Ons Jabeur, a primeira africana e árabe numa final de um Grand Slam: “Sou uma orgulhosa mulher tunisina, sei que na Tunísia estão loucos”
Simon Stacpoole/Offside
A tunisina, de 27 anos, bateu nas meias-finais de Wimbledon a amiga Tatjana Maria (6-2, 3-6 e 6-1) e no final, depois de um demorado abraço, puxou a rival para ouvirem as duas os aplausos do público britânico: "Voltou depois de ter dois bebés, ainda não sei como é que ela o fez"
Quando a derradeira bola anunciou a primeira finalista de Wimbledon, que é também a primeira africana e árabe em finais de majors (na era Open), Ons Jabeur sorriu com todos os músculos do rosto e, já na rede, abraçou longamente a rival, a amiga Tatjana Maria. Segredou-lhe algumas coisas ao ouvido e, inesperadamente, puxou-a para o meio do court para partilhar os beijos do público que se expressam em forma de palmas. Maria, que há 15 meses teve o segundo bebé, competiu exemplarmente por uma vaga na final de um Grand Slam aos 34 anos e merecia aquela admiração.
Jabeur, natural de Ksar Hellal, na Tunísia, reconheceu que foi mais difícil “correr atrás das bolas” de Tatjana do que defrontar uma amiga. “Ela matou-me. Tem de fazer-me um churrasco por todo o esforço que fiz no court”, desabafou, arrancando gargalhadas do público britânico. Sobre o gesto final, explicou-se: “Queria partilhar o momento com ela. É uma grande inspiração para tantas jogadoras, incluindo eu. Voltou depois de ter dois bebés, ainda não sei como é que ela o fez…”
Ryan Pierse
A tunisina foi sublime no primeiro set, com algumas genialidades e manobras categóricas, culpadas do 6-2 em 38 minutos. O jogo, numa fase inicial, parecia estar destinado a um combate de paciência e troca de slices eternos, mas foi crescendo. Jabeur foi mostrando o lado genial que transporta na mão direita que agarra a raquete, variando o seu jogo à medida que o cronómetro comia minutos. Tatjana, enorme resistente que normalmente cortava as bolas (até na rede), foi também inovando no que toca à variabilidade do jogo, impondo algumas acelerações de direita, esquerdas a uma mão e amortis. A defesa e as corridas que pareciam impossíveis eram inegociáveis.
E o vento mudou no segundo set.
Maria chegou rapidamente ao 3-1, quebrando um jogo de serviço de Jabeur, impondo a sua fiabilidade. Ons ia errando mais e mais, o nível da africana despenhou-se. Ainda assim, trocaram-se bolas dignas de jogos especiais, até de exibição, tal era a fineza do gesto ou a imortalidade do vaivém daquela ferramenta amarela.
Com dúvidas no smash, o que poderia traduzir-se em dúvidas no seu ténis, Jabeur viu a amiga Tatjana ganhar o segundo set por 6-3. “Fisicamente, é uma besta, não desiste”, diria a tunisina na entrevista após a partida. “Fez-me correr em muitos pontos, pensei que ela ia ficar cansada, mas não. O toque, o seu serviço, tudo o que faz no court é impressionante.”
Restava saber como é que Ons Jabeur, que já se havia tornado na primeira árabe e africana a chegar às meias-finais de um major, iria surgir no terceiro e derradeiro set. Apesar de tudo e independentemente do que daí viesse, importa recordar as palavras às quais deu voz o ano passado, também em Wimbledon, para entendermos melhor quem é esta tenista, de 27 anos.
“Não é fácil ser a única mulher árabe no circuito. Mas nunca sabes, talvez uma esteja a ver televisão e queira estar, algum dia, no meu lugar. Quero enviar-lhes uma mensagem: se eu pude, outras podem. Não olho só para mim, trato de inspirar outras gerações que vêm aí”.
Justin Setterfield
E – arrumada e letal, regalando até uma esquerda a duas mãos no ar – tratou de inspirar outras raparigas. Depois de recuperar a sua melhor versão e de o seu ténis engolir o de Tatjana Maria (6-1), Jabeur foi lembrada que também ela era uma inspiração para outros.
“Sou uma orgulhosa mulher tunisina aqui hoje. Sei que na Tunísia estão loucos. Tento inspirar o mais que posso, quero ver mais africanos no circuito. Amo o jogo, quero partilhá-lo com eles”, disse, sob o caloroso aplauso das gentes de Wimbledon.
Há sensivelmente um ano, nas tais declarações neste mesmo torneio que impõe as fardas brancas, ocupava a 24.ª posição do ranking e agora é a número 2. Mas já na altura sabia para onde ia.
“Tenho metas muito, muito grandes, aponto para cima. Quero ser a número 1 e ganhar Grand Slams. Por agora, tenho ido devagar, mas creio que estou no bom caminho. Estou a trabalhar arduamente”, admitiu então. Esta tarde, depois de bater Maria, falou em “sonho” que se ia tornando realidade. Segue-se a final contra Simona Halep ou Elena Rybakina.