Ténis

Tsitsipas, o filósofo grego

Tsitsipas, o filósofo grego
Julian Finney/Getty
É o tenista mais novo dos últimos 18 anos a ganhar o ATP Finals, mas Stefanos Tsitsipas distingue-se, e muito, pelo que é e faz antes de ter uma raquete na mão: é autor de um podcast, tem um alter ego no Instagram só para fotografias quase profissionais e um canal de YouTube com vídeos de viagens, onde até confessou que, em 2016, o pai o salvou de morrer afogado

Sai do quarto, caminha por um corredor de hotel, vê-se mais uma manhã, toalhas dobradas e empilhadas, quartos a serem limpos, vai comprar donuts e nota, curioso, como a polícia em Basileia patrulha as ruas em carros da Tesla. “Gosto da ideia, gosto da abordagem, apoio a 100%”, diz, as madeixas loiras quase a tocarem-lhe nos ombros, a cara bem próxima da câmara.

Ficamos a saber o que opina sobre a energia ordeira da cidade suíça, ouvimo-lo a elogiar os transportes públicos, vemos quantos donuts comeu. Tenta explicar como se tem sentido bem por causa das pessoas que tem à volta e acaba a discutir, sozinho, o material fotográfico e videográfico que leva atrás.

Varrendo, com um pouco mais de minúcia, o resto da biblioteca do tenista que, este domingo, venceu o ATP Finals, vemo-lo a sobreviver a uma viagem de táxi em Nova Iorque, a despender uma mão para a câmara enquanto conduz uma mota em alguma ilha caribenha, a ter o cabelo cortado num quarto de hotel ou como saiu das redes sociais durante 14 dias.

Nos últimos segundos do vídeo em que um atleta de alta competição proclama, sem rodeios, o seu amor indelével a donuts, o ecrã é ocupado pela frase: “Não me subestimem. Sei mais do que falo, penso mais do que aquilo que digo e reparo em mais do que vocês se apercebem”.

No primeiro frame de outro, Stefanos Tsitsipas está com cara mais séria, fechado num quarto de hotel, à noite, sentado para contar “a história do dia”, a meio de outubro de 2016, “era suposto ter perdido a vida” numa praia da Grécia.

“Eu, o meu pai e dois amigos decidimos ir dar uma corrida na praia. Não tínhamos jogos nesse dia, estávamos lá para um torneio Futures, ia fazer exercício durante 35 minutos, depois sauna, já era quase inverno e, a seguir, decidimos passar o corpo por um pouco de água salgada. Estava um dia meio de tempestade, as ondas estavam grandes, nem era suposto irmos nadar, era só para nos refrescarmos em vez de fazermos um banho de gelo no hotel.

Lembro-me de saltar para o mar, bater com o pé numa rocha, virar-me para trás e já estar a 30 ou 40 metros da praia, sem entender o que se estava a passar. As ondas pareciam estar cada vez maiores, não vi bandeiras ou nadadores-salvadores na areia, comecei a sentir pânico. Foi a pior sensação que senti na vida. Senti-me a afogar, não conseguia, de todo, respirar, ninguém estava perto para me ajudar. Nunca tinha sentido algo assim.

Não via os meus amigos. Tentava lutar contra as ondas, mas quanto mais tentava, mais sentia que não tinha hipóteses de chegar à praia. Havia muita corrente. Recordo-me de desistir, de sentir que o tempo congelou por momentos, de ver um súbito flashback da minha vida e de me sentir a afogar. Pensei, por segundos, que já estava morto.

O meu pai conseguiu nadar até mim. Vi o medo nos olhos dele, ele viu o medo nos meus, senti alguma esperança ao tê-lo ali. Foi um herói. Puxou-me para a praia. Lembro-me de pisar um coral e sentir que isso foi incrível. Estava a respirar de forma muito pesada. A sensação era horrível. O meu pai procurou o meu amigo que ainda estava na água e também o salvou. Não sei como é que chegámos à praia.

Foi o dia em que vi a vida de uma perspetiva diferente. Disse a mim próprio: depois disto, não podes sentir medo, isto é o pior que te pode acontecer. Psicologicamente, mudou-me muito enquanto pessoa. Não morrer naquela praia, naquele dia, fez-me apreciar tudo o que tinha na vida.”

A quase trágica desventura de Tsitsipas, há cinco anos, contada e enquadrada em voz própria esguio no court, ajuda a entender a pessoa que pega na raquete e vira o tenista que ganhou o ATP Finals a Dominic Thiem (6-7 (6-8), 6-2 e 7-6 (7-4)), virou o mais novo a consegui-lo desde 2001 e continua a ser um dos mais incaraterísticos jogadores que há, sem que isso seja flagrantemente criticável.

O grego não tem uma língua solta que aponta o vernáculo a árbitros quando desgosta das duas decisões, não provoca adversários com farpas em conferências de imprensa, nem destrata as tradições do ténis que não são de cumprimento obrigatório, mas ferem quem aprecia o conservadorismo. Antes houve John McEnroe ou Marat Safin, hoje há Nick Kyrgios e Bernard Tomic.

Stefanos Tsitsipas é diferente por ser quem é e pela forma como se mostra.

O grego tem um canal de YouTube onde publica, às vezes, mais do que um vídeo por semana, na maioria sobre as viagens que e como aproveita o tempo livre fora dos courts. Capta e edita os próprios vídeos, vê tutoriais, compra equipamento e tenta ser um auto-didata.

É autor de um podcast, batizado como “Um Grego no Estrangeiro”. No Instagram, fora a conta mais profissional, que mantém com imagens de treino, jogo ou, enfim, ténis, Tsitsipas tem outra dedicada à fotografia mais profissional. É atribuída a “Steve, The Hawk” (ou Steve, o Falcão), jamais se denuncia como tenista, os vislumbres de raquetes estão em vias de extinção e descreve-se como um “explorador do mundo” e “fotógrafo abstrato”.

Aos 21 anos, Stefanos é, ou mostra-se como sendo, a antítese do comum desportista de alta competição. Não é reclusivo no que dá a conhecer, nem se contrai a falar o menos possível, sobre o menor número manejável de assuntos.

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O grego fala pelos próprios meios, debate o que bem entende e sabemos mais coisas dele fora das conferências de imprensa ou entrevistas que dá. “Para mim, é importante ter hobbies. Caso contrário, daria em maluco por estar a jogar ténis a toda a hora. Ajudam-me a desligar, pensar sobre outras coisas, relaxar, estar no meu próprio mundo e sentir-me mais criativo e estimulado”, disse, em janeiro, ao “Daily Telepraph”.

O pai grego treina-lhe, desde sempre, os genes que herdou da mãe, outrora tenista número um júnior da União Soviética, e do avô materno, medalhista de ouro nos Jogos Olímpicos de 1956, a jogar futebol. Tsitsipas virou profissional em 2017, já ganhou aos três monstros papões (Federer, Nadal e Djokovic) que parecem esconder o elixir do sucesso apenas para eles; e, este ano, derrotou os todos os dez primeiros tenistas do ranking, pelo menos, uma vez.

Stefanos fecha a temporada na sexta posição da hierarquia, intacto na sua reputação de tenista incomum e fora da caixa, tão avesso à vulgaridade como elegante é a sua fiel esquerda a uma mão.

E, sobretudo, prossegue com uma aura de filósofo pela forma como exprime o que lhe vai na cabeça, como é exemplo o quão profundo foi para descrever uma viagem que fez, sozinho, às Ilhas Virgens Britânicas: “Adoro estar lá. Consigo passar tempo comigo mesmo, compreender a minha personalidade, a forma como penso e trabalho. Basicamente, aproximo-me do meu eu porque, às vezes, parece que não me conheço assim tão bem”.

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