Ténis

“Pela primeira vez”, Carlos Alcaraz jogou contra um adversário chamado público. E “não imaginava que pudesse ser tão pesado”

“Pela primeira vez”, Carlos Alcaraz jogou contra um adversário chamado público. E “não imaginava que pudesse ser tão pesado”
Justin Setterfield/Getty
Carlos Alcaraz esteve a vencer por 5-0 contra Hugo Gaston no segundo set dos oitavos-de-final do Masters 1.000 de Paris-Bercy, mas, com as bancadas a rugirem em apoio ao tenista francês, o espanhol de 18 anos acumulou erros, chegou a perder 17 pontos seguidos e saiu derrotado, numa reviravolta produzida ao som da "Marselhesa" que se cantou entre o público

Pedro Barata

Jornalista

"Hugo!, Hugo!, Hugo!". Os cânticos em uníssono, com um acento muito parisiense a cada palavra, demorarão muito a sair da cabeça de Carlos Alcaraz. Foi aquele coro protagonizado por vozes da noite de Paris que o fez sair do encontro, que transformou pancadas que antes iam dentro em bolas colocadas para lá dos limites do campo.

Foram gritos que converteram um segundo set ganho num segundo set perdido.

Nos oitavos-de-final do Masters 1.000 de Paris-Bercy, o último da categoria na temporada 2021, Carlos Alcaraz, espanhol de 18 anos, enfrentou Hugo Gaston, francês de 21. A viver um ano de ascensão meteórica, Alcaraz, número 35 do ranking ATP, vinha de derrotar Jannik Sinner, num duelo entre dois jovens que prometem marcar o futuro da modalidade.

No primeiro set, 'Carlitos' até quebrou duas vezes o serviço de Gaston, mas em ambas as ocasiões o francês devolveu logo o break, acabando o gaulês por se impor por 6-4 na primeira partida.

Justin Setterfield/Getty

Para o segundo set, Alcaraz começou por trazer o seu melhor ténis. Aquelas direitas agressivas e profundas, aquele ar de competidor feroz escondido entre as borbulhas na cara, tudo sinais que sustentam as esperanças espanholas de terem ali um novo campeão dos mais importantes títulos do mundo da bola amarela.

E, com esse nível de jogo superior, Carlos colocou-se na frente do marcador por claros 5-0 no segundo set, quebrando por duas vezes o serviço do adversário.

Só que, mesmo com tamanha desvantagem do jogador da casa, das bancadas começava a ouvir-se "Hugo!, Hugo!, Hugo!", mostrando que o público de Paris-Bercy acreditava no seu jovem para dar a volta à situação. E, subitamente, as coisas começaram a mudar.

Com 5-0 e Gaston a servir para evitar que Alcaraz vencesse a segunda partida, logo no primeiro ponto o espanhol estatelou uma direita na rede. Foi o prenúncio do que viria a acontecer nos minutos seguintes.

O francês reduziu para 5-1 e o saque passou para 'Carlitos'. O rugido das bancadas intensifica-se, obrigando mesmo o árbitro a pedir contenção. Enquanto no serviço de Gaston os cânticos funcionavam como um empurrão, no de Alcaraz serviam quase como corda que atava o espanhol, como um tormento que, entrando na sua cabeça através dos ouvidos, se espalhava por todo o corpo e bloqueava o seu jogo.

Nos dois primeiros pontos deste sétimo jogo, Carlos subiu à rede, mas foi surpreendido pela confiança renovada do seu rival. Os parisienses levantavam-se dos seus assentos perante o ténis do seu compatriota que, naquela fase, atuava como um "pequeno Astérix com muito veneno na raquete e que aproveitou a pirotecnia dos adeptos para dar a volta a um segundo set que tinha perdido", como descreveu o "El País".

O adolescente espanhol perdeu mesmo o seu serviço com uma dupla falta, tornando oficial a crise de confiança no seu jogo. Empurrado pelo público de Paris, numa fase em que nas bancadas já se vivia um ambiente de 14 de julho em novembro, numa festa de celebração francesa, Gaston reduziu com facilidade para 5-3 antes de Alcaraz ter nova oportunidade para, no seu saque, forçar uma terceira partida.

Hugo Gaston festeja a vitória, com Alcaraz, num segundo plano, a arrumar as suas coisas para dirigir-se rapidamente rumo aos balneários
Justin Setterfield/Getty

No entanto, o descalabro do espanhol estava lançado.

O que, minutos antes, era um tenista agressivo e confiante, tinha-se tornado num corpo assustado, sem reação, que acumulava erros não forçados — no total foram 27, contra 14 de Gaston — e decisões ao nível da movimentação que traduziam uma sensação de desnorte.

No total, foram 17 pontos perdidos de maneira consecutiva por Alcaraz. Uma coleção de direitas esbarradas contra a rede ou de esquerdas demasiado longas. Gaston fez o 5-4, o 5-5 e passou para a frente do marcador em três jogos seguidos — dois deles no serviço do espanhol — nos quais não cedeu qualquer ponto.

Hugo ia sabendo jogar com o público, pedindo-lhe o seu incentivo como se Diego Pablo Simeone se tratasse, ao passo que a cara de adolescente perdido de Alcaraz ia procurando consolo em Juan Carlos Ferrero, o seu treinador que, como tenista, lidou com inúmeras situações assim.

Mas, nesta modalidade, os protagonistas estão sozinhos no court. Não há intervenção externa. E nada podia salvar Alcaraz, que com 6-5 no marcador e antes de Gaston servir para fechar o encontro, mergulhou a cara na toalha enquanto se ouvia "A Marselhesa" ser cantada nas bancadas. Um reflexo do que acabara de acontecer: os gritos do público foram afundando 'Carlitos' até o obrigarem a ter de esconder o seu rosto.

No derradeiro jogo do duelo, Gaston selou o triunfo sem problemas. No último ponto do encontro, fez um ás, o seu único de toda a contenda, expressão clara de que tudo lhe saía bem.

Após esse último ponto, um Gaston a levar as mãos à cabeça em loucura contrastava com um Alcaraz em fuga daquele pesadelo em forma de court, saindo para os balneários o mais rapidamente que conseguiu.

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Horas depois da derrota, Alcaraz reconheceu, no Instagram, que "sabia que seria difícil lidar com o ambiente", mas que "não imaginava que pudesse ser tão pesado", ele que assumiu ter vivido "pela primeira vez" esta situação, o que "não foi fácil", causando-lhe "muitos danos" por "não saber lidar com essa pressão".

O tenista de 18 anos tem estado a viver os primeiros meses ao mais alto nível e competiu em muitos dos seus primeiros torneios à porta fechada. Noutros teve o apoio do público por ser o mais novo, pelo acolhimento que sempre é dado às imberbes promessas do que podem vir a ser — algo que foi visível, por exemplo, no US Open. Fora desse contexto confortável, com um público parisiense claramente hostil, disposto até a incomodá-lo em certos momentos do seu serviço, Carlos Alcaraz ruiu.

Ainda assim, o espanhol garante que o "mais importante é aprender" com estas situações, estando seguro de que "voltará mais forte".

Por seu lado, Hugo Gaston, que tem assegurada a entrada entre os 100 primeiros da hierarquia mundial pela primeira vez e defrontará Medvedev nos quartos-de-final, assegurou que a vitória "foi do público", que o "apoiou sempre", vincando que "joga ténis para viver um ambiente assim".

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