As imagens de alegria e tristeza, de saúde e doença, até que o ténis nos separou Federer

Editor
É no verde da relva que se acastanha ao longo de duas semanas nos arrabaldes de Londres que o imensurável talento de Roger Federer, finalmente, se liberta. O tenista algo birrento e das raquetes arremessadas para o chão, que se espreguiçou da adolescência a descolorar o cabelo antes de o alongar ao ponto de luzir um rabo de cavalo, conquista Wimbledon aos 22 anos. O prenúncio de uma senda incrível de qualidade a deslizar nos courts confirma-se e a lenda começa desenhar-se, uma pancada genial de cada vez.
Não que os pés de bailarino alado de Roger fossem alérgicos a uma dada superfície, qual quê, o suíço gracioso era sobre qualquer solo, mas o pó de tijolo sempre o evadiu por várias razões, a principal delas dita em espanhol. Coincidir com Rafael Nadal, um quase deus na terra batida, ergueu paredes diante de Federer ano após ano e com uma superioridade constante que até o fez admitir que, em tempos, temeu nunca ser capaz de ultrapassar. Em 2009, o espanhol com tierra a ser bombeada nas suas veias apareceu titubeante em Paris, perdeu nas meias-finais e deu a oportunidade para o suíço derrotar o seu carrasco, Robin Soderling, na final.
Voltamos à relva porque Roger Federer a ela sempre retornou, dos 20 títulos de Grand Slam ele colecionou oito em Wimbledon, a maior fatia da sua tarte de sucesso palpável e de provas concretas para ser, provavelmente para sempre, um causador de conversas que levam a lado algum sobre quem é o melhor entre os tenistas. A relva onde precisava bolas com um bisturi de cirurgião na raquete junto às linhas e encurtava a vida de pontos com as suas idas mestras à rede, porém, deu-lhe emoções nos dois espetros.
Tanto igualou o recorde de cinco títulos seguidos de Björn Borg como, no ano seguinte, na final que une muita gente no consenso de ter sido a mais brilhante partida de ténis jogada por humanos, foi derrotado por Nadal no apogeu (2008) da rivalidade em que um monstro dominava na relva e o outro na terra batida.
Um dos atos mais federescos aconteceu na Austrália, em 2017, quando Roger, findos mais de seis meses sem competir devido a uma maleita no joelho feita no mesmo ano em que já lesionara o menisco devido por um acidente doméstico (a preparar um banho para as suas filhas gémeas). Sem ritmo de competição, entrou no Grand Slam de Melbourne a dançar na cara do tempo que já corria contra ele (tinha 36 anos) e arrebataria o seu quinto major australiano.
Em 2018 e também no piso rápido da terra dos cangurus, venceria o seu derradeiro título dos grandes, uma espécie de ironia esculpida à sua maneira: quem é elevado ao pedestal dos mestres da relva teve o seu último acrescento à contabilidade com que se comparam os grandes num court azul, onde o calçado mais agarra.
E para embrulharmos esta coleção iconográfica possível de Roger Federer, um acervo simplesmente dedicado a isso mesmo, à plasticidade e estética com que namorou o ténis. À graciosidade desenhada quase à mão da pancada de esquerda a uma mão que está para chegar o dia que será, sequer, igualada por alguém. O suíço era um exercício ambulante de embelezamento do gesto de bater na bola com uma raquete e prezados aqueles que fizeram por desenvolver a arte da fotografia para o melhor das pessoas poder ser guardado e posto à vista de todos.
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