Como carta de apresentação, não está nada mal: João Benedito foi guarda-redes de futsal do Sporting durante 21 anos, titular da seleção durante muitos também, tirou o curso de Gestão no caminho, o que lhe permitiu trabalhar no departamento financeiro do clube. É por isso que diz conhecer Alvalade de trás para a frente e ter a certeza de que o seu projeto é diferente do de todos os outros que, como ele, se candidatam à presidência do SCP: Bruno de Carvalho, Carlos Vieira, Frederico Varandas, Dias Ferreira, Pedro Madeira Rodrigues, Zeferino Boal e Fernando Tavares Pereira. Em entrevista ao Expresso, Benedito revela o que quer fazer — um modelo de gestão baseado no Bayern de Munique, em que ex-atletas decidem em função dos resultados e influenciam a gestão administrativa —, o que não quer ver — vários capitães, porque lideranças bicéfalas trazem problemas desnecessários — e, sobretudo, o que quer medir. “Tudo é mensurável; temos de saber ao minuto o que se passa com cada um dos jogadores.”
O João Benedito candidato não é bem uma novidade, pois não? Já há muito tempo que se falava nesta possibilidade.
Atenção: quando diz isso, parece em tom depreciativo, como “estavas à coca”, “à espera que isto acontecesse”... Não. Este projeto só acontece agora porque os sócios quiseram eleições. Só assim é que faz sentido. É um projeto que tem vindo a ser trabalhado e que eu defendo, mas não era só com o propósito de ir a eleições. Andamos a preparar isto há alguns anos. Identifico este modelo como o futuro para o desporto português
E que modelo é?
Cultura desportiva com a visão de ex-atletas com carreiras a nível desportivo, empresarial e nas suas federações. Isto vai marcar o futuro do desporto nacional, porque visa inverter o que foi feito até hoje. Antigamente, as coisas eram feitas desta forma: gestão-desporto-campo. O que eu quero para o futuro do Sporting é outra coisa: o desporto é que vai dar os seus inputs para que a gestão possa tomar medidas em função disso.
Ou seja?
As pessoas que estão no topo da hierarquia deste projeto sabem o que é o desporto e o que é ganhar. Podemos gerir bem, mas se não ganharmos não há estabilidade financeira.
Quem são essas pessoas?
O Ricardo Andorinho [um dos melhores andebolistas portugueses de sempre], que foi vice-presidente da Federação de Andebol e reformulou a gestão de equipas. O Pedro Miguel Moura [antigo jogador de ténis de mesa], que pegou na sua Federação de Ténis de Mesa, presidiu-a e recuperou-a financeira e emocionalmente, colocando-a num patamar elevadíssimo: uma final europeia no Pavilhão Atlântico e Portugal campeão da Europa. E Carlos Pereira, um símbolo do Sporting, que esteve na génese da implementação da formação no Sporting com o irmão dele [Aurélio Pereira, o olheiro que ‘descobriu’ a maioria dos futebolistas leoninos].
Esta ideia de ter antigos atletas a dirigir clubes é claramente inspirada no Bayern de Munique...
Sabe o que aconteceu ao Bayern quando o Beckenbauer e o Rummenigge assumiram o controlo do clube? Entre 2001 e 2017, os resultados operacionais triplicaram, o número de sócios triplicou...
Sim, mas numa realidade que não tem nada a ver com a nossa: o mercado alemão é gigantesco e o nosso, em comparação, é minúsculo. E o Bayern é o maior clube da Alemanha, que é três vezes maior do que Portugal.
Certo. Mas há um potencial de crescimento. Estou a apontar-lhe um modelo que teve sucesso e em que o desporto liderou os processos.
Que cargos vão ocupar Carlos Pereira, Ricardo Andorinho e Pedro Miguel Moura?
O Carlos Pereira será o nosso vice-presidente para o futebol. O Ricardo Andorinho vai ser responsável pela implementação do nosso modelo de métricas. O Pedro será o ‘vice’ para as modalidades. Nós queremos medir para poder gerir, o que interessa é o racional. Temos de saber se as pessoas estão a render ou não.
Isso é bastante vago.
Parece, mas vamos ser práticos.
Dê-me um exemplo.
Imagine o seguinte: um jogador do Sporting que representa a seleção nacional, quanto é que vale esse jogador?
Há vários fatores: idade, posição, lesões...
Sim, propensão a lesões, quantas lesões já teve, se é fraco ou não psicologicamente, massa gorda e massa magra... Se levarmos isto tudo em conta, sabemos o nível em que o atleta está — e o nível onde poderá chegar. Se um jogador já tiver tido cinco lesões e tiver uma massa muscular reduzida, se calhar temos de pensar que chegou a hora de o vender. Isto é desporto-gestão-campo, o Sporting Governance. E vamos aplicar isto não só ao desporto mas também a outras áreas do clube.
Isso tem um custo.
Sim, é verdade, mas estamos a falar de otimização de recursos: se eu souber, ao minuto, se o jogador está cansado ou descansado, como estão as análises ao sangue, os músculos, emocionalmente, se se anda a alimentar bem ou não... o jogador renderá mais, certo? E, se render mais, vale mais e gera mais dinheiro. Temos de dar condições para os atletas terem acesso a tudo, a planos de treino individualizados. O trabalho dos atletas não termina nas duas horas de treino. Mais: os jogadores não podem ir de férias e voltar com peso a mais, porque o clube vai perder dinheiro nos dois meses que o está a recuperar para o entregar em condições ao treinador.
Falando em treino e treinador: José Peseiro fica consigo?
José Peseiro é treinador do Sporting Clube de Portugal, como são os outros que estão noutras modalidades. Da nossa parte, vão ter as condições necessárias para desenvolver o seu trabalho.
Falou na Academia, que, neste momento, está nas mãos de Mário Jorge e Beto. Se for eleito, eles saem?
Avaliaremos se a continuidade deles faz ou não sentido. Nós temos uma ideia diferente para a Academia.
E quem será o seu diretor desportivo? André Cruz?
Já está identificado. É um ex-jogador, ex-campeão, uma pessoa ponderada e calma.
Parece-me que está a falar de André Cruz...
[risos] Mais para a frente revelaremos. Também teremos um CEO, que está já escolhido e acordado e que está habituado a dirigir uma empresa que movimenta milhões e com mais funcionários do que o Sporting. Sabe o que é gerir em momentos de crise, revitalizar empresas, e será transversal à SAD e ao clube. Se formos eleitos, ele aparecerá. Por motivos profissionais, não o podemos apresentar ainda.
Ou seja, para que ele não perca o emprego caso o João não seja eleito.
[risos] Por motivos profissionais, não o podemos apresentar ainda.
Uma das medidas que quer implementar é a do capitão único. Porquê?
Se só há um treinador, também tem de haver apenas um capitão, a voz de comando. A liderança bicéfala, ou mais alargada ainda, não funciona.
Sousa Cintra e Jorge Jesus apontam qualidades de liderança a Bruno Fernandes.
Temos de avaliar o compromisso das pessoas. Não podemos entregar braçadeiras pelos nomes. O lugar do capitão tem de ser construído, não pode ser deixado em aberto.
Defende um capitão como, por exemplo, Jorge Costa ou Luisão?
Sem desrespeito, porque é um bom jogador, o que aconteceu quando o FC Porto entregou a braçadeira a Rúben Neves? Não pode haver vazios de poder, de liderança. O capitão tem de estar sempre ao lado do treinador e do presidente.
Então terá de ser alguém que fale a mesma linguagem do João Benedito.
Ele tem de falar é a linguagem do Sporting. Ele tem de perceber o que está para trás dele.
Depreendo, então, que um jogador que rescinda contrato e depois volte atrás não fale a linguagem do Sporting...
Temos de fazer um enquadramento. Terei de conhecer a pessoa para lá do mediatismo.
O facto de o Sporting ter tido três capitães — Adrien, Rui Patrício e William — foi um problema?
O que nunca pode acontecer é que um jogador confronte um líder. Não cabe na cabeça de ninguém que um jogador com três ou quatro meses de casa se insurja dentro de um balneário. Um capitão tem de garantir que isso não acontece. Tem de haver uma cultura Sporting: os jogadores têm de agradecer aos adeptos depois dos jogos, não podem virar a camisola ao contrário, porque o símbolo do clube não está nas costas mas no peito, não podem hostilizar símbolos e têm de ter respeito. Chamem-me antiquado, mas eu gosto de um Sporting à antiga, com valores.
Disse à SIC que não era uma candidatura de rutura. Qual é o legado de Bruno de Carvalho?
Nós não estamos aqui para mudar as coisas que estão bem: manutenção do controlo da SAD, incremento do número de sócios, forma como o Sporting se bateu pela verdade desportiva, aposta forte nas modalidades. E queremos manter o controlo sobre os passes dos jogadores.
E como é que o João Benedito quer comunicar nessa tal luta pela verdade desportiva?
Olhe, eu não tenho Facebook pessoal [risos]. A comunicação tem de ser, acima de tudo, institucional. Obviamente que há momentos em que tem de ser personalizada. Mas não queremos, nem devemos, estar a confrontar constantemente — até porque temos muito trabalho a fazer. O nosso plano faz muito sentido.
Em teoria, todos os planos fazem. Toda a gente fala em ganhar e toda a gente quer ganhar...
Sim, mas nós vamos fazê-lo com um modelo inovador que, mesmo que nós não vençamos as eleições, gostaria de ver aplicado no Sporting e no desporto português. Queremos medir o que se passa dentro do clube. O Sporting não pode ficar refém de nada nem de ninguém; quem entrar tem de saber tudo.
Não lhe parece exagerado o número de candidatos?
Veremos quantos chegam a eleições. O nosso projeto é, seguramente, o mais diferente.
Acha que Bruno de Carvalho deve ir a eleições?
O que as entidades decidirem, eu respeitarei.
Porque recusou o convite de Bruno de Carvalho para fazer parte da Comissão de Honra da candidatura dele em 2017? Era porque já tinha a sua candidatura pensada?
Bruno de Carvalho enviou-me um SMS como enviou a muitas outras pessoas. Eu não recusei, apenas não me envolvi nas eleições de 2017. Porquê? Porque tinha acabado de ser atleta, havia muitas emoções e responsabilidades; tinha muitas coisas cá dentro às quais tinha de dar tempo para passarem.
Mas entrou no Grupo Stromp.
Fui convidado para dar opinião. Apenas isso.
Uma das reuniões mais mediáticas aconteceu com Bruno de Carvalho, no dia em que houve o ataque a Alcochete.
Foi um jantar fechado, não lhe vou contar nada.
Esteve no departamento financeiro ao mesmo tempo que era guarda-redes de futsal do Sporting. As pessoas com quem trabalhou ainda lá estão?
Olhe, o que eu queria era ser jogador de futebol [risos]. Não fui aos treinos de captação porque o meu pai dizia que eu tinha de estudar. Depois, mais tarde, lá consegui ir para o futsal. Mas eu queria era ser jogador de futebol do Sporting, gostava de marcar golos... Sou sportinguista de berço. O meu avô era responsável pela organização do estádio. A Dona Maria, que trabalha na lavandaria, costumava dizer: “Andei contigo ao colo e agora ando aqui a lavar-te o equipamento.” Mas, voltando à sua pergunta, eu era um simples funcionário que teve essa possibilidade de trabalhar na estrutura quando acabou o curso. Foi fantástico: passava o dia todo no Sporting, a conhecer o clube de lés a lés. Aprendi a linguagem do treinador e a do diretor financeiro. Ainda para mais, o Ricardo Andorinho trabalhava à minha frente [gargalhada]. Comecei por vender camarotes, por fazer parcerias.
Correu-lhe bem?
Sim, sim. Cinco milhões de euros de objetivos anuais. E então tornei-me responsável pelo departamento. Ia vender parcerias e patrocínios a clientes, patrocínios esses com que eu jogava na camisola ao fim de semana, veja lá.
Presumo que os clientes o reconheciam...
Pois, mas as reuniões duravam duas, três horas [sorriso]. As pessoas queriam saber tudo do desporto. Eu era um gestor-jogador e debatíamos o Sporting. Sei que fechava contratos por causa disso. Mas também me aconteceram coisas caricatas na altura mais difícil, de crise — recebia cartas para o senhor “João Bandido”, porque, antes de ir para o marketing, fui responsável pelos pagamentos aos fornecedores. “Tem de pagar estas faturas, e não sei quê, porque, olhe, eu vou para trás da sua baliza este fim de semana se você não pagar” [risos]. O Sporting nunca será a minha vida profissional; o Sporting é a minha vida pessoal. Tenho uma filha, vou ter outra brevemente, está quase a nascer, talvez até nasça na altura das eleições, mas tudo se resolve.
O que andou a fazer depois de ter saído do Sporting?
Criei duas empresas: uma de personalização têxtil, fardas, etc., e obviamente o facto de ter sido jogador do Sporting ajudou. Estou eternamente grato ao clube, porque é o maior suporte da minha vida. Depois, a outra empresa, uma startup que arrancou com um sócio, é uma marca de proteções desportivas para o futsal — joelheiras, caneleiras, calças almofadadas, cotoveleiras, etc. Vendemos em Portugal e lá fora.
No futsal, há guarda-redes que usam luvas e outros que não usam. O João nunca usou porquê?
Tenho uma história engraçada: no meu primeiro jogo pelo Sporting, o treinador Paulo Fernandes manda-me aquecer para entrar; só havia um par de luvas e eu entrei dentro de campo a correr para pedir as luvas ao meu colega porque o que queria era jogar. Devo ser o único jogador a levar um amarelo sem ter disputado um minuto sequer [risos]. Mas nunca usei luvas, por causa da sensibilidade.
E quantos dedos partiu?
Vários, e os dedos continuam a saltar-me. Sei que, daqui a alguns anos, depois de implementar um modelo de gestão autónomo no Sporting, não vou precisar de assinar nada.
Então não quer, como outros, ser presidente para a vida?
Vou ficar a vida toda no Sporting. A minha diferença para os outros é que eu preciso de estar no Sporting, é uma necessidade. Estive 21 anos como atleta ao serviço do clube, a ir lá diariamente; o carro parece que vai para lá sozinho. Em que funções vou estar no Sporting no futuro? Daqui a dois meses, espero que como presidente. Daqui a 20 anos, não sei. Mas sei que vou estar no Sporting, que vou ver os jogos do Sporting, que, tendo condições financeiras para isso, vou comprar as gameboxs e ajudar o Sporting.
Tem alguma questão? Envie um email ao jornalista: pmcandeias@expresso.impresa.pt