Surf

“Fogo, ganhei um Challenger, o que raio se está a passar?”: Kika Veselko venceu na Austrália e lidera a qualificação para o mundial de surf

“Fogo, ganhei um Challenger, o que raio se está a passar?”: Kika Veselko venceu na Austrália e lidera a qualificação para o mundial de surf
Roni Bintang

Aos 22 anos, a antiga campeã mundial júnior venceu, em Newcastle, na Austrália, a primeira de sete etapas do Challenger Series, circuito de apuramento para a liga mundial de surf, onde Portugal nunca teve uma mulher. Francisca Veselko saiu do mar em lágrimas, erguida em ombros por Teresa Bonvalot, que acabou no 3.º lugar, à frente da 5.ª posição de Yolanda Hopkins. De repente, Portugal fica com três surfistas no top-5 da corrida à elite feminina

Não que os sinais estivessem a jogar às escondidas, discretos na sua evolução, a preferirem não dar muito nas vistas. Francisca Veselko quer façanhas destas, fala nelas e até em outras com ainda maior altitude há bastante tempo. Na madrugada deste domingo, levada em ombros ao desaguar na areia da praia de Newcastle, lá no lábio oeste da ilha-continente que dista um mundo de Portugal, provou mais uma vez que aponta para o cume.

A surfista de Cascais triunfou, na Austrália, na primeira etapa do Challenger Series (CS), o circuito de qualificação para o Champioship Tour (CT), o mundial onde nenhuma mulher portuguesa conseguiu chegar. Soada a buzina, depois de fazer da prancha uma cama flutuante para lhe amparar a cabeça, num misto de talvez cansaço e incredulidade, lágrimas também. Francisca chegou à beira-mar e foi erguida como é costume nos momentos de vitória no surf. Mas com duas nuances.

Levantaram-na Teresa Bonvalot, a surfista nacional que há mais tempo está nesta vida de tentar alcançar a elite, eliminada nas meias-finais por quem se encarregou de também ajudar a levantar a vencedora: Sally Fitzgibbons, australiana com veterania no CT, por várias vezes vice-campeã do mundo e derrotada na final em Newcastle e insistente, com um sorriso, em também dar o seu ombro para reconhecer a valia de Francisca Veselko. Foi um bonito e simbólico momento.

Aos 22 anos, Francisca Veselko amealhou 14,60 pontos na final das ondas com generoso tamanho, moles ao início da boleia que davam às surfistas antes de, com menor profundidade e mais perto da praia, cavarem mandíbulas para se colocarem a jeito de manobras mais pronunciadas. A australiana Sally Fitzgibbons, por três vezes vencedora desta prova em Newcastle, ficou-se pelos 12,20.

“Nem sei o que dizer. Isto é o melhor dia da minha vida. É de loucos partilhar uma final com a Sally, é uma guerreira, uma lenda, que luta sempre até ao fim. Amo-a, começou por dizer 'Kika', na entrevista logo a quente. Houve tanto trabalho nos bastidores para conseguir estar aqui, estou muito orgulhosa de mim, da minha família e da minha equipa, desabafou, sem deixar de salientar que isto é uma maratona e de frisar o seu sonho, que é chegar ao World Tour.

Deixou também palavras a Rodrigo Sousa, o seu treinador, mostrando o quão arrumadas tem as sensibilidades e cuidados para com as toneladas de trabalho necessárias antes de uma surfista aparecer no mar para o público a ver nas ondas: O meu treinador viaja comigo por todo o mundo, faz um esforço enorme para estar longe da família e das suas filhas para me apoiar, é maluco por estar aqui, não lhe posso agradecer o suficiente. Conhece-me desde os 8 anos, tenho 22, são muitos anos, é como um pai para mim. Francisca aterrou na Austrália um mês antes desta prova começar, outra prova de dedicação em prol de um objetivo.

Fogo, ganhei um Challenger, o que raio se está a passar?, deixou ainda escapar, em inglês.

Antes de enfrentar Fitzgibbons, a portuguesa ultrapassou a norte-americana Kirra Pinkerton nos quartos de final e, depois, a francesa Tya Zebrowski, imberbe de 14 anos, nas meias-finais. Teresa Bonvalot acabou no terceiro lugar e Yolanda Hopkins na quinta posição. Portanto, auspicioso início para as esperanças portuguesas de estrear mulheres no CT na próxima temporada: todas elas ficam no top-5 do ranking de qualificação. Restam seis etapas no Challenger Series, muito há para surfar, incluindo em Ribeira d'Ilhas, na Ericeira, entre o final de setembro e início de outubro.

Apenas as mulheres que terminarem o circuito nos sete primeiros lugares se qualificarão para Champioship Tour numa temporada que será longa: só termina em março do próximo ano, novamente em Newcastle, na Austrália. A próxima prova será em Ballito, na África do Sul, com arranque no final deste mês.

Em bastante melhor plano estão as portuguesas por comparação com os conterrâneos masculinos: Frederico Morais e Afonso Antunes não foram além da segunda ronda nesta etapa inaugural, vencida por Jacob Wilcox, ao superar Kauli Vaast, atual campeão olímpico, na final.

Tem alguma questão? Envie um email ao jornalista: dpombo@expresso.impresa.pt