Taylor Fritz tinha uma missão: expulsar o último francês de Roland Garros. Artur Rinderknech, o resistente cidadão de Gassin, perto de Saint-Tropez, aguentou quase três horas. Quando o meticuloso e impassível cronómetro espirrava as 2h49, jogou-se a derradeira bola. Até ali o público esforçou-se por beliscar a mente do norte-americano. Foi apupado, ouviu piropos, enfim, o amor estava só do outro lado.
Depois de algumas boas pancadas de parte a parte, Rinderknech tentou um amorti, que saiu demasiado comprido. Deu conta disso enquanto ajeitava a t-shirt. Fritz (n.º 8 do ATP) chegou com tempo. Rinderknech meteu então a bola por cima do norte-americano mal-amado. Fora. O braço de Fritz disparou como uma mola e o indicador colou-se aos lábios. Inovou quanto ao código social que nos ordena e juntou um segundo indicador, como se gritasse mudamente e na ordem de silêncio.
Enquanto mandava calar os franceses no Suzanne-Lenglen, ouviu porventura a maior assobiadela dos últimos tempos. “Come on! Quero ouvir”, gritava o tenista de 25 anos. Não havia nenhuma fita para cortar, mas o tenista que mais parece ter uma marreta no braço direito, autor de 3,290 ases ao longo da carreira, inaugurou ali a maior história de desamor do torneio deste ano. Chegou até a mandar beijos para os efémeros detratores.
Puxando a fita atrás, mais exatamente a 2012, há um momento improvável em que o senhor Roger Federer também perde a compostura com a audiência de Roland-Garros. Durante uma partida com Martín del Potro, curiosamente uma das referências de Fritz (a par de Pete Sampras), depois de uma direita excelente e de o argentino não conseguir devolver a bola, gritou com todo o ar que tinha nos pulmões: “Shut up!!!”. Na altura, John McEnroe mencionava que nunca se havia visto Federer assim tão aborrecido. Desta vez, também Taylor Fritz mostrou o seu lado mais improvável ou desconhecido.
Depois de despachar o rival francês por 2-6, 6-4, 6-3 e 6-4, foi tempo da entrevista rápida no court. Os assobios e as vaias não permitiam, até porque o atleta vencedor ia mandando calar aquela gente. A pausa tornou-se desconfortável. Alguns adeptos tiravam o pó às bandeiras norte-americanas. Ouviam-se alguns aplausos. Uma menina, na primeira fila e à espera de um autógrafo de Fritz, copiou o gesto do tenista e mandou calar o público.
As perguntas da entrevistadora não chegavam ao destinatário, tal era o ruído. A certa altura, entre assobios, Fritz diz que os adora, sem grande convicção. Até que ela se juntou ao tenista e ele convocou a ironia: “O público foi tão bom que deixei que isso me desse energia. Deram-me tanto apoio que fiz questão de ganhar. Obrigado”.
Apesar de toda a tensão que pressupõe estar num campo e ter de tomar muitas decisões boas, não deixa de surpreender que um super atleta permita que o público de um torneio se vire contra ele, até porque a vida continua e haverá mais um jogo em breve. Agora, sem Nick Kyrgios por ali, Taylor Fritz transformou-se no bad boy. A namorada, Morgan Riddle, fez um sorriso cúmplice durante a chuva de desamor. O tenista, supostamente já com a cabeça fria, pegou no telemóvel e tweetou um gesto já familiar: 🤫.
Segue-se agora, na terceira ronda, um duelo contra Francisco Cerúndolo, um dos quatro argentinos ainda em prova. O tenista sul-americano, nascido em Buenos Aires há 24 anos, é o número 23 do mundo. Talvez os franceses esqueçam finalmente a final do Campeonato do Mundo de futebol e, graças a Taylor Fritz, apoiem com vontade um argentino.
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