Bas Dost não merecia uma medalha por se ter apresentado a jogo; merecia era uma máquina do tempo (por Rogério Casanova)

O final da final da Taça de Portugal descrito por um sportinguista que diz que o inverno vem aí. E não vai ser curto
O final da final da Taça de Portugal descrito por um sportinguista que diz que o inverno vem aí. E não vai ser curto
Rogério Casanova
Rui Patrício
É assim o desporto-Rei: num dia debate-se se tiveste ou não responsabilidade nos golos sofridos durante um jogo; no outro debate-se se tiveste ou não responsabilidade nas agressões sofridas durante uma invasão do balneário; e no dia seguinte estás lavado em lágrimas e a ser abraçado pelo Presidente: não o do clube, mas o da República. Episódios certamente normais na vida de um futebolista profissional, em qualquer sociedade típica do capitalismo tardio.
Ristovski
Nasceu em Skopje, na Macedónia, que ao longo de seis mil anos de história foi palco de massacres entre tribos neolíticas, tomada pelos dardânios, anexada pelo Império Romano, disputada entre Constantinopla e o Império Búlgaro, conquistada pelos Otomanos, invadida pelos Nazis, e em 1963 arrasada por um terramoto que vitimou mil pessoas e destruiu 80% da cidade. Mas até ele deve ter achado esta semana complicada.
Coates
Não esteve bem nos dois golos do Aves, mas criou uma das melhores oportunidades de golo, com uma subida pelo flanco direito em que conseguiu isolar Gelson com um toque de calcalnhar. Terminou o jogo a ponta-de-lança, como tantas vezes esta época, à espera que caísse qualquer coisa do céu além do asteróide diário.
Mathieu
Foi lateral-esquerdo-adjunto enquanto Coentrão foi lateral-esquerdo, extremo-esquerdo-adjunto quando Coentrão subiu no terreno, dobrou Coates as vezes que pode, e tentou ser o organizador de jogo recuado que mais ninguém foi. Mostrou tamanha disponibilidade a preencher lacunas que quase se esperava vê-lo de cachecol em punho no meio da bancada a partir do minuto 75, quando alguns adeptos abandonaram o estádio mais cedo.
Coentrão
Acertou em cheio no poste direito da baliza de Quim: não com a bola, mas com o próprio pé. É este tipo de soluções criativas que vai deixar saudades. Não fez um grande jogo (não o faz para aí desde Janeiro), nem nunca foi, na sua passagem, o lateral-esquerdo de elite que mostrou ser entre 2009 e 2012; foi apenas o mais competente que passou pelo clube na última década.
William Carvalho
Se, como tudo indica, foi o seu último jogo ao serviço do clube, esqueçamos estes 45 minutos (os 45 minutos mais preocupantes que Fernando Santos deve ter passado desde terça-feira), esqueçamos os dois jogos anteriores, e recordemos os 45 minutos que fez em Madrid, antes da lesão, e do princípio do fim do mundo. Que os consiga reproduzir na Rússia, mesmo que aos bocadinhos de cada vez.
Battaglia
Viu-se mais na segunda parte, depois da saída de William, quando o jogo partiu, o meio-campo colapsou, e pode dedicar-se a Rinaudar de um lado ao outro do relvado, acudindo a emergências várias. Ao minuto 90 terá sido raptado por um OVNI e transportado para Proxima Centauri. Caso a informação veiculada na frase anterior esteja incorrecta, não há qualquer problema: amanhã ou depois faz-se uma correcção ou um desmentido.
Gelson Martins
Desde a lesão de Podence que é o único jogador do plantel capaz de criar desequilíbrios através da velocidade, desequilíbrios esses que, à medida que a qualidade de jogo colectiva se foi deteriorando, começaram a desequilibrar os colegas tanto como os adversários. Demasiadas vezes esta época, ficou a sensação de que o que Gelson transportava em velocidade não era uma ideia, mas apenas a esperança de ganhar tempo e espaço para que ideias surgissem a outros. E esse problema nunca foi (exclusivamente) culpa sua. A falha que resultou no segundo golo do Aves foi; mas também não a merecia.
Bruno Fernandes
Apesar dos minutos acumulados durante a época, apesar de tudo o resto, conseguiu jogar quase como se tudo não passasse de mais um jogo, soltando fogachos de qualidade aqui e ali. Agora, com um lugar merecedíssimo nos convocados para o Mundial, vai passar um mês numa cleptocracia autoritária, para participar numa competição durante a qual terroristas islâmicos ameaçaram decapitar Messi e Ronaldo. Ou seja, vai para um sítio mais tranquilo, onde pode descontrair e aclarar ideias.
Acuña
Não jogou mal, ao nível do costume (o mesmo nível, excepto aquele mês e meio após regressar de lesão, que manteve durante a época inteira): pouco imaginativo a atacar, pujante fisicamente, ganhando a maioria dos duelos individuais defensivos, mas poucos no ataque. Viu um cartão amarelo ao minuto 83 após exibir um comportamento agressivo, o que não deixa de ter a sua piada.
Bas Dost
Ao minuto 43 cabeceou por cima, num lance em que a bola acertou em cheio no penso que tinha na testa e o soltou, mostrando os ferimentos (só para contextualizar a festa do futebol) provocados por um adepto do Sporting que o agrediu com um cinto e depois o pontapeou no chão, meras semanas depois de Dost ter dito numa entrevista que viver em Portugal lhe dava "paz interior". Bas Dost não merece uma medalha por se ter apresentado a jogo hoje; merecia era uma máquina do tempo. Quanto ao falhanço à boca da baliza na segunda parte, convém esclarecer que a culpa não foi sua, nem sequer dos eventos ocorridos durante a semana. Foi, aliás, a única ocorrência durante a partida suficientemente Sporting para acreditarmos que seria provável mesmo num contexto totalmente diferente. Tal como o falhanço de Ruiz em 2016, a haver um "autor moral" foi o Visconde de Alvalade.
Montero
Regressou ao palco onde marcou o golo mais importante ao serviço do clube, festejado com um dos melhores pedidos de calma jamais vistos num campo de futebol. Hoje voltou a marcar, mas os minutos que ainda restavam para produzir uma miragem de calma não eram sequer suficientes para enunciar por extenso todos os nomes numa lista de notáveis.
Misic
Em declarações prestadas a 6 de Janeiro (dia em que assinou contrato) à página oficial do Sporting, Misic disse que "Ristovski me falou muito bem do clube, só coisas boas, e aconselhou-me a vir, sem hesitar". Trata-se de um assunto que agora terão de resolver entre os dois, da melhor maneira que possam.
Inverno
Vem aí; e não vai ser curto.
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