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A arte de Kika, o instinto matador de Telma e os motivos de preocupação no ensaio final

A arte de Kika, o instinto matador de Telma e os motivos de preocupação no ensaio final
Gualter Fatia/Getty

No último jogo de preparação antes do Europeu, Portugal empatou (1-1) contra a Austrália, graças a um golo de Telma Encarnação aos 87'. A seleção nacional dominou claramente a primeira parte e viu Kika Nazareth mostrar a sua magia, mas a ineficácia ofensiva e a saída por lesão de Jéssica Silva são aspetos menos positivos

A arte de Kika, o instinto matador de Telma e os motivos de preocupação no ensaio final

Pedro Barata

Jornalista

Telma Encarnação é uma jogadora singular nesta seleção portuguesa. Dentro de um panorama de atacantes rápidas e móveis, que por vezes parecem mais perigosas a 30 metros da baliza do que próximas dela, a madeirense é o oposto, agigantando-se à medida que o alvo se lhe acerca. Ainda a bola não lhe chegou e já Telma está a pensar na baliza, sem na verdade precisar de olhar para ela para a visar. Tendo entrado aos 64', a dianteira rematou mais vezes do que todas as outras integrantes do último terço e não o fez sem sentido.

Aos 87', após cruzamento de Carolina Mendes, Telma Encarnação recebeu, rodou e rematou para o empate. Antes disso, já tinha ameaçado a baliza rival e, depois, ainda disparou ao poste e, no último lance da partida, teve nos pés a chance de dar o triunfo a Portugal. Minutos de um futebol que contrasta com o de Jéssica Silva, Diana Silva ou Ana Borges e que, talvez por isso, podem tornar Telma na arma pouco secreta de Portugal para o Europeu de Inglaterra.

O último dos três jogos de preparação de Portugal para a máxima competição continental era, claramente, o teste mais exigente. Depois de dois triunfos contra a Grécia, a Austrália, 12.ª de um ranking FIFA em que Portugal é 30.ª, veio ao Estoril sem referências como Sam Kerr, Alanna Kennedy ou Caitlin Foord, mas, ainda assim, a quarta classificada dos últimos Jogos Olímpicos trouxe um conjunto cheio de experiência que, como esperado, obrigou a equipa de Francisco Neto a enfrentar outro tipo de adversidades.

Se as dificuldades foram diferentes das sentidas contra a Grécia, a protagonista da hora inicial foi a mesma. Nem 30 segundos tinham passado e já Kika Nazareth tinha recebido a bola de um lançamento lateral, rodado para a baliza e lançado Jéssica Silva com perigo. O que se seguiu foi o espetáculo da jovem de 19 anos, um recital de túneis, simulações, bolas por cima de adversários, receções enquadradas e faltas sofridas. Ao minuto 42, o António Coimbra da Mota cantou em uníssono "Kika! Kika! Kika!", num tributo ao talento raro que encanta no futebol português.

Kika, com a bola e rodeada de adversários, uma imagem recorrente
Gualter Fatia/Getty

Kika assistiu Diana Silva e Tatiana Pinto para finalizações em posição privilegiada, mas nenhuma das duas teve boa pontaria. Tal como não tiveram Jéssica Silva, aos 15', após recuperação de bola ou Catarina Amado — autora de uma grande exibição — aos 30', depois de ter sido lançada por — espante-se — Kika Nazareth. As dificuldades de Portugal no último terço, seja por falta de contundência, qualidade na finalização ou instinto matador, já se tinham evidenciado na segunda partida contra a Grécia e voltaram a ser notadas. Frente a rivais como a Suíça, a Suécia ou os Países Baixos, a missão portuguesa será fazer valer ao máximo aquilo que se criar.

Só por uma vez a Austrália criou perigo no primeiro tempo, num remate torto de Emily Van Egmond. A quinta mais internacional da história da seleção da Oceânia viu-se mais a desesperar por não tirar a bola a Kika, que ia rodando com toques de calcanhares ou saindo de apertos com agilidade notável.

Na segunda parte, o domínio de Portugal foi menos intenso mas, mais do que as maiores dificuldades impostas pelas australianas, foi outro o grande motivo de preocupação da noite. Jéssica Silva, que já tinha sido assistida ao intervalo, teve de sair devido a problemas físicos. Com o aproximar de 9 de julho, data da estreia contra a Suíça, a preocupação pela condição da avançada é natural.

Já sem a criatividade de Kika, o jogo nacional enfrentou uma fase de marasmo, que foi aproveitada pela Austrália. Num raro momento ofensivo das visitantes, Emily Gielnik fugiu pela direita e, aproveitando a descompensação da defesa local, assistiu Princess Ibini para o 1-0.

Octavio Passos/Getty

Foi aí que o jogo entrou na zona Telma Encarnação, diametralmente oposta do que se vê ser feito por outras avançadas às ordens de Francisco Neto. Além da capacidade de luta e de jogar como referência ofensiva, a relação da madeirense com o golo faz, verdadeiramente, a diferença. Dessa facilidade veio o 1-1 — em posição irregular — e poderia mesmo ter surgido a vitória para Portugal, ainda que Inês Pereira também tenha, já depois dos 90', evitado o golo australiano.

A seleção termina a semana em que realizou três partidas de preparação com o otimismo dado por duas vitórias e um empate contra uma seleção de créditos firmados, mas com a dúvida face ao estado físico de Jéssica Silva e a ideia de que, ofensivamente, é preciso outra contundência. A teoria dita que, contra a Suíça, se manterá a aposta numa dupla atacante mais móvel, mas o que Telma Encarnação mostrou pode baralhar as contas. No meio disto tudo está a arte de Kika, pronta a apresentar-se com estrondo à Europa. O segundo Europeu da história de Portugal começa a 9 de julho, no Leigh Sports Village, contra a Suíça.

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