Este US Open é das adolescentes. Emma Raducanu e Leylah Fernandez vão disputar o título numa final histórica e inesperada
TIMOTHY A. CLARY/Getty
A britânica tem 18 anos, a canadiana 19, acabados de fazer. Uma é 150.ª do mundo, a outra a 73.ª. Estão ambas na final do US Open, a primeira final de um major na Era Open com duas tenistas não pré-designadas e o primeiro encontro entre teenagers na decisão de um torneio do Grand Slam desde 1999. Entre a surpresa e os recordes quebrados, Emma Raducanu e Leylah Fernandez estão a escrever nestas duas semanas em Nova Iorque uma das mais belas histórias do desporto em 2021
Na noite de quinta-feira, apesar de ambas estarem a viver o momento mais importante das suas carreiras, nem Emma Raducanu nem Leylah Fernandez puderem beber uma taça de espumante para festejar a chegada à final do US Open.
Legalmente nenhuma das duas tem idade para o fazer.
No estado de Nova Iorque, como na generalidade dos 50 estados norte-americanos, beber álcool é algo reservado a quem tem 21 anos ou mais. Raducanu tem 18, Fernandez acabou de fazer 19. Serem as protagonistas de uma das mais inesperadas e surpreendentes histórias da história dos torneios do Grand Slam valeu-lhes, quanto muito, um brinde com um copo de suminho de laranja.
No sábado, o Arthur Ashe Stadium, o maior estádio de ténis do mundo, vai assistir apenas à 5.ª final entre adolescentes na história dos torneios do Grand Slam, a primeira desde o US Open de 1999, quando Serena Williams, então com 17 anos, bateu Martina Hingis, de apenas 18. Mas com uma diferença: a final de 1999, ano em que nem Raducanu ou Fernandez eram ainda nascidas, não surpreendeu ninguém.
Hingis era então número um mundial, um fenómeno de precocidade que havia chegado ao primeiro título em torneios de Grand Slam aos 16 anos e que nesse ano já tinha estado nas finais do Open da Austrália e de Roland Garros. E Serena era já a 7.ª cabeça de série do torneio. Leylah Fernandez é a 73.ª mundial. E Emma Raducanu a 150.ª do ranking, a primeira tenista da história, homem ou mulher, a chegar à final de um torneio do Grand Slam vinda da fase de qualificação. Esta será, aliás, a primeira final de um major na Era Open entre duas tenistas não cabeças de série.
Uma madrugada histórica
Na noite de quinta-feira, madrugada em Portugal, Fernandez foi a primeira a entrar em ação nas meias-finais, para um duelo com Aryna Sabalenka, número 2 mundial. E o poderoso ténis da bielorrussa causou desde logo problemas à canadiana, que em miúda admirava Justine Henin e Simona Halep precisamente porque terem chegado ao topo apesar da baixa estatura.
Mas a perder por 4-1 no primeiro set, a pequena mas aguerrida Fernandez mostrou, mais uma vez, uma impressionante capacidade de dar a volta, de reagir ao infortúnio, com o seu ténis elétrico que a fez derrotar no caminho até às meias-finais Naomi Osaka, Angelique Kerber e Elina Svitolina, sempre em três sets. Depois de recuperar de um break sofrido logo a abrir, venceu mesmo o primeiro parcial por 7-6, Sabalenka prevaleceu no segundo set por 6-4, com Fernandez a ser mais forte no 3.º, por 6-4, tornando-se apenas na terceira mulher na Era Open a derrotar três Top 5 mundiais no US Open.
Sarah Stier
Mais surpreendente ainda é a caminhada de Emma Raducanu. Apesar da tenra idade, dos 19 anos acabados de fazer, Fernandez não era uma total desconhecida: foi campeã no torneio júnior de Roland Garros em 2019, ano em que havia chegado também à final do Open da Austrália. Em 2020 chegou à sua primeira final de um torneio WTA e este ano, em março, conquistou o Monterrey Open, no México. Já Raducanu, nascida em 2002 tal como a canadiana, mas mais jovem uns meses, pouco competiu como júnior, dando prioridade aos estudos, nomeadamente no período da pandemia, em que esteve praticamente sem jogar durante ano e meio.
Em junho estreou-se em torneios do circuito WTA, com um convite para o Nottingham Open e duas semanas depois estava em Wimbledon, também com um wild card. Chegou à 4.ª ronda, desistindo então no duelo com Ajla Tomljanovic com problemas respiratórios, que a própria admitiu terem sido espoletados pela ansiedade. Mas dias depois estava a tirar nota máxima nos exames finais de matemática e economia, ela que para lá do talento no ténis é também uma aluna brilhante.
No US Open, teve de passar a fase de qualificação e depois de derrotar a campeã olímpica Belinda Bencic nos quartos de final, chegava-lhe outro desafio complexo nas ‘meias’, frente a uma Maria Sakkari há muito a mostrar ténis para chegar a uma final de um torneio do Grand Slam - e esteve muito perto em Roland Garros este ano, caindo nas meias-finais.
Mas ao ténis agressivo e pancadas poderosas da grega, a jovem britânica, nascida curiosamente também no Canadá, filha de pai romeno e mãe chinesa que se mudaram para Londres quando Emma tinha apenas dois anos, respondeu com o ténis total que tem deixado muito boa gente abismada em Nova Iorque: completo controlo emocional, acervo alargado de pancadas, variabilidade de jogo e uma capacidade de chegar a todas as bolas que fizeram Mats Wilander compará-la a Novak Djokovic.
Seguríssima no seu serviço (não permitiu que a adversária concretizasse qualquer ponto de break), a britânica bateu Sakkari, 17.ª pré-designada, por 6-1 e 6-4, num encontro em que a diferença esteve nos erros diretos: Raducanu fez 17, Sakkari 33. Raducanu chega à final sem perder qualquer set, com o impressionante registo de 18 parciais seguidos conquistados. Tudo isto apenas no seu segundo torneio do Grand Slam.
Um reencontro, agora noutro nível
A lista de feitos de Raducanu, que antes de lançar a primeira bola ao ar em Wimbledon em junho desde ano era a 338.ª do ranking, é longa e começa desde logo por ser a primeira qualifier a chegar a uma final de um major. É também a primeira a primeira britânica em 53 anos a discutir o título no US Open, seguindo os passos de Virginia Wade. Há 44 anos que uma britânica não chegava à final de um dos quatro principais torneios do calendário.
“Sempre sonhei jogar nos torneios do Grand Slam, mas não sabia quando é que isso poderia acontecer”, confessou Raducanu após o encontro. “Chegar aqui tão cedo, neste momento da minha carreira, estando no circuito há apenas dois meses é de loucos”.
Curiosamente, Raducanu e Leylah Fernandez defrontaram-se no torneio júnior de Wimbledon de 2018, na 2.ª ronda. A canadiana filha de pai equatoriano e mãe de origem filipina era favorita, mas a vitória foi para a britânica, que venceu por 6-2 e 6-4. Raducanu chegaria aos quartos de final, onde foi trucidada por outra jovem tenista que já sabe o que é estar numa final de um torneio do Grand Slam, a polaca Iga Swiatek, campeã de Roland Garros em 2020 e que nos US Open caiu na quarta ronda.
Agora o palco é outro. E que palco. No sábado, às últimas horas do dia em Lisboa, o US Open terá uma campeã histórica e surpreendente. O festejo terá de continuar a ser com sumo de laranja.