Mais de 3h30 e algumas cãibras depois, Gael Monfils pensou na filha. E rugiu ao recuperar de 0-4 no quinto set em Roland-Garros
ANNE-CHRISTINE POUJOULAT/Getty
O francês, de 36 anos e no 394.º do ranking ATP, tinha perdido o quarto set por 1-6 para Sebastián Báez, o argentino que ganhou o Estoril Open em 2022, numa partida a contar para a primeira ronda de Roland Garros. Depois, Monfils lembrou-se que nunca ganhara um jogo desde que Skai nasceu, em outubro de 2022, e assim protagonizou uma das mais especiais recuperações da história do mítico torneio parisiense
Era supostamente uma daquelas viagens sem retorno. No quinto set, com o marcador a assobiar-lhe aos ouvidos um 3-0 para Sebastián Báez, a eliminação na primeira ronda de Roland-Garros parecia certa. Mas uma vota falou na cabeça de Gael Monfils. “Porra, não ganho uma partida desde que fui pai. A minha filha está em Paris. Eu disse para mim: ‘porra, ainda vou ganhar um jogo”.
Com 36 anos, no 394.º lugar do ranking, recuperado recentemente de uma lesão no pé e sem um jogo concluído em quase um ano, o francês agarrou a raquete como se fosse um pincel e pintou um pouco da história deste desporto. Foi um exercício de resistência assombrosa. As pernas claudicavam, falharam-lhe. Ele coxeava. Diria a seguir que não era só cansaço, mas também nervos. A adrenalina brotava por todo o lado no corpo. Depois desse pensamento, desse diálogo terno e interno, quem sabe agora eterno, ainda perdeu mais um jogo, 0-4. E Monfils vinha de um 1-6. Não é suposto ninguém se levantar perante todas estas condicionantes.
Quando o relógio espirrava as 3h37, o resultado era já 5-5. Dez minutos depois, match point para Gael Monfils. Báez, atual n.º 42 do mundo e campeão do Estoril Open em 2022, serviu e atacou a rede, com a direita que parece um martelo. Monfils, que já fizera caras hediondas e cómicas para a bancada, reconhecendo a iminente derrota daquela carapaça guerreira, foi atrás da bola e devolveu-a. Um derradeiro ataque do argentino, de direita pois claro, parece indefensável. Mas o tenista que tinha a filha Skai no pensamento continuou a voar, derrotando a derrota das pernas, e executou uma esquerda a duas mãos, paralela à linha, que ainda foi bater no topo da rede.
Porque os fantasmas também admiram histórias de amor, a rede empurrou a bola ainda mais para dentro do campo.
Vitória, depois salpicada com um arrepiante e, perdoem-nos, algo bélico momento com o hino francês cantado por aquela gente toda do Philippe-Chatrier, orgulhosa do seu tenista local. Monfils deitou-se na terra, órfã de Rafael Nadal, e chorou perdidamente. “Estava uma atmosfera inacreditável. Claro que esta vitória tem outro sabor. Estou mais velho, com ainda menos chances, digamos, para ganhar um jogo como o de hoje”, explicou, no final, o tenista vitorioso.
ANNE-CHRISTINE POUJOULAT
“Estava com cãibras no final, muito por causa dos nervos e, claro, estou cansado, mas grande parte foi por causa dos nervos”, confessou Monfils. “Estou a jogar cheio de adrenalina, honestamente, pedi ao público que gritasse e, de alguma forma, fiquei com os nervos à flor da pele. Sei que vou pagar [a fatura por este jogo], vou pagar, e tive de o aguentar no final”, disse ainda, revelando que se segue uma “recuperação pesada”, ainda que nesta manhã de quarta-feira estivesse no court a ver a sua mulher Elina Svitolina (n.º 3 do WTA), a mãe de Skai, os dois pedaços de céu que o inspiram.
O jogo começou com um 6-3 para Báez. Monfils devolveu na exata mesma moeda. Um tie-break, à passagem das 2h30, colocou o tenista francês na frente, mas a seguir um set autoritário do sul-americano (6-1) deixou tudo igual. Seguiu-se a história da recuperação épica, provavelmente uma das maiores das histórias recentes de majors e que estendeu a partida até bem depois da meia-noite.
Gael Monfils foi número 1 júnior e, em 2016, atingiu o sexto posto do ranking ATP entre as trutas, conseguindo fechar duas temporadas no top-10. Se não jogasse ténis, já reconheceu que seria basquetebolista. Adora os Detroit Pistons e admira Carmelo Anthony. O parisiense, nascido em 1986, conquistou 11 torneios ATP.
O tenista francês tem um recorde admirável em Roland-Garros, que comprova a força da mente e dos músculos nas demoradas batalhas de vontades. Desde que começou a Era Open, em 1968, Monfils é, a par de Stan Wawrinka, o jogador com mais vitórias de cinco sets neste mítico torneio de ténis, conseguindo 11 triunfos (contra quatro derrotas).
Segue-se agora, na segunda ronda de Roland-Garros, um duelo contra Holger Rune, o dinamarquês que é o n.º 6 do mundo. Como será a ressaca desta maratona que mais parecia uma epopeia? Como estarão as pernas? “Aconteça o que acontecer, estarei pronto para ele na quinta-feira”, garantiu.