube de Alvalade
FRANCISCO LEONG
E, algures nessa estrofe, lê-se o seguinte sobre Jérémy Mathieu, o ruivo lateral-esquerdo do Sporting: “ Pensando 'isto será chatice suficiente?'/ Olha, não: vamos lesionar com gravidade/ Aquele gajo francês, imediatamente"

Rogério Casanova

Rui Patrício

Um jogo em que conseguiu ser decisivo quase sem ter trabalho, como é da praxe, e mais alguns capítulos acrescentados à empolgante história conjunta que tem vindo a escrever com Griezmann. Já devem ter chegado ao ponto em que, caso se cruzem num centro comercial, exista uma ligeira pausa de desconforto enquanto ambos efectuam rápidos cálculos sociais ("Vou cumprimentá-lo? Finjo que não o vi?"). Imagino-os a iniciar uma amizade mais sólida daqui a uns anos, quando ambos se reformarem: longas tardes a dois, num alpendre com vista para uma paisagem bucólica, enquanto ambos tentam determinar qual deles foi maior, qual deles mais trágico, qual deles o melhor na nobre arte de levantar a cabeça.

Ristovski

Aquilo a que costumamos chamar "disponibilidade física" num futebolista assume uma de duas formas: aquela em que essa disponibilidade obtém o seu prestígio da evidência prática da sua eficácia; ou aquela que revela sobretudo o próprio processo em que consiste, arrastando os colegas e até o público consigo, tornando-os cúmplices de uma conquista e não apenas beneficiários mútuos de uma dádiva. Ou, explicando por outras palavras: dois milhões, duzentos e cinquenta mil euros.

Coates

Num Universo em que as leis da compensação kármica e da redenção narrativamente correcta funcionassem como deve ser, Coates teria sido o herói da partida. Teve duas oportunidades para isso: ao minuto 11 ganhou uma bola aérea num canto e arrrancou a defesa da noite a Oblak; e na segunda parte, conseguiu reproduzir quase na perfeição um gesto técnico inventado apenas na semana passada, mas o remate saiu à figura. Sem sorte para mais, limitou-se a ser exemplar na defesa.

André Pinto

Não esteve mal na linha defensiva, e alguma parte de mérito terá pelos seiscentos e cinquenta mil foras-de-jogo assinalados a Diego Costa. Com a bola nos pés foi a pilha de nervos habitual, encarando sempre com inalterado pânico o facto de a receber com alguns jogadores adversários a uma distância inferior a cinco metros.

Mathieu

Quando os Deuses no Olimpo luminoso,

Onde o governo está da humana gente,

Se ajuntam em consílio glorioso

Sobre as cousas da situação corrente.

E olham para o clube de Alvalade,

Pensando "isto será chatice suficiente?",

"Olha, não: vamos lesionar com gravidade

Aquele gajo francês, imediatamente".

(Os Lusíadas, Canto I, estrofe 20)

Acuña

Uma trilogia de bons cruzamentos - largos, mas tensos e precisos - intercalada com os habituais despejos não-autorizados. Ainda assim, é cada vez mais claro que a sua posição é esta e não a outra. Os melhores momentos que teve foram invariavelmente a deixar um adversário ganhar-lhe as costas (Vitolo aos 46') ou a frente (Torres aos 69'), mas depois recuperar em velocidade e ir fazer desarmes tecnicamente irrepreensíveis.

Battaglia

Um lance ao minuto 8: com tempo, espaço e terreno aberto para variar o flanco e isolar Ristovski no flanco direito, Battaglia viu a possibilidade, duvidou (quase de certeza com razão) da sua capacidade para executar o passe necessário, parou, voltou para trás, transportou a bola uns metros e foi entregá-la pessoalmente ao colega mais próximo. É um lance que não define a utilidade da exibição de Battaglia - numa noite em que encheu o campo de vitalidade e foi, tal como tinha sido contra o Barcelona, um dos melhores - mas que explica a probabilidade de cá o mantermos muitos anos. O que são, feitas as contas, excelentes e vidigálicas notícias.

Bryan Ruiz

Partilha alguma da ethos altruísta de William Carvalho, no sentido em que prefere o risco de temporizar para tomar a melhor decisão colectiva à segurança de se desembaraçar da bola tomando a melhor decisão individual: esse vício da paciência rigorosa condenou-o a algumas perdas de posse no meio-campo e a algumas perdas de juízo no canal que transmitiu o jogo; mas não maculou o facto de ter sido o melhor jogador da equipa; nem o facto de a mesma ter perdido quase toda a sua lucidez e capacidade de reter a bola no momento em que saiu.

Bruno Fernandes

Mais uma enxurrada de qualidade. É ele quem cruza para o cabeceamento de Coates e para o golo de Montero; perto do intervalo, depois de uma perda de bola de Battaglia, é ele quem vem em corrida à linha do meio-campo para desarmar Griezmann e impedir o contra-ataque; é ele quem desenha as raras combinações rápidas ao primeiro toque (como ao minuto 56, quando deixou Montero sozinho na área); é ele quem arranca nova grande defesa a Oblak, depois de uma bomba de fora da área. Foi a partir daí que se deixou vencer pelo cansaço, e perdeu discernimento. Mas se há alguém que hoje criou condições para que o pai dê uma entrevista em exclusivo a um diário desportivo em Julho, pedindo ao Sporting para o deixar sair para o Atlético de Madrid, foi com certeza ele.

Gelson Martins

Na primeira parte, a sua imprevisibilidade conseguiu quase sempre desequilibrar: se não criou oportunidades claras, criou pelo menos confusão, ou ganhou cantos (foi de um deles que saiu o golo). Ao minuto 45, após cruzamento de Acuña, e com o golo à mercê de um cabeceamento, esteve bem na forma, mas errou no conteúdo. Se a bola tem entrado, tudo estaria bem e seria uma época magnífica; como não entrou, a única alternativa é refundar o clube e começar do zero. É essa a principal conclusão filosófica deste parágrafo estritamente sobre o lance de Gelson Martins ao minuto 45.

Fredy Montero

Dentro do que são as suas características, e contra a dupla de centrais que encontrou, não se lhe pode pedir muito mais: capacidade a segurar a bola fora da área, boa movimentação dentro dela, um golo oportunista. Na segunda parte teve outra boa oportunidade e tentou... bem, tentou colocar em jeito, mas sem força, para o lado direito, em vez de fuz... bom, adiante.

Petrovic

Setenta minutos para gravar num ficheiro .mp4, fazer 2500 reproduções, e enviá-las o mais depressa possível a todos os empresários credenciados na Europa, Ásia, América do Norte e talvez do Sul.

Rúben Ribeiro

Não devia haver tarefa mais complicada por estes dias do que um jogador do Sporting conseguir ser assobiado consensualmente pelas bancadas: mas é nestes momentos, perante tarefas que parecem sobre-humanas, que os grandes se superam e alcançam o impossível.

Doumbia

Tal como em quase todas as ocasiões em que foi utilizado desde as esporádicas titularidades europeias no início de época, foi-lhe essencialmente pedido que fizesse um milagre em dez minutos. Não fez.

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