Ténis

O conto de fadas de Mirra Andreeva, a siberiana de 16 anos que já ganha em Roland-Garros

O conto de fadas de Mirra Andreeva, a siberiana de 16 anos que já ganha em Roland-Garros
Ian MacNicol/Getty

Depois de se tornar na mais nova de sempre a estar nos oitavos de final de um WTA 1000, em Madrid, a russa superou a qualificação do Grand Slam de Paris e, na estreia no quadro principal, ganhou e chegou à segunda ronda. O novo fenómeno de precocidade compara-se a Ons Jabeur e segue os seus instintos: “Esqueço-me do plano traçado com o treinador durante o encontro e sigo o meu tato”

O conto de fadas de Mirra Andreeva, a siberiana de 16 anos que já ganha em Roland-Garros

Pedro Barata

Jornalista

O ténis, particularmente o feminino, está familiarizado com o êxito adolescente. Há a história de Emma Raducanu no US Open 2021, campeã aos 18 anos antes de meses cheios de lesões e ausentes de bons resultados para a paradoxal britânica; Caroline Wozniacki chegou à final do major norte-americano, em 2009, com 19 anos; Maria Sharapova conquistou Wimbledon, em 2004, com 17 anos e Martina Hingis foi ainda mais precoce, erguendo o título do Open da Austrália, em 1997, com 16 anos e 117 dias.

Mas, por muito que de tempos a tempos haja uma jovem que salte para as primeiras páginas, esse acontecimento não deixa de ser merecedor, justamente, de primeiras páginas. Particularmente quando se dá com alguém tão jovem como Mirra Andreeva.

A russa nasceu em Krasnoyarsk, a segunda maior cidade da Sibéria, a 29 de abril de 2007, pelo que tem 16 anos e poucas semanas de vida. Diante da sua face, com uma expressão que não esconde a pouca idade, têm passado nos últimos tempos feitos que já a colocam bem posicionado nos rankings da precocidade.

Em Roland-Garros, na estreia num torneio do Grand Slam, superou a fase de qualificação para entrar no quadro principal, tornando-se na mais nova a fazê-lo desde a mulher que agora manda na competição. Em 1995, Amelie Mauresmo conseguiu a proeza com 15 anos e 10 meses.

No debute no quadro em Paris, o êxito prolongou-se. Em rápidos dois sets, em menos de uma hora, a 143.º do ranking WTA venceu, por 6-2 e 6-1, a norte-americana Alison Riske-Amritraj, 16 anos mais velha e 85.ª na hierarquia. No presente século, trata-se apenas da segunda tenista sub-17 que se impõe num encontro em Roland-Garros cedendo três jogos ou menos, depois da compatriota Anastasia Pavlyuchenkova em 2008.

Os acontecimentos em Paris dão sequência a uma ascensão meteórica. Em abril, recebeu um convite para estar no WTA 1000 de Madrid, uma das principais competições fora dos quatro majors. Na Caja Mágica, no segundo torneio WTA da carreira — depois do Jasmin Open, em outubro de 2022 —, confirmou o potencial que a 3.ª posição no ranking júnior lhe augurava.

Robert Prange/Getty

Em Espanha, começou por bater Leylah Fernandez, outra mulher que poderá explicar a Andreeva os perigos do êxito adolescente — tem-lhe sido difícil encontrar consistência depois da final perdida no US Open em 2021, na cimeira de teenagers frente a Raducanu. A russa tornou-se na terceira mais jovem a vencer um encontro no quadro principal de um WTA 1000, atrás de Coco Gauff e CiCi Bellis.

Na ronda seguinte, derrotou a brasileira Beatriz Haddad Maia, passando a ser a sétima jogadora desde 2000 a impor-se a uma adversária do top 20 antes de cumprir 16 anos. Justamente no dia do seu aniversário, a vítima foi a polaca Magda Linette, outra ocupante das duas melhores dezenas de raquetes do planeta. Nunca uma tenista tão nova estivera nos oitavos de final de um WTA 1000.

Os resultados em Paris e Madrid são consolidados por outras prestações de qualidade em cenário de menor nível, como a final do Open da Austrália de 2023 em juniores ou os triunfos, em abril, em dois torneios da categoria ITF — segunda divisão feminina — na Suíça, consistência que lhe valeu a escalada até à posição 143 do ranking.

Tim Clayton - Corbis/Getty

Os poucos dias que, em comparação com outras profissionais, Mirra já passou entre os seres vivos podem notar-se na expressão facial, mas o discurso da russa é ponderado e eloquente, demonstrando até excelente capacidade de analisar e ler o que se passa nos seus encontros. Há, também, espaço para a confiança, como se atesta por “não sido uma surpresa” para a siberiana o nível mostrado em Madrid, já que ela sabe “de que é capaz no court”.

Já representada pela famosa agência IGM e com associação a marcas como a Wilson ou a Nike, a caminhada na capital espanhola terminou perante Aryna Sabalenka, n.º 2 do mundo, por 6-3 e 6-1. Mesmo antes dessa derrota, houve espaço para jogos mentais com a bielorrussa, entrando Andreeva por um campo normalmente mais reservado às mais velhas: “Não há pressão para mim, há é para ela, já que vai jogar contra uma menina de 16 anos recém-cumpridos”, disse.

Mirra começou a jogar ténis aos 6, indo viver, no começo de 2022, para França. Em Cannes, treina com a irmã, duas voltas ao sol mais velha, às ordens de Jean-René Lisnard, monegasco que chegou a ser o 84.º do mundo. A sua irmã, Erika, é omnipresente nas redes sociais de Mirra e foi finalista vencida de Roland-Garros júnior em 2021, ocupando o 147.º lugar do ranking.

Questionada sobre o seu estilo de ténis, a russa compara-se a Ons Jabeur, devido às mudanças de ritmo e drop shots de que a tunisina também é fã. Como maior arma, a adolescente nomeia a esquerda paralela. Antes dos duelos, diz, é “desenhado um plano” com o treinador, mas no court a jovem segue o seu instinto. “Esqueço-me do plano durante o encontro e sigo o meu tato”, explica.

Andreeva tem vindo a obter popularidade crescente
Tim Clayton - Corbis/Getty

Para continuar o conto de fadas em Roland-Garros, continuando a surpreender o mundo do ténis, Mirra terá de bater a francesa Diane Parry (79.ª). Mas o grande desejo em Paris é voltar a defrontar Sabalenka, à procura da desforra depois de a bielorrussa lhe ter “dado um chuto no rabo” em Madrid, comentou após impor-se na primeira ronda.

Quando Mirra Andreeva nasceu, já Andy Murray havia chegado à quarta ronda de Wimbledon e do US Open. Os 20 anos de diferença entre a adolescente russa e a lenda britânica cimentam a admiração, ao ponto de a siberiana apontar para o homem da anca biónica quando lhe perguntaram, em Madrid, pelo que mais a espantava no ambiente da competição.

“A atmosfera é especial. Almoças ao pé de todas as estrelas. Vês o Andy Murray, olhas para a cara dele e é tão bonito na vida real. É tão incrível”. A avaliação de Andreeva teve respostas pronta por parte do antigo líder do ranking ATP, que brincou no Twitter: “Imaginem o quão boa será ela quando tratar dos olhos”.

No começo de maio, Murray ganhou um torneio da categoria challenger, segunda divisão nos homens, em França e a russa deu-lhe os parabéns por mensagem. O escocês respondeu, o que, na opinião da adolescente, significa que ela “está a jogar bem”.

Ser a nova menina-prodígio do ténis pode ser, a médio e longo prazo, bênção ou pesadelo, não faltando exemplos dos dois casos. Para já, o ténis precoce forjado entre a Sibéria e Cannes é uma das novidades de Roland-Garros na primeira edição sem um homem que, justamente, lá ganhou pela primeira vez como adolescente.

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