Quase um ano depois, a discussão que Serena Williams travou com o árbitro português Carlos Ramos na final do US Open ainda está bem fresca na memória da norte-americana. Num texto na primeira pessoa escrito para a revista “Harper’s Bazaar”, a tenista volta a acusar Ramos de a ter tratado de forma injusta e revela que para ultrapassar a situação teve de recorrer a um psicólogo.
“Senti-me derrotada e desrespeitada pelo desporto que eu amo, aquele pelo qual dediquei a minha vida, aquele que a minha família mudou, não porque nele fôssemos bem-vindos, mas porque não conseguimos parar de ganhar”, começa por dizer a mais nova das irmãs Williams, antes de relatar os dias que se seguiram à final perdida em Nova Iorque.
“Depois do US Open, voltei a casa na Flórida. Todas as noites, sempre que tentava dormir, questões não resolvidas passavam pela minha mente em loop: como é que me podes ter tirado um jogo numa final do Grand Slam? A sério, como é que podes tirar um jogo a alguém em qualquer altura, em qualquer torneio? (...) Porque é que não posso expressar as minhas frustrações como toda a gente? Se eu fosse um homem, estaria nesta situação? O que me torna diferente? Ser mulher?”, continua.
Terá sido nesta altura que Serena Williams pensou também em quem estava do outro lado. Em Naomi Osaka, que viu o seu primeiro título do Grand Slam ofuscado pela discussão com o juiz português. “Não só aquele jogo me tinha sido retirado como um momento triunfante e definidor havia sido arrancado a outra jogadora. Isso partiu o meu coração. Comecei a pensar outra vez: ‘O que é que podia ter feito melhor? Fiz mal em impôr-me? Porque é que quando uma mulher fica emocional é logo rotulada de doida, irracional, mas os homens são chamados de apaixonados e fortes?’”.
Sem conseguir encontrar paz, Serena Williams admite que procurou ajuda. “Comecei a ver um psicólogo. Enquanto procurava respostas, e mesmo que sentisse que estava a fazer progressos, não estava ainda preparada para pegar numa raquete. E foi então que percebi que só havia uma forma de ultrapassar a situação: estava na hora de pedir desculpa à pessoa que mais merecia”, diz.
Enviou então uma mensagem a Naomi Osaka, pedindo perdão por ter retirado os holofotes da jovem japonesa: “Foi nessa altura que percebi que a verdadeira razão para aquele US Open ter sido tão complicado para mim: não foi por causa das críticas que tive de enfrentar, mas pelo que aconteceu àquela miúda que merecia muito mais naquele momento especial”.
“Em situações como a que vivi, quando os homens discutem com os árbitros, são recebidos com um sorriso ou mesmo uma gargalhada pelo juiz, como se estivessem a partilhar uma piada. Eu não estou a pedir para não ser penalizada. Estou a pedir para ser tratada da mesma maneira. Mas infelizmente esse não é o mundo em que vivemos”, sublinha, antes de explicar que, na sua visão, o incidente exemplifica a forma como “milhares de mulheres em todas as áreas são tratadas todos os dias”.
“Não nos permitem ter emoções, não nos permitem sermos apaixonadas. É-nos dito que temos de nos sentar e estar caladas, o que para mim não está bem. Fico envergonhada por a nossa sociedade penalizar as mulheres apenas por serem elas próprias”.
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