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Carlos Alcaraz, o adolescente espanhol que sonha na cidade que nunca dorme

Carlos Alcaraz, o adolescente espanhol que sonha na cidade que nunca dorme
TPN/Getty

Aos 18 anos de idade, o tenista está nos quartos-de-final do US Open, tornando-se no mais jovem a marcar presença numa fase tão adiantada de um major desde 1990. Retrato de um jogador que se habitou à precocidade

Pedro Barata

Jornalista

As borbulhas que vão salpicando a cara denunciam a tenra idade. O vocabulário em inglês não é vasto e a timidez do olhar é evidente, mas os olhos regados com alegria e o sorriso rasgado mostram-nos um miúdo a viver “um sonho feito realidade”. Carlos Alcaraz, de 18 anos cumpridos em maio, acabara de bater Peter Gojowczyk nos oitavos-de-final do US Open e, na conferência de imprensa depois do encontro, sente-se que acabámos de assistir ao nascimento de uma estrela, justamente num local habituado a conviver com todo o tipo de celebridades.

Nova Iorque é a cidade onde tudo é possível e é, por estes dias, o palco onde brilha o jovem espanhol. Ao derrotar o alemão Gojowczyk (5-7, 6-1, 5-7, 6-2 e 6-0), Alcaraz tornou-se, na noite de 5 de setembro, no mais jovem tenista a marcar presença nos quartos-de-final de um torneio do Grand Slam desde Michael Chang, na edição do Roland Garros de 1990. É, ainda, o mais novo homem a estar entre os oito melhores do major norte-americano na Era Open, superando por oito dias o recorde de precocidade de Andre Agassi.

Após ter derrotado, na primeira ronda, o britânico Cameron Norrie, e na segunda o francês Rinderknech, Alcaraz mostrou, definitivamente, ser um caso sério quando derrotou o grego Stefanos Tsitsipas, número 3 do ranking ATP. Numa batalha que durou 4 horas e 11 minutos, decidida em cinco sets (tal como o embate dos oitavos-de-final), o espanhol revelou argumentos para se bater contra os melhores jogadores do mundo na mais importante vitória da sua curta carreira.

“Ele pode ser um candidato a vencer títulos do Grand Slam”, disse Tsitsipas após o jogo. “A velocidade de bola dele é incrível. Nunca tinha visto alguém bater tão forte na bola”, elogiou o grego. A potência das pancadas de Alcaraz tem chamado a atenção, havendo quem destaque o facto de, tal como lendas como Nadal ou Federer, o jovem executar a sua pancada de direita com o cotovelo reto.

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Segundo dados oficiais, a direita do espanhol teve, contra Tsitsipas, uma velocidade média de 125,5 quilómetros por hora, 4,8 quilómetros por hora mais rápida do que a média do US Open masculino deste ano. Já a esquerda de Alcaraz viajou, em média, a 120,7 quilómetros por hora diante do número 3 do ranking, 8 quilómetros mais veloz do que a média do torneio em 2021.

Mas se há característica a destacar no adolescente de Múrcia (de onde é também natural Alejandro Valverde, lenda do ciclismo espanhol) é mesmo a tendência para a precocidade. Em fevereiro de 2018, Alcaraz conquistou o seu primeiro ponto como profissional ATP, após derrotar, no torneio Future da sua cidade natal, o italiano Federico Gaio. Aos 14 anos e nove meses, Carlos somava assim os seus primeiros pontos no mundo dos adultos mais cedo do que, por exemplo, Rafa Nadal, que o fez com 15 anos, em setembro de 2001.

O murciano é o primeiro tenista nascido em 2003 a atingir os quartos-de-final de um major, feito que ganha ainda maior relevância tendo em conta que nenhum homem nascido em 2002 conseguiu, para já, estar entre os oito melhores do Australian Open, Roland Garros, Wimbledon ou US Open, os quatro certames mais importantes do desporto da bola amarela.

Ora, nos quartos-de-final do torneio nova-iorquino, Alcaraz defrontará Félix Auger-Aliassime, canadiano de 21 primaveras, também ele o primeiro jogador do seu ano (2000) a ter disputado os quartos de um major (fê-lo na última edição de Wimbledon). O duelo entre os dois, marcado para terça-feira, será o encontro de quartos, meias ou final de US Open com atletas mais novos desde o embate entre Pat Cash e Mats Wilander nos quartos-de-final da edição de 1984.

Félix Auger-Aliassime já se juntou ao coro de elogios ao seu próximo rival, acreditando que o espanhol será “o melhor tenista do mundo durante muitos anos”. Curiosamente, um dos treinadores do jovem canadiano é Toni Nadal, tio e antigo técnico de Rafa, o campeão a quem Alcaraz é comparado, desejando os espanhóis que o murciano consiga dar sequência às páginas de glória escritas pelo maiorquino.

“Graças a Nadal, aprendi a importância de jogar com muita energia e dar tudo da primeira à última bola”, refere Carlos, ele que festejou a sua entrada na maioridade… jogando contra Rafa. A 5 de maio de 2021, no Mutua Madrid Open, quis o destino que a grande referência e a promessa do ténis espanhol se defrontassem na capital do país no dia em que o adolescente cumpria 18 anos de idade. Nadal não teve piedade, vencendo por 6-1 e 6-2, mas Alcaraz teve direito a uma experiência para recordar e, também, a um bolo oferecido pela organização, liderada por outro ilustre tenista espanhol, Feliciano López, o director do torneio. “Não o comas todo sozinho”, brincou Rafa, que aos 35 anos está ausente do US Open por problemas físicos.

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Mas se Nadal é, naturalmente, uma grande referência para Carlos Alcaraz, também o é Juan Carlos Ferrero, o seu treinador. Antigo número um mundial, o espanhol venceu Roland Garros em 2003, o mesmo ano em que chegou à final do US Open e em que nasceu o seu pupilo.

Ferrero, que trabalha com o murciano desde que este tinha 15 anos, tem insistido várias vezes que seria “um erro” traçar paralelismos entre Alcaraz e Nadal, visto que "comparar-se ao melhor da história é um peso difícil de carregar”, como referiu, em maio, no Estoril Open, competição em que na qual o jovem foi eliminado na primeira ronda. Uma perspectiva que, de resto, é partilhada pelo jogador, que até aos 10 anos dividiu o tempo entre o futebol e o ténis e também gosta de praticar golfe: “Sempre pensei que tens de ser tu próprio e seguir o teu caminho”.

À medida que Carlitos vai fazendo história nos Estados Unidos, do outro lado do Atlântico, a imprensa espanhola, sempre sedenta de novos heróis (sobretudo numa altura em que o apogeu de Nadal, Alonso, Valverde, Contador, Gasol ou da seleção de futebol já ficou para trás), vai glorificando os feitos do adolescente, algo a que este tenta ser alheio: “Tento não pensar muito nisso e concentrar-me em cada dia aqui, porque cada dia é um dia novo e tens de esquecer o que fizeste e focar-te no que aí vem”.

Quando, na sexta-feira, dia 3 de setembro e manhã anterior ao seu duelo contra Tsitsipas, Alcaraz pisou pela primeira vez o gigante Arthur Ashe Stadium, o recinto que é o palco principal do US Open, o jovem “não podia acreditar que aquele momento tinha finalmente chegado”, tendo inclusivamente tirado uma fotografia com a sua equipa antes de começar o treino. Agora, o jovem que no início do ano estava de fora do top 100 do ranking ATP, já tem garantido, pelo menos, um lugar entre os 40 melhores tenistas do mundo na próxima atualização da lista, a 13 de setembro.

Sobre Nova Iorque, cantava Frank Sinatra o desejo de “acordar numa cidade que não dorme”, descobrindo que era o “número um”. Carlos Alcaraz partilhará do desejo expresso por “The Voice" em chegar ao “topo da colina”, mas, para já, quer permitir-se continuar a sonhar.

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