Ténis

Partindo de onde tudo começou, Emma Raducanu pode finalmente recomeçar sem “um alvo nas costas”

Partindo de onde tudo começou, Emma Raducanu pode finalmente recomeçar sem “um alvo nas costas”
Julian Finney/Getty
Dando sequência a uma temporada com várias desilusões, a britânica foi eliminada na 1.ª ronda do US Open por Alizé Cornet. No regresso a Nova Iorque um ano depois de ter surpreendido o mundo, Raducanu vai cair para fora das 70 primeiras posições do ranking, mas a jovem, apesar da “tristeza”, está “de certa forma contente por fazer tábua rasa” e por traçar “um novo caminho para o topo” sem tantos holofotes centrados em si
Partindo de onde tudo começou, Emma Raducanu pode finalmente recomeçar sem “um alvo nas costas”

Pedro Barata

Jornalista

O olhar para o infinito, o encolher de ombros ou os profundos suspiros eram as manifestações dos lamentos que passavam pela cabeça de Emma Raducanu. No Louis Armstrong Stadium, em Nova Iorque, a ainda adolescente de 19 anos estava, um ano depois, de regresso ao US Open, o torneio onde escreveu uma das mais inesperadas e extraordinárias páginas de glória desportiva dos últimos anos, indo de desconhecida qualifier a campeã de um major.

No entanto, o ambiente em torno da britânica não poderia ser mais diferente do que se verificava em 2021 — e tudo devido, justamente, à vitória conseguida, qual presente envenenado que a persegue.

Desde que tocou o céu em Nova Iorque, Emma — a jovem britânica que fala mandarim, tem um sorriso leve e uma postura graciosa — tornou-se num cartaz publicitário andante, cara da British Airways, Porsche, Nike, Dior, Vodafone (foi o rosto principal da promoção da marca para Wimbledon) ou Evian (fazendo até vídeos com Dua Lipa). A sua conta bancária explodiu, o mediatismo também, tudo à base da proeza conseguida em 2021 e potenciado pela sua imagem, que parece feita à medida para o star system: bem-falante, jovem, multicultural, alicerçada em países com forte apelo comercial.

Mas o contra-peso de tudo isto, o preço a pagar por toda esta atenção súbita, tem andado nas costas de Raducanu como fardo que limita o seu crescimento dentro do court. As expectativas exageradas, as lesões ou indefinições sobre a equipa técnica que a rodeia juntam-se como impedimentos para uma progressão sustentada, necessária para quem ainda nem cumpriu 20 voltas ao sol e está, em 2022, no seu primeiro ano completo como tenista profissional — em junho de 2021 ainda estava a terminar os exames finais do ensino secundário.

Julian Finney/Getty

Foi neste ambiente próprio do paradoxo Raducanu — estrela mediática fora do court que está a viver a primeira temporada dentro dele, cara de multinacionais que ainda não conseguiu vencer três encontros seguidos em 2022, centro de atenções para quem quase tudo é uma experiência nova — que Emma (11.ª do ranking WTA) entrou em campo para defrontar Alizé Cornet (40.ª), francesa de 32 anos que é em quase tudo o oposto da britânica: experiente, consistente, discreta, com um percurso sólido e sem grandes picos.

Ao participar neste US Open, a gaulesa estabeleceu um novo recorde no ténis feminino, com 63 atuações em majors consecutivas. Não falha um desde 2007, quando a sua adversária tinha somente quatro anos.

Com um ténis irregular, misturando as suas fantásticas esquerdas paralelas com erros básicos, Raducanu perdeu (6-3, 6-3) contra uma adversária que, simplesmente, foi melhor. Tal como melhores têm sido muitas das suas oponentes em 2022, ano em que Emma nunca conseguiu chegar às meias-finais de qualquer torneio.

O fantasma das lesões que tanto têm perseguido Raducanu reapareceu, com a jogadora a ser assistida no final do primeiro parcial devido a bolhas na mão direita. Foi, assim, eliminada a campeã em título, sem surpresa de maior vendo as prestações recentes da jovem, que tem 13 vitórias e 16 derrotas na temporada. No que a torneios do Grand Slam se refere, a primeira época completa de Emma no circuito termina com eliminações na 2.ª ronda na Austrália, Roland-Garros e Wimbledon e na eliminatória inaugural no US Open.

Uma queda abrupta no ranking que pode ser “tábua rasa”

Ao perder os 2.040 pontos do US Open anterior, a britânica vai cair, pelo menos, para a 79.ª posição da hierarquia mundial, podendo até perder mais posições no ranking. Um estatuto que fará com que Emma, estrela de multinacionais, deixe de ser cabeça-de-série em muitos torneios e tenha de pedir wild cards ou disputar as fases de qualificação noutros eventos — uma nova fase no paradoxo Raducanu.

Que os pontos acumulados no US Open em que deixou o mundo boquiaberto e que estavam a sustentar o seu ranking deixem de contar pode ser uma forma simbólica de cortar com a quinzena que parecia atrelar-lhe um conjunto de expectativas irreais. A reflexão foi feita pela própria jogadora na conferência de imprensa depois do duelo.

Emma Raducanu é assistida devido a bolhas na mão direita durante o encontro frente a Alizé Cornet
Julian Finney/Getty

De chapéu a tapar-lhe parte da face e a esconder os olhos, e falando quase sempre mais cabisbaixa do que o normal, Emma não disfarçou a frustração, ainda que isso não a impedisse de ter a eloquência do costume. A britânica admitiu a “tristeza” de abandonar aquele que é “provavelmente” o seu “torneio favorito”, mas está "de certa forma contente por fazer tábua rasa”, deixando para trás o rótulo de campeã em título do US Open.

“Vou descer no ranking e terei de traçar um novo caminho para o topo. O alvo deixará de estar nas minhas costas”, disse a tenista, como que aliviada por deixar de ter o estatuto que, nos últimos 12 meses, transportou como maldição.

Com frases curtas, mas evidenciando uma digestão da situação que não deixa de surpreender tendo em conta a sua idade, Raducanu utilizou a ideia da “tábua rasa” várias vezes, esperançosa de que a ideia do US Open 2021 a deixe de perseguir. “Posso recomeçar. Não sei qual será o meu ranking, mas sei que será, provavelmente, bastante baixo”, indicou.

Robert Prange/Getty

Num ténis feminino em que a irregularidade é a norma, cheio de indefinições e surpresas, Raducanu deseja, para o futuro, conseguir fazer “semanas consistentes” e até assume “entusiasmo” por ter “um novo começo”. Até final de 2022, admite começar já a disputar “torneios menores” para “subir de novo no ranking”.

O relato da noite em que Emma Raducanu voltou ao US Open foi a crónica de uma derrota esperada, com os festejos dos pontos ganhos a terem algo de contido em si e a soma dos erros a conter pouca sensação de surpresa. A jovem rapidamente começou a olhar de forma vazia para o horizonte, buscando soluções que não existiam dentro de court.

O ar triste e algo conformado da que será, durante mais alguns dias, a campeã em título do major nova-iorquino foi a constante durante a conferência de imprensa. Lançando mensagens que pediam que a olhassem como a adolescente inexperiente que é, Emma argumenta que, “vendo com perspetiva e tendo em conta os 19 anos”, não teve “uma má época”.

“Se me dissessem há um ano que seria top 100, aceitá-lo-ia”, defendeu a jogadora. A velocidade arrasadora a que saltou do anonimato para o topo em apenas 15 dias levou Raducanu a viajar numa estrada cuja vertigem a superou nos últimos 12 meses. O desejo de deixar de “ter o alvo nas costas” é a esperança que uma jovem desportista tem de voltar, simplesmente, a ser isso: uma adolescente com tempo e espaço para crescer.

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