Os (não) apertos de mão voltaram em Wimbledon, com uma ofensa dos ‘Friends’ à mistura

Editor
Cândida e sem pruridos em assumi-lo, Elina Svitolina fez questão de nunca o esconder que se recusaria a esticar a mão e cumprimentar uma adversária se ela tiver nascido na Rússia ou Bielorrússia. “Nada de novo para mim, a minha posição é a mesma, não as vou cumprimentar e, espero, isto também não será novidade para elas”, avisara a ucraniana, há dois dias e há muito a jogar por si própria e por todo um povo ao qual o exército de Vladimir Putin invadiu com uma guerra que em muitas manhãs obrigou Svitolina a adiar treinos. Houve dias em que as raquetes não se compadeceram com um coração apertado.
No domingo, exausta e extasiada, a jogadora aguentou as lágrimas enquanto confessou a “responsabilidade” e a “pressão acrescida para ganhar” que sente em cada jogo que calha defrontar uma adversária russa ou bielorrussa. Falava no court central de Wimbledon, diante de um microfone e do público que a aplaudiu de pé durante quase um minuto após ganhar a Viktoria Azarenka, vinda ao mundo em Minsk, capital do país que formalmente apoia a invasão. E a emocionada Svitolina reforçou o “significado deste tipo de vitórias” porque, à sua maneira, leva “uma pequena vitória” para a Ucrânia: “Sei o quão importam estes momentos para as pessoas que me veem e apoiam lá.”
Pouco antes, a ucraniana disparou um ás para selar um match point e deixou-se cair, ficando de costas na relva. Com as mãos na cara, olhou para o céu, quase incrédula. “Acho que após dar luz à minha filha, este é o segundo momento mais feliz da minha vida”, diria. Quando se levantou, já Viktoria Azarenka se dirigia de braço esticado para a árbitra de cadeira, cumprimentando-a antes de rumar ao seu banco, sem esperar junto à rede pela tenista vencedora. Perante o inevitável, arrepiou caminho. Assim que se pôs de pé, Svitolina fez o mesmo, mas já se ouviam alguns apupos misturados com assobios.
A ausência do protocolar passou-bem na divisória do campo, onde vencedores e vencidos se encontram no final de cada jogo para uma demonstração de desportivismo, por mais previsível que fosse, suscitou o desgosto de quem assistia nas bancadas de Wimbledon. Não tão acerrimamente quanto em Roland-Garros, onde o público francês assobiou em desaprovação de cada vez que Svitolina não cumprimentou uma adversária - e foram três. Mais audível e fervoroso, se bem que de difícil compreensão, a bancada gaulesa apupou-a quando não se encaminhou ao encontro de Anna Blinkova, Daria Kasatkina, após ganhar às duas russas, e de Aryna Sabalenka, a bielorrussa que a eliminou nos quartos de final.
A ucraniana chega agora à mesma fase do Grand Slam da relva, embalada por uma missão. Não só ainda está em pleno retorno à melhor forma no circuito após ter sido mãe nem há nove meses, como já se vai sintonizando com uma consistência da qual sempre careceu até esta fase da carreira. Antiga número 3 do ranking e que em abril esteve a bater bolas no Jamor, a competir no Oeiras Ladies Open, o ressurgimento de Elina Svitolina está a ser embalado pelas emoções de estar a jogar pelo seu povo. Perdido o primeiro set e vinda de um 0-2 no segundo, a ucraniana de 28 anos despertou contra Azarenka e preveleceu no super tie break que decidiu o encontro, duas horas e quarenta e seis minutos depois. “Hoje queria mesmo, mesmo ganhar”, resumiu, intuindo ao intangível que estava em jogo.
Esse turbo emocional fê-la ganhar, pela primeira vez, a Viktoria Azarenka, reduzindo um desnível que fizera a bielorrussa levar todos os cinco anteriores jogos que tinham partilhado. Ouvindo uma assobiadela estridente quando já abandonava o court rumo aos balneários, a derrotada tenista levantou os braços e uniu os punhos, um movimento que lembrou um gesto celebrizado por personagens da série ‘Friends’, que o utilizavam para dizerem um coloquial “f*** you” (“vai-te lixar”, se simpaticamente traduzido em português).
Sentada diante dos jornalistas na conferência de imprensa que se seguiu, luzindo uns óculos escuros e a sua habitual postura descontraída, Azarenka ofereceu a sua própria candura à tema, uma vez mais, trazido à discussão. “Esta conversa de não dar a mão não é algo que mude a vida. Se querem continuar a fazer títulos, continuem. Se nos concentramos só nisso e nos assobios, é uma pena. Não fiz nada de mal, mas vou recebendo um tratamento diferente. Respeitei a decisão dela em não querer cumprimentar russos e bielorrussos. O que deveria ter feito? Ficar à espera? Fiz o que pensei que era respeitoso tendo em conta a sua decisão”, explicou a tenista.
Descomplicando mais ainda as camadas dessa cebola, Viktoria Azarenka confessou que “não [está] segura que muitos entendam o que se passou”, sugerindo um eventual consumo em excesso de cerveja nas bancadas: “Provavelmente foram muitas Pimm’s [marca de cerveja] durante o dia.” A bielorrussa referiu ainda o óbvio - “não posso controlar a reação das pessoas” - e lamentou o que ainda mais flagrante “grande jogo de ténis” que se viu entre ela e Elina Svitolina. Se há ou não apertos de mão no final, isso continuará sujeito ao juíza da tenista ucraniana, mesmo que o público se pareça esquecer disso.
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