Ténis

Carlos Alcaraz fora do court: o pai que ainda lhe gere o dinheiro, a inspiração no xadrez e o desejo de ter uma “bela coleção” de sapatilhas

Carlos Alcaraz fora do court: o pai que ainda lhe gere o dinheiro, a inspiração no xadrez e o desejo de ter uma “bela coleção” de sapatilhas
Tim Clayton - Corbis/Getty

O tenista espanhol tem 19 anos e um ror de recordes já em seu nome. Numa reportagem da “Vogue”, o ainda adolescente deu-se a conhecer fora da competição, admitindo que liga pouco a “marcas e carros” e que ainda é o progenitor a tratar das suas finanças. E revela que a ressaca da vitória no US Open, no último verão, foi “difícil” porque deixou de desfrutar do jogo

O quente fim de verão em Nova Iorque veio vestido de sonho para um rapaz de El Palmar, discreta localidade nos arrabaldes de Murcia, Espanha. Carlos Alcaraz firmou ali, no US Open, a sentença final de um extraordinário ano de 2022, com cinco títulos e recordes em série - o mais jovem a vencer um ATP 500, o mais precoce a conquistar o Masters de Miami, só para começar. Após bater Casper Ruud na final do último torneio do Grand Slam da temporada, juntou-lhe o feito de mais jovem número 1 mundial desde que o ranking existe e é coisa contada. Nada mau para um miúdo ainda de borbulhas na cara.

Daí para cá foi o corrupio. Alcaraz arrebanhou distinções e arrebitou a curiosidade das marcas e de mundos tão distintos daqueles que o levam todas as manhãs a bater bolas e mais bolas de ténis nos treinos. A próxima-coisa-grande do ténis não parece, no entanto, ofuscada por tantos raios laser de atenção que o perfuram predatoriamente - Carlos Alcaraz, apesar de tudo, ainda parece um rapaz de 19 anos comum.

Mas um rapaz de 19 anos que dá entrevistas à “Vogue”, conhecida revista de moda que o foi visitar em janeiro à academia de Villena, não muito longe de Alicante, onde se treina desde os 15 anos com Juan Carlos Ferrero, outro espanhol que sabe o que é vencer um título do Grand Slam. A “Vogue” tira-lhe a radiografia, “uma combinação de audácia, variedade, flexibilidade tática, estilo, força, originalidade e wit ”, que é qualquer coisa entre a inteligência e a perspicácia. Há quem diga que é como se colocássemos Rafael Nadal, Novak Djokovic e Roger Federer num daqueles robôs de cozinha modernos e misturássemos tudo.

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E sobre precisamente Roger Federer, a “Vogue” começa por perguntar ao espanhol porque é que em jovem o colocava como ídolo e não ao compatriota Nadal. A resposta terá tudo a ver com uma publicação como a “Vogue”: é uma questão de elegância. “Admiro muito o Nadal. Mas o Federer, a classe que ele tinha, a forma como ele meteu as pessoas a ver ténis… Ver o Federer é como ver uma obra de arte”, aponta Alcaraz que, confessa, ficou como que “enfeitiçado” pelo jogo do suíço, recentemente retirado.

E de ténis, puro e duro, foi quase tudo o que se falou. Mas quase tudo anda à volta do ténis na vida de Carlos Alcaraz. À “Vogue”, assumiu que é um rapaz solteiro há 18 meses porque é “complicado estar sempre de um lado para o outro” - por causa do ténis, claro está - e que um dos seus amores é o xadrez, que o ajuda na “concentração”, na definição da “estratégia”, até porque, tal como o seu emprego diário, é uma luta de nervos de um jogador em frente a outro: “Ajuda a pensar um passo à frente e isso é muito semelhante a um court de ténis”. O xadrez, diz, passa por “tentar fazer algo que vai deixar o adversário numa posição desconfortável” e o seu ténis também é um pouco assim.

Apesar de já ter arrecadado qualquer coisa como 12 milhões de dólares (praticamente o mesmo em euros) em prémios monetários de raquete em punho, Alcaraz não ganhou tiques milionários. Na retina de muitos ainda estarão as imagens do espanhol em maio do ano passado a ser recebido pelos seus conterrâneos em El Palmar após vencer o Masters de Madrid, assomando-se à varanda do discreto apartamento dos pais. A mãe, até há pouco tempo, refere a “Vogue”, trabalhava como assistente de vendas no IKEA.

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Os cheques que vai recolhendo um pouco por todo o mundo é o pai que os gere, diz à publicação. “Sou muito novo e tenho os meus caprichos, mas sou muito natural e humilde. Não ligo muito a marcas e carros”, conta, assumindo que certos modelos de sapatilhas da Nike são o seu calcanhar de Aquiles em termos de gastos. Para um atleta patrocinado pelo gigante norte-americano de vestuário desportivo não deveria ser difícil ter acesso sem custos a certos modelos, mas parece que não é bem assim. Alcaraz diz querer ter “uma bela coleção” de clássicos e edições limitadas. Para já são 20 modelos que tem em casa, um número ainda modesto.

O stress e a saúde mental

À “Vogue”, Carlos Alcaraz revela também que recentemente incluiu na sua equipa uma psicóloga, Isabel Balaguer, que o tem “ajudado muito” porque em miúdo faltava-lhe o foco. Tal como Roger Federer, o espanhol tinha dificuldades em controlar as emoções e quem sofria eram as raquetes, jogadas inapelavelmente ao chão a cada erro não forçado.

O tenista, que falhou o Open da Austrália por lesão e que regressou à competição com uma vitória no torneio de Buenos Aires, assegura que recorrer a alguém que lhe cuide da alma e não só do corpo foi “essencial num ano tão exigente” como o de 2022, em que se viu engolido pela fama e fortuna repentina. Ainda assim, o pós-vitória no US Open trouxe desafios.

“Tive um período complicado depois do US Open", reconhece, revelando que, quando voltou à competição, sentiu o stress próprio de quem, talvez, não tivesse digerido completamente os picos emocionais vividos em Nova Iorque. Como quem tenta equilibrar os níveis de entusiasmo depois de um momento de felicidade extrema, sentido, invariavelmente, um pouco do fosso. “Acho que o que aconteceu foi que cumpri algo que sonhava desde que era miúdo e inconscientemente esse desejo desvaneceu um pouco. Foi difícil porque não estava a desfrutar”, confessa.

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