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Yolanda Hopkins perdeu duas vezes contra a adolescente que é a campeã mundial. Ou a “pessoa pequena” que “gosta de ondas pequenas”

Yolanda Hopkins perdeu duas vezes contra a adolescente que é a campeã mundial. Ou a “pessoa pequena” que “gosta de ondas pequenas”
Laurent Masurel

"Podem ser as melhores do mundo, eu não quero saber." Assim chegou Yolanda Hopkins a Peniche para a etapa portuguesa do circuito mundial, cheia da sua ousadia e saudável descaramento habituais. Pela segunda vez na carreira, recebeu um convite para competir na prova e, por duas vezes, saiu-lhe a pior das favas: surfar contra Caitlin Simmers, o imberbe fenómeno de surfista que é a atual campeã do mundo. E por duas vezes perdeu

Por que carga de água salgada alguém ousaria pedir ou cobrar mais a Yolanda Hopkins?

De sorriso em riste, fabricado de origem, a algarvia virada alentejana é a primeira surfista a provar a areia de Supertubos no espreguiçar dos primeiros raios de sol este domingo, agasalhada e atempada. Pronta, como está sempre. Até os comentadores atrelados à World Surf League, cuja vida é viajar pelo mundo a ver os e as melhores nas ondas, ficam surpresos com a madrugadora portuguesa. Por um singelo triz ela não está neste MEO Rip Curl Pro por direito residente: na derradeira etapa de qualificação, o ano passado, para o circuito mundial, Yolanda ficou a uma mera onda na casa dos seis pontos para garantir a sua estreia entre a elite.

Com as bochechas tostadas, cabelo loiro vivo, não é a surfista em Portugal mais felizarda com mediatismo ou visibilidade, teve de lutar por patrocinadores mais do que perguntar “quem é?” por lhe baterem à porta. Mas Yolanda Hopkins, que já competiu com Sequeira, indecisa entre os apelidos do pai português e da mãe galesa, é a surfista com melhores resultados olímpicos (diploma em Tóquio, oitavos de final em Paris). Também é a atual bicampeã europeia, mas, o ano passado, à pesca como ainda está da primeiro apuramento para o Championship Tour (CT), não mereceu o convite que teve agora, em 2025, para desaguar em Peniche com a sua fresca atitude de nem um micrograma de sal querer dar à magnitude da ocasião.

Como nos Jogos Olímpicos, no Challenger Series (as provas de qualificação para o CT) ou no sua anterior visita a Supertubos, em 2023, quando só parou no 5.º lugar com o wildcard que lhe deram, Yolanda chegou a empunhar a sua mistura de ousadia com estou-me-nas-tintas-para-a-pressão. “Podem ser as melhores do mundo, eu não quero saber”, disse a olímpica surfista, este domingo. “Acredito no meu surf, acredito na minha performance e acredito que tenho a skill e a qualidade para ganhar”, garantiu, segura de si, ligando patavina a estatutos ou nomes das adversárias. A casta de Hopkins é esta, liga patavina ao que as outras são ou podem ser.

Na véspera, com o mar mais generoso em tamanho, não logrou coadunar a prática à teoria que teve no discurso. Contra a fava que lhe saiu, perdeu na primeira ronda contra Caitlin Simmers, a campeã mundial, e Johanne Defay, a vencedora em Supertubos no ano passado. Restava-lhe a ronda de eliminação, para onde são repescadas as perdedoras. Na manhã deste domingo, aí ganhou a Brisa Hennessy e Bella Kenworthy, duas residentes do circuito com o seu apanágio de ter pressa a apanhar ondas e ser agressiva a procurar rasgadelas nas paredes aquáticas. “Para mim, quanto maior, melhor, eu não quero saber. Acho que elas é que podem estar com medo. Não sou eu, por isso que venha a tempestade, sem problemas”, soltou a transparente surfista ao sair da água, questionada sobre a intempérie meteorológica que as previsões estimam vir a caminho de Peniche.

Por enquanto, nos oitavos de final, tinha à espera um reencontro nas ondas amenas, mais a jeito da mais temível das adversárias que poderia ter.

Em meia hora de uma mulher contra outra, aliás, de uma mulher frente a uma adolescente, Yolanda Hopkins pouco pôde contrariar a bitola de qualidade que hoje é Caitlin Simmers no surf feminino. Quando a portuguesa, ao fim de oito minutos, apanhou a primeira onda, já a imberbe norte-americana surfara duas com a exata mesma cara: fugida à emoção, robótica nas reações, remando maquinalmente para ser humana de pé na prancha. A californiana deixou manobras elegantes nas ondas, voou num aéreo, desenhou leques de água nas últimas secções quando elas fechavam as suas bocas com espuma.

Por mais destemida e resoluta que seja Yolanda, foram 13.24 pontos da magnífica aberração que é Simmers contra os seus 8.03. Pela segunda vez em Peniche, a portuguesa era derrotada por quem hoje raras são as surfistas que lhe consegue ganhar. Pintalgada por um molhe de sardas na face, Caitlin só tem 19 anos e, com 18, conquistou o título mundial, depois de aos 17 conquistar a primeira das seis etapas do CT que tem no currículo precisamente nos Supertubos. É um prodígio do mar, tão incrível que faltam palavras na mesma medida em que ela ainda é parca nelas.

“É o que pratico todos os todos, é simplesmente aquilo que espero durante todo o ano, é bom ter dois dias seguidos de ondas pequenas. Eu sou uma pessoa pequena”, disse na entrevista de praia, logo após o heat, desinteressado em acrescentar mais. Cada pergunta que lhe fazem parece mergulhá-la num enorme dilema. A pouca idade explica as suas intervenções simples e curtas: “Amo o surf e gosto de competir, portanto, tenho que as coisas funcionem e tento ser criativa, não há uma forma declarada de surfar, por isso tento inventar a minha. Quero continuar a sentir-me bem, a ouvir boa música e a divertir-me com os meus amigos. Neste momento, ando a ouvir uma espécie de disco alemão, nem sei bem.”

Por duas vezes, Supertubos pediu a Yolanda Hopkins que prevalecesse sobre a rara campeã mundial e atual líder do circuito. Era pedir-lhe demasiado. Sai de prova com um 9.º lugar, empurrada para fora por um fenómeno: pode bem ser uma pessoa pequena, mas não parece haver hoje maior surfista do que Caitlin Simmers.

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