Muitos passes para o último terço, Bernardo e João muito amigos e uma intenção após o intervalo: o que dizem os números do Portugal-Turquia
OZAN KOSE
Mais do que dizem, é o que refletem os dados: na segunda parte, o posicionamento de João Cancelo mais fiel a ser lateral direito devolveu-lhe a lugares onde combinou de olhos fechados com Bernardo Silva, o jogador cujas ações mais perigo geraram para o adversário. Com duas jornadas da fase de grupos fechadas, só a Alemanha tem mais posse de bola e passes feitos do que Portugal
O passe foi o que se esperaria de Rúben Neves, uma adaptação futebolística do quarterback, esse papel com que noutro país batizam o lançador de jogadas com passes à distância, no caso do português é do seu pé direito que saem e aos 56’ saiu uma bola trademark do médio, se é este o parágrafo para se gastarem as definições em inglês norte-americano: Rúben recebeu a bola, olhou para longe, viu Cristiano Ronaldo a desmarcar-se, rapidamente soltou um passe longo e aérea que a atrapalhação de um defesa turco ajudou a chegar ao capitão da seleção. Foi a pré-assistência do terceiro golo.
Acentuou-se, então, o conforto que Portugal já tinha quando fora para balneário com um 2-0 e feitos os 15 minutos, mais coisa menos coisa, em que se ponderam estratégias lá dentro, a seleção nacional retornou ao campo para a segunda parte do Portugal-Turquia esparramada nesse leito. A vantagem fez Roberto Martínez retirar os dois jogadores amarelados (João Palhinha e Rafael Leão), não fosse a fortuna do jogo tecê-las, dando pistas para se antever que se calhar a postura seria outra na segunda parte, talvez a contenção se espreguiçasse no chip dos jogadores portugueses. Nada disso: as melhores aproximações à baliza adversária aconteceriam entre os 46’ e os 60’, diz-nos o que vimos e o que os modelos de análise retiram do que foi visto.
Nesse quarto de hora, a métrica da DribLab que mede a qualidade das aproximações à baliza adversária e a ameaça que representam, convenientemente chamada de ‘xPerigo’, esteve nos .603. Depende de onde estejam os jogadores quando em posição de remate, dos ângulos e das probabilidades de virem a marcar golo com base em milhares de situações anteriores registadas em outros milhares de jogos, portanto uma métrica que é parente próxima do ‘xG’, ou ‘Expected Goals’.
Nesses 15 minutos em que Bruno Fernandes marcou, Pedro Neto teve corridas a chegarem à área e Portugal rondou os últimos 20 metros do ataque com Bernardo Silva a ser o maestro das posses de bola, houve 24 passes feitos para o último terço, pela contagem da empresa especializada em dados.
Michael Regan - UEFA
Não foi o período do jogo com mais penetração dessa zona por parte de Portugal - a primeira meia hora de jogo, com 49 tentativas, supera ligeiramente -, mas a mostra de intenções estava dada. Ao invés de baixar linhas e colocar-se a jeito, a seleção quis impor o seu controlo através da posse da bola para manietar um adversário que salivava por partir o jogo para arranjar os espaços que lhe permitissem ter as transições rápidas com campo aberto, situações que lhe aprazem.
Com os 62,7% de posse exercidos por Portugal nesses 15 minutos iniciais da segunda parte (terceiro quarto de hora com maior predominância portuguesa na bola), viu-se a maior declaração de intenções dada pela equipa nacional.
Ao contrário de grande parte encontro diante da Chéquia e dos 45’ iniciais frente à Turquia, houve o reatamento de uma relação em campo, tão frutuosa durante a qualificação para o Euro 2024, do qual a seleção sorveu os proveitos.
DribLab
Em vez de se juntar ao meio-campo quando Portugal estava em posse para criar superioridade em zonas interiores e andar por ali a mostrar-se de costas para a baliza, João Cancelo regressou à origem. Foi mais lateral direito, fidelizou-se à faixa, dali partiu para se associar em jogadas. E, voltando às origens, nutriu-se o seu relacionamento telepático com Bernardo Silva com a bola à mistura.
Entre eles trocaram sete passes nos primeiros 20 minutos da segunda parte, cinco no último terço, com João a orbitar em redor de Bernardo. Foi uma das três combinações mais comuns, sendo que o canhoto esteve numa das outras (com Rúben Dias, também com sete passes). Dos 45’ aos 90’, ninguém teve valores mais altos de ‘xG’ e de ‘xPerigo’, as tais duas métricas que medem a qualidade das ações ofensivas, quanto Bernardo Silva.
Tê-lo assim, livre para deambular e com João Cancelo a rondá-lo vindo de trás, com o embalo de posicionamentos como lateral, e com Vitinha e Bruno Fernandes por perto, contribuiu para o controlo com bola prezado pela seleção nacional. É um estilo que faz Portugal ter 1145 passes completos no Europeu e uma média de 62,5% de posse, valores só aquém do que regista a Alemanha (1332 e 65,5%), a anfitriã munida de Toni Kroos, um médio que quase torna injusto qualquer ideia de poder haver competição nestes parâmetros.