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“Criticar é fácil, todos sabem falar”. Publicamente, metade dos campeões europeus não reagiu à saída de Fernando Santos, incluindo Ronaldo

“Criticar é fácil, todos sabem falar”. Publicamente, metade dos campeões europeus não reagiu à saída de Fernando Santos, incluindo Ronaldo
Mike Egerton - PA Images/Getty

Não quer dizer que se tem escusado de o fazer em privado, mas, dos 23 jogadores que, em 2016, conquistaram o Europeu na seleção com Fernando Santos, metade ainda não reagiu em público (ou seja, via redes sociais) à saída do selecionador após oito anos no cargo. A mais notória ausência entre esses comendadores é Cristiano Ronaldo, o capitão durante a vigência do engenheiro na equipa nacional que virou suplente nos últimos dois jogos do Mundial do Catar

Os telefones espertos existem, primeiro que tudo, para as pessoas comunicarem. Por chamada ou mensagem, demora um breve instante até outrem nos ouvir a voz ou receber por escrito os nossos pensamentos, demora nada e a troca é privada. Mais tarde, surgiram as redes sociais para, entre muitas funções, revelarem ao mundo o que vai na alma de cada um e serem uma forma de uma pessoa fazer chegar um pedaço de pensamento a muita gente de uma vez. Para os futebolistas e quaisquer atletas, é um megafone próprio.

Não que uma mensagem não publicada nessas redes implique a inexistência de uma conversa ou troca de palavras em privado - mas, para quem está de fora, poderá ficar essa sugestão. Quando, para o final da tarde de quinta-feira, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) publicou no seu site o comunicado a confirmar a saída de Fernando Santos da seleção nacional, pouco demorou até alguns internacionais portugueses reagirem à notícia, especialmente via as suas contas oficiais no Instagram.

Alguns mais rápidos de outros, Pepe, Rui Patrício ou William Carvalho foram dos primeiros a confluírem no “obrigado” endereçado ao treinador aterrado na seleção em novembro de 2014. O defesa central, terceiro mais internacional de sempre, agradeceu-lhe “o trabalho, a liderança e o compromisso”, o guarda-redes louvou o ex-selecionador e equipa técnica por “tudo aquilo que fizeram pela nação” e o médio honrou como “juntos [escreveram] a página mais bonita do futebol português”. Trazendo à baila o Europeu de 2016, a maior conquista da história da seleção a que Fernando Santos guiou a equipa nacional, mais futebolistas que lá estiveram também dedicaram palavras públicas de agradecimento ao treinador.

Mas nem todos os 23 jogadores que estiveram no Stade de France, em Paris, a 10 de julho de 2016, o fizeram. Com uma notável ausência.

Nesse dia, nos derradeiros minutos da final ganha a França e já depois de sair lesionado durante a primeira parte, viu-se Cristiano Ronaldo, ligadura a suster-lhe o joelho, a coxear ao lado de Fernando Santos, dando indicações e urgindo os companheiros em campo a lutarem quando Portugal já vencia por 1-0, cortesia de Eder. Os momentos fizeram as delícias dos adeptos, da elevação da conquista e da viralidade das redes sociais. Ali estava um capitão, o mais importante jogador da história do futebol português, a fazer o que podia no banco de suplentes quando já nada poderia fazer em campo.

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Seis anos passados, Ronaldo é um dos 12 futebolistas-comendadores, assim condecorados pelo Presidente da República após a vitória no Campeonato da Europa, a (ainda) nada ter dito ou escrito publicado desde que Fernando Santos abandonou o cargo de selecionador nacional - os outros são Anthony Lopes, Eduardo, Bruno Alves, Ricardo Carvalho, Vieirinha, Eliseu, João Moutinho, André Gomes, Adrien Silva, Renato Sanches e Rafa Silva.

De novo, a ausência de palavras digitais para freguês ver não implica que os jogadores se tenham poupado falar diretamente e em privado com Fernando Santos, optando por nada criarem nas redes sociais que são suas prediletas quando querem comunicar algo. O silêncio do capitão da seleção no Instagram - onde regista mais de 510 milhões de seguidores -, plataforma na qual publicou uma dúzia de vezes acerca do dia a dia da equipa nacional durante o Mundial, pode, contudo, ser indicativo das consequências de uma das derradeiras decisões que o treinador tomou.

Sentar Cristiano no banco frente à Suíça, nos oitavos de final, repetindo a suplência frente a Marrocos, nos ‘quartos’, seguiu-se à substituição de Ronaldo durante a segunda parte do jogo contra a Coreia do Sul, o último da fase de grupos, quando o jogador dirigiu palavras na direção da área técnica do selecionador ao aperceber-se que iria abandonar o campo. Fernando Santos diria, em conferência de imprensa, que não gostou “mesmo nada” desse momento, atribuindo depois a decisão de retirar a titularidade a Ronaldo como “opção estratégica”. Mais tarde, reconheceu que o jogador não ficou satisfeito, mas “foi tudo normal e tranquilo”.

Até à goleada (6-1) imposta aos suíços, há 14 anos que Ronaldo não era suplente num jogo de Europeus ou Mundiais e foi a primeira vez que tal se viu em partidas a eliminar de alguma dessas competições. A decisão de Fernando Santos poderá ter roído um pouco a corda da relação entre treinador e jogador, não o sabemos, apesar de vários rumores terem sido entretanto noticiados sobre uma suposta ameaça do capitão em abandonar o estágio da seleção no Catar aquando da conversa em que o ex-selecionador o informou que não iria ser titular.

Para já, e pelo menos publicamente, os episódios recentes do Mundial vão fazendo com que Cristiano Ronaldo opte pelo silêncio em relação à saída do selecionador que mais jogos e vitórias registou com Portugal, além de ser o único a conquista títulos (o Europeu de 2016, além da Liga das Nações em 2019) com a seleção nacional. Agradecendo-lhe e recordando a conquista de Paris, Ricardo Quaresma escreveu: “Criticar é fácil, todos sabem falar, mas a verdade é que a fé e a sorte dão muito trabalho e só com isso é que foi possível erguer a taça”.

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