Rúben Amorim: "Quero que se lembrem deste momento se daqui a um mês e meio perdermos algum joguinho, para não começarem com o lenço branco"
PATRICIA DE MELO MOREIRA/Getty
Apareceu com a camisola do Sporting vestida, levou o típico banho de água, gelo e cerveja, falou de forma ponderada e sem pudores como lhe é costume. A primeira conferência de imprensa de Rúben Amorim enquanto campeão nacional teve partes que disseram muito sobre ele: "mais do que bater recordes, fico feliz por ter tempo, por exemplo, para meter o André Paulo, é mais importante para mim que sejam todos campeões do que acabar o campeonato sem derrotas"
Os cotovelos e antebraços de Rúben Amorim apoiam-se na mesa, ele composto e com a seriedade possível, a cumprir os deveres comunicacionais na sala de imprensa de Alvalade com a literal camisola do Sporting vestida. É a primeira vez que a veste para lá do figurado, já é campeão nacional e não precisa de ser bruxo para adivinhar o que é tradicional.
Pergunta a quem lhe costuma perguntar se os jogadores já espreitam, se vêm aí com baldes, água, gelo e garrafas prontas a esguichar cerveja sem critério. Não aparecem logo, deixam-no recomeçar a fala para o apanharem na curva possível e o envolverem no caos celebratório em que transformam a conferência de imprensa.
É a primeira de Rúben Amorim, 36 anos, três como treinador, como campeão nacional de futebol. Tinha ele 17 quando o Sporting conquistou o título anterior e agora está como o técnico ponderado, calmo e sem pudores em admitir coisas e revelar outras. Esta foram as suas palavras.
Os treinadores, o apoio, a união
"É uma equipa técnica, não é só um treinador, o Emanuel [Ferro] teve nas duas únicas derrotas, mas grandes, porque saímos de competições e foi o Emanuel na altura a dar cara, porque eu não podia. Portanto, têm de estar aqui todos.
Em relação ao que vai ficar, é a viagem. Dou mais valor ao que se viveu durante o ano, é um peso que sai de cima de toda a equipa técnica, óbvio que tenho um peso maior porque a responsabilidade é minha, mas sai esse peso. Foi uma boa época, ainda temos que terminá-la. E dizer muito obrigado pelo apoio aos sportinguistas, principalmente aos que deram o benefício da dúvida a esta equipa técnica.
Muito obrigado a eles. Quero que se lembrem deste momento para, se daqui a um mês e meio perdermos algum joguinho, não começarem logo com os lenços brancos. Isto muda de um momento para o outro, temos que nos focar. As pessoas não têm noção do clube que o Sporting é. Se estiver toda a gente unida, acho que é importante"
Quando pensou que o título ia chegar?
"Nunca pensei muito a longo-prazo, obviamente que para o fim começamos a ter essa noção, a fazer algumas contas. Mas, depois, começámos a perder pontos e sentimos alguma desconfiança à volta da equipa. Mas demos a volta, parabéns à equipa e à estrutura, porque soubemos segurar isto em alturas difíceis.
Sempre acreditei antes dos jogos que os podia ganhar. Depois, vão terminando os jogos, temos 10 pontos de avanço e aí começamos a criar algo diferente".
[Rúben Amorim ri-se, pergunta aos presentes pelos "gajos que estão ali à espera", chama por Antunes, antevê a molha que vai apanhar, porventura não previu os abraços, empurrões, chapadas de carinho e repuxos de cerveja por ali fora e o "o mister Amorim está castigado por ser campeão" de Pedro Gonçalves, apimentado por uma pitada de vernáculo. E muitos "o Amorim está castigado" depois, gritados em cântico pelos invasores, o treinador encharcado volta a sentar-se e a falar.]
Vai ser treinador para o ano?
"É fácil, vou ser treinador do Sporting, vou continuar e estou muito feliz aqui."
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Sentiu muita desconfiança?
"É normal, estivemos oito jogos sem perder na última época, depois perdemos um objetivo. O 4.º lugar é pouco no Sporting, já sabíamos disso, tínhamos muita pressão. Esses momentos também nos deram força, cada vez que duvidavam de nós, mostrava isso aos jogadores. Essas críticas fizeram muito parte deste sucesso".
Imaturidade ajudou?
"A inexperiência foi um ponto muito positivo, em momentos de grande pressão e dúvida, a juventude deles foi muito importante, assim como a experiência do João [Pereira] e do Coates também o foi em certos momentos. Mas a inexperiência tirou-nos muita pressão.
São jogadores muito alegres, aqui ou ali sentiu-se muito, até no jogo de hoje se sentiu, com o aproximar do fim notou-se muito o nervosismo de alguns jogadores e isso é da inexperiência. Fez parte do campeonato e foi um fator muito importante na nossa conquista.
Ninguém pensaria que fosse possível, mas foi o trajeto que fizemos. Tenho muita gente a ajudar, com muita experiência, queria agradecer-lhes publicamente toda a ajuda. Tivemos uma estrutura muito compacta, tive um diretor-desportivo que conheço bem, um presidente, a ligação que tínhamos era muito familiar. O clube é enorme e acabou por correr tudo bem.
Quero deixar uma palavra aos sportinguistas. Para o ano temos Liga dos Campeões, temos um percurso, não vamos andar a dar passos maiores do que a perna, portanto se este ano foi de sofrimento, para o ano vai ser ainda mais. Vamos estar aqui para trabalhar e dar o máximo".
As polémicas com os cursos de treinador
"Não vivo muito a vida assim, a dar chapadas de luva branca ou a vingar-me de alguém, mas que às vezes me deixou chateado, e queria muito ser campeão pelo clube e pelos sportinguistas, mas também por outras coisas que não são muito saudáveis, porque também sou humano e sinto as coisas.
Mas deixo-as para trás agora e é seguir em frente. Não sou associado da Associação Nacional de Treinador de Futebol, nunca o serei, mas é normal que defendam os seus treinadores e não é o meu caso".
Acabar o campeonato sem derrotas é um objetivo?
"Obviamente que é um objetivo, temos de arranjar objetivos, mas também temos de pensar na próxima época. Há jogadores que não jogaram tanto e, se calhar, poderão ter uma oportunidade. Obviamente que entramos sempre para vencer, é um objetivo não perder nenhum jogo, mas temos tempo para estrear o André Paulo, o nosso terceiro guarda-redes, isso vai acontecer de certeza.
Mais do que bater recordes, fico feliz por ter tempo, por exemplo, para meter o André Paulo. É mais importante para mim que eles sejam todos campeões, do que acabar o campeonato sem derrotas".
Treinou as bolas paradas no aquecimento para este jogo
"O segredo é tudo, é a união entre eles, a ligação entre os mais jovens e os mais velhos, temos isso no plantel. Em relação às bolas paradas, eles [treinadores] fazem um excelente trabalho nessa preparação, vão ao pormenor.
Fizemos esse trabalho no aquecimento porque vimos o FC Porto a fazê-lo contra nós e achámos uma boa ideia, não queremos inventar nada e, se puder roubar qualquer coisa a outros treinadores, fazemo-lo. Vimos que o FC Porto fazia e achámos que fazia todo o sentido. O mérito é do Carlos, do Adélio e do Emanuel, não tanto meu, porque é uma parte que vão ao pormenor e se tivesse eu de fazer este trabalho, não faria mais nada. Por isso, parabéns a eles. Resolvemos muitos jogos com bola parada.
Em relação ao aquecimento, o mister Sérgio Conceição faz isso, nós vimos e achámos que fazia todo o sentido".
É campeão nacional com 36 anos
"Há três anos estávamos no Casa Pia e esse foi o nosso primeiro título nacional, o mister Luís Loureiro acabou o campeonato, mas nós construíamos a equipa. O Adélio e o Carlos estavam. Da mesma forma que subimos, também podemos descer, tenho plena essa ideia e vivo muito do dia a dia.
Quero ficar aqui, somos felizes aqui e depois não sabemos o dia de amanhã. Tivemos momentos importantes, o jogo em Braga ajudou, o empate do FC Porto também, depois tínhamos um jogo difícil em Vila do Conde e estes rapazes entraram de uma maneira que nos tranquilizou a todos os sportinguistas. Hoje podíamos ter feito muitos golos e acho que foi a imagem da época - uma equipa superior, que jogam bem, mas que sofre porque poderia ter resolvido muito mais cedo".
Paulinho, o avançado
"Hoje falhou muitos golos, podia ter feito mais. É um jogador muito importante, não é mais nem menos do que pensámos. Tínhamos uma ideia de avançado, que era o Paulinho, o clube confiou em nós apesar das muitas críticas, custou bom dinheiro, faz um excelente trabalho e não marca só golos.
Falamos muito do Paulinho. Mas o TT, a forma como cresceu, vai ser muito bom jogador. Já o é. O Paulinho é mais um bom jogador que tem a companhia de grandes jogadores, de miúdos muito talentosos que cresceram muito à pressa, deram tudo pelo clube e pelo grupo e estou muito orgulhoso de todos eles".