Ténis

Só a estátua de Rafael Nadal estará em Roland-Garros: 19 anos depois, os números de um dos matrimónios do desporto serão interrompidos

Só a estátua de Rafael Nadal estará em Roland-Garros: 19 anos depois, os números de um dos matrimónios do desporto serão interrompidos
Mário Henriques

Sem estar ausente de qualquer edição do Grand Slam parisiense desde 2005, o espanhol falhará, por lesão, o torneio que já venceu por 14 vezes e onde, em 115 encontros, só perdeu três. Estes são os números de Nadal no torneio que se confunde com o seu nome

Só a estátua de Rafael Nadal estará em Roland-Garros: 19 anos depois, os números de um dos matrimónios do desporto serão interrompidos

Pedro Barata

Jornalista

Não sabemos se Nicolas Almagro soltou aquela palavra por desabafo de derrota, grito de frustração ou pensada premonição. Mas, a 25 de maio de 2008, o tenista espanhol lançou frases que parecem vindas de alguém que foi visitar o futuro e de lá regressou para nos avisar do que sucederia.

Durante o embate dos quartos de final daquela edição de Roland-Garros, impotente perante o domínio de um adversário de 21 anos já tricampeão do major francês, Almagro reagiu a mais um ponto perdido com uma previsão que viraria icónica.

“Vai ganhar Roland-Garros 40 anos seguidos. Vai ter 65 anos e vai continuar a ganhar Roland-Garros.”

Avançando 15 voltas ao sol, um olhar aos registos de Nadal, que fará 37 anos a 3 de junho, dá razão a Almagro. Não na longevidade do domínio, mas na sua intensidade despótica. Rafa ganhou Roland-Garros 14 vezes, mais do dobro do segundo melhor tenista em Paris na era Open (Björn Borg, com seis triunfos); lá disputou 115 encontros e só perdeu três, frente a Soderling em 2009 e Djokovic em 2015 e 2021 (em 2016, abandonou o torneio depois das duas eliminatórias iniciais); em 367 sets, levou a melhor em 333.

A história de Roland-Garros, torneio emblemático e cheio de prestígio como poucos, com carradas de importância agarradas às suas 126 edições, confunde-se com a história de Rafa Nadal, o mais feliz dos homens e mulheres que por lá pegaram em raquetas. Mas, em 2023, o casamento mais constante do desporto mundial será interrompido.

O espanhol luta há muito contra lesões, numa batalha face aos limites do próprio corpo. Mas os problemas físicos nunca o afastaram de Paris, onde sempre voltava, mesmo vindo de meses difíceis, para se elevar na terra batida francesa, para se tornar monstro imbatível para quem o ousava desafiar no seu jardim de pó de tijolo. Só que, desta feita, não haverá recuperação mágica para reinar em Roland-Garros.

A lesão de segundo grau que sofreu no músculo psoas ilíaco do lado esquerdo, no Open da Austrália, tem-no fora dos courts desde 18 de janeiro. Na altura, previu-se uma baixa de seis a oito semanas, mas o problema não foi superado. O aguardado retorno para a temporada da superfície preferida de Rafa foi sendo adiado. Ausente sucessivamente de Barcelona, Madrid, Monte Carlo e Roma, a notícia mais impactante chegou agora.

Pela primeira vez desde 2004, o canhoto não estará em Roland-Garros. O casamento é interrompido entre as muitas dúvidas que, à beira dos 37 anos, o físico de Nadal deixa.

Nadal e o conhecido sabor do troféu dos mosqueteiros
Tim Clayton - Corbis/Getty

Assim, em 2023, na edição que se disputará de 22 de maio a 11 de junho, só a estátua de Nadal, três metros de altura feitos de aço perto do Jardin des Mousquetaires, estará no recinto onde se discute o segundo dos torneios mais importantes do calendário. A obra, inaugurada em 2021 e obra de Jordi Diez Fernández, será como uma lembrança permanente da presença ausente que marcará a quinzena parisiense, a constante que falha. Um vislumbre do que será o futuro quando o adeus assumir contornos definitivos.

A primeira das finais ganhas, em 2005, teve o argentino Mariano Puerta do lado derrotado. Um adolescente de braços descobertos recebeu a taça dos mosqueteiros das mãos de Zinedine Zidane, ídolo, como futebolista, do Real Madrid, clube da paixão de Nadal.

O domínio de Nadal ao longo do tempo mede-se, também, pela presença do Real Madrid como marca nos triunfos do espanhol. Quando Rafa ganhou o primeiro, ainda Zidane era jogador; quando ganhou o 14.º — mesmo número de Ligas dos Campeões do clube — já Zidane fora adjunto e técnico principal dos blancos e saíra, por duas vezes, do banco do Bernabéu. Em 2022, em Paris, Nadal ergueu a 14.º taça dos mosqueteiros e, também na capital, o Real Madrid tocou na 14.ª orejona.

Em 2005, a primeira taça dos mosqueteiros foi dada a Nadal por Zidane, então ídolo do Real Madrid como jogador
CHRISTOPHE SIMON/Getty

Depois do êxito em 2005, naquela terra batida que se tornaria marca indelével do seu percurso, seguiram-se três finais seguidas contra Roger Federer, no arranque de uma rivalidade que marcaria o ténis, o desporto e até a cultura popular. Ver o suíço do ténis de ourives e o espanhol feito parede que devolvia todas as bolas tornou-se ritual regular.

Em 2006, 2007 e 2008, Nadal bateu Federer na final de Roland-Garros, triunfo que se repetiria em 2011. No total, foram seis embates entre ambos no segundo major da temporada, todos vencidos pelo canhoto.

O único homem que bateu o balear mais do que uma vez no seu jardim de terra batida foi Novak Djokovic, triunfador em 2015 e 2021. No entanto, também o sérvio foi vergado à ditadura imposta pelo homem que celebrizou o “vamos!” quase como expressão de resiliência na sociedade espanhola: Rafa ganhou oito dos 10 confrontos entre os mais novos do famoso big three.

O mundo era bem diferente em 2004, última edição de Roland-Garros sem o homem a quem dedicaram uma estátua no complexo onde se joga o torneio. Talvez 2023 seja mesmo o começo de uma nova era, a abertura de uma nova etapa, o arranque de um ténis sem uma primavera que consagre Rafa Nadal. O que já não muda é o domínio, eternizado na estátua que por lá continuará.

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