É muito fácil gostar de Carlos Alcaraz. E será muito difícil o que lhe falta fazer na relva

Editor
É fácil gostar de Carlos Alcaraz porque é natural sermos levado pelo surpreendente. Sabendo-lhe os 20 anos e também os 19 anos e 130 dias que tinha quando virou número um mundial mais novo da história, agrava-se o espanto se atentarmos ao tenista que ele mostra ser, mais uma vez, em Wimbledon. Potência bípede em pessoa, dispara direitas e esquerdas com uma força da qual não abdica nem quando chega a bolas em esforço, arriscando pancadas em bolas às quais chega à rasca e que muita boa gente incrível com uma raquete é incapaz de tentar até se tiver a pelúcia amarela a ressaltar-lhe mesmo a jeito.
O espanhol é um espetáculo de talento, precocidade, musculatura e arrojo que tem na escorregadiça relva o atual maior desafio. Parco em experiência nesse tapete, quem o visse pela primeira vez nesta meia-final de Wimbledon toma-lo-ia como um especialista: confortável a mexer-se com passinhos curtos, dono da combinação à antiga de serviço-volley (ou meio volley, que o russo Daniil Medvedev bem o massacrou com respostas apontadas aos pés) e abusador dos amortis por mais expectáveis que fossem, Alcaraz tomou o primeiro set (6-3) sem que as diferenças, em pontos jogados, fossem um descaramento. Apesar do par de serviços quebrados, o adversário até jogou bastante bem, por vezes até muito bem.
Mas, com o tempo, a torre que é Medvedev especializou em demasia as suas extremas valias na preocupação em terem de lidar com o espanhol. Lidar, porém, não é jogar. E depois de cada jogo de serviço a insistir na esquerda de Alcaraz e acumuladas as bolas que lhe apontava às sapatilhas, Medvedev ia recuando, e recuando lá para trás da linha de fundo em busca de margens que o deixassem adaptar-se à velocidade e força de bola do murciano. Vendo-o tão lá longe, o murciano massacrou ainda mais com os seus drop shots amansados junto à rede. Russo dos membros longos queria distância de Alcaraz e discutir os pontos de margem a margem.
Raramente Carlos Alcaraz cedeu nessa intenção por ser o tenista que é, nos moldes que justificam o frenesim à sua volta. Entre as direitas que dispara em km/h parecidos aos de serviços e os amortis que inventa, parado e de cócoras, com bolas que lhe vão à figura, o espanhol é o jogador num milhão. Não há como o negar. Alquimista de uma poção que o faz passar, num ápice, de uma bruta marreta de pancadas em força, tiradas de ângulos apertados, para um subtil cirurgião que amortece bolas na raquete com um toque de caxemira. Depois de um 6-3 em 35 minutos, demorou 36 a fixar os mesmos parciais no segundo set provando que força e suavidade podem coexistir num tenista - em máxima expressão.
Com apenas hora e vinte de jogo já havia um 3-0 para Alcaraz no terceiro ato, parecia uma autoestrada em relva para o espanhol, mas, é de lembrar, o espanhol tem 20 anos feitos em maio, tal como gostar dele também é fácil crer que ao vê-lo jogar confiante que está ali um produto dono das suas arestas. Quando o insistente Daniil Medvedev, fiel ao seu plano de fundo de campo, quebrou o serviço ao espanhol, ‘Carlitos’ não evitou ser um ladrão de mérito: parecia ter o peito demasiado cheio de ar, por momentos esquecido de mexer os pés, preparar as pancadas com jeito e ser prudente como até então ao invés de irascível na procura de pancadas que enterram pontos.
Sintoma da juventude, ou quiçá da personalidade risonha, a concentração no espanhol ainda é como a linha de um sismógrafo.
O russo quebrou-lhe o serviço e, oscilante a partir daí, o espanhol devolveu-lhe o break para ter o seu saque de novo roubado logo de seguida - mas com a confiança sempre presente, vista no tweener volley (raquete por entre as pernas) que ousou tentar. A idade e o tempo dar-lhe-ão na cabeça o género de musculatura que ostenta nas inchadas coxas, só que essa é do tipo que árduo de desenvolver, da estirpe que é dominado por quem já o esperava na final de Wimbledon e estaria a ver este encontro algures.
O último dos 6-3 fecharia o jogo numa hora e quarenta e nove minutos, tão pouco tempo que Carlos Alcaraz necessitou para se livrar de um dos melhores tenistas do planeta. “É um sonho jogar uma final em Wimbledon, honestamente nem acredito. Só posso dizer que vou desfrutar deste momento incrível e é altura de continuar a sonhar”, resumiria com a sua barba de leite a crescer por entre as marcas de acne. O recém-adulto que cai no goto de toda a gente vai jogar com Novak Djokovic que, horas antes, gozara com o público que torcera contra ele na outra meia-final e “vai ser muito, muito difícil”.
‘Carlitos’ só de alcunha, porque o diminutivo nada se agarra ao ténis que tem dentro. Sem derrotas esta época na relva, o espanhol tem no domingo (13h45, Sport TV) a primeira experiência na decisão que o sérvio já ganhou por sete vezes, mas vai lutar - “porque isso sou eu”. E “não é altura” de “ter medo, nem para estar cansado”.
O que ainda falta ao espanhol em constância de concentração e temperar os ímpetos durante o jogo, ele compensa ao ser um íman de empatia. É mesmo fácil gostar de Carlos Alcaraz, muito difícil será vê-lo a prevalecer sobre o tanque mental que é Djokovic. Sejam desde já bem-vindos ao jogo do ano.
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