O braço-canhão de Ben Shelton forjou-se a lançar touchdowns, mas está a fazer história a bater ases no US Open
Matthew Stockman/Getty
O carismático jovem de 20 anos começa a transformar-se na grande esperança americana de voltar a ter um homem vencedor num torneio do Grand Slam, 20 anos depois de Andy Roddick. Frente a Tommy Paul, Shelton bateu o recorde de serviço mais rápido da história do US Open. Agora, nos quartos de final, o rapaz que ainda está a terminar o seu primeiro ano completo como profissional, tem pela frente outro compatriota, Frances Tiafoe
O último ano e pico tem sido fértil em primeiras vezes para Ben Shelton, rapaz nascido em Atlanta mas criado nos viveiros tenisticos da Flórida. Entre os 19 e os 20 anos, que completou em outubro, o jovem norte-americano viajou pela primeira vez para fora dos Estados Unidos, e logo uma longa viagem, quando se apresentou no Open da Austrália, em janeiro. Antes disso, em julho de 2022, jogou o seu primeiro torneio ATP, na cidade que o viu nascer, onde ganhou o seu primeiro encontro. Ainda não era profissional, algo que apenas aconteceu em agosto desse ano, quando percebeu, no Masters 1000 de Cincinnati, que nele havia ténis para bater alguns dos melhores - e eliminou mesmo Casper Ruud, então número 5 do mundo, nesse torneio.
Por ser campeão universitário dos Estados Unidos, teve convite para jogar o US Open de 2022 (mais uma estreia) - perdeu na 1.ª ronda em cinco sets com o português Nuno Borges, outro produto do sistema universitário norte-americano. E depois de chegar aos quartos de final no Open da Austrália, Portugal voltou a cruzar-se no caminho de Shelton quando recebeu um wild card para jogar o Millennium Estoril Open. Não só foi a primeira vez que viajou para a Europa, como a sua estreia na terra batida em termos profissionais.
Às vezes, tomar a estrada mais longa não significa que não se chegue ao destino. Ben está a chegar e com vontade de não ir embora. Aos 20 anos, na sua segunda aparição no US Open, já atingiu os quartos de final - esta madrugada, hora de Lisboa, joga com outro norte-americano, Frances Tiafoe -, surpreendendo com a sua potência que não desdenha mãozinhas para o ofício. Na 4.ª ronda, frente a Tommy Paul, Shelton sacou do seu braço-esquerdo-canhão para atirar um ás a 239,7 quilómetros por hora. Nunca alguém havia machucado a bola amarela com tamanha força no Grand Slam norte-americano. Não contente, no serviço seguinte Shelton repetiu a gracinha: 149 milhas por hora voltou a mostrar o ecrã.
Só por isso, o jovem já está na história deste US Open, que procura ansiosamente o seu primeiro campeão masculino norte-americano desde que, há 20 anos, Andy Roddick ganhou em Nova Iorque o seu único major. Apesar de Shelton ser mais velho uns meses que Carlos Alcaraz, talvez seja cedo para deitar às costas de um miúdo de 20 anos tal responsabilidade, mas, em Flushing Meadows, Ben está a confirmar uma tendência num ano de estreia como profissional feito de vários altos, mas também de muitos baixos: ele parece agigantar-se quanto maior for o palco.
Um caminho diferente
Paciência é palavra-chave porque, para aqui chegar, Shelton, o miúdo das primeiras vezes, teve muita. Apesar de ser filho de tenistas - o seu pai e treinador, Bryan Shelton, chegou a ser n.º 55 do ranking em 1992 -, o primeiro interesse de Ben foi o futebol americano e foi como quarterback da sua escola que começou a desenvolver o seu prodigioso braço esquerdo, que lançava touchdowns antes de desatar a servir ases.
Só aos 12 anos Shelton decidiu dedicar-se à empresa familiar, isto é, ao ténis - um tio materno e uma irmã também jogaram -, mas o pai garante que o futebol americano ainda está lá, naquele braço esquerdo que lançava a oval o mais longe possível. “Ter treinado tanto é a principal causa para agora conseguir bater assim com tanta força”, admitiu numa entrevista à ATP. Aos 16 anos, a possibilidade de correr o mundo no circuito júnior passou-lhe pela cabeça, mas Ben não era sequer o melhor jogador dos Estados Unidos. O pai, que depois de se retirar tornou-se um muito bem-sucedido treinador de equipas universitárias, aconselhou-o a esperar.
À ESPN, Shelton admitiu que a decisão foi acertada. Na Flórida onde vivia, meca do ténis jovem, onde a cada pontapé numa pedra surge uma academia, Ben manteve a rotina de treinos e escola, sem os constrangimentos das constantes viagens. “Foi o melhor para mim. Fui capaz de me concentrar em muitas das coisas que foram importantes para o meu desenvolvimento no ténis porque fiquei em Gainesville e treinei com o meu pai”, sublinhou numa entrevista ao canal, que não teve medo então de lhe chamar “the next big thing do ténis americano”.
ANGELA WEISS
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Gainesville, onde a família se fixou, é também casa dos Florida Gators, equipa universitária treinada por Bryan Shelton e à qual Ben se juntou, deixando novamente de lado a mais comum via de tentar a sorte nos quadros juniores dos torneios do Grand Slam. Pela Universidade da Florida foi campeão universitário por equipas em 2021, num plantel onde estava também o português Duarte Vale. Shelton não era então sequer o melhor jogador jovem do seu estado, mas em 2022 sagrou-se campeão nacional universitário a nível individual. O profissionalismo chegaria pouco depois e o facto de não ter estado exposto à competição fora do circuito universitário pouco ou nada se notou. A educação tenística de Ben Shelton, feita de paciência e caminhos alternativos, estava a resultar.
As ligações ao ídolo
Daí para cá, Ben Shelton tornou-se um pequeno fenómeno de popularidade, como se viu quando se estreou em Portugal, em abril. Ajuda aquele permanente sorriso na cara, o cabelo desgrenhado, as reações enérgicas a cada ponto, a forma como se eleva perante grandes multidões - carisma também é isto. Diz-se competitivo e focado, mas pouco obsessivo com pormenores na preparação. Ouve hip-hop da pesada para se animar antes dos jogos e adora comida mexicana e sushi.
Com 1,93m de altura, o serviço potente sai-lhe naturalmente da canhota, tal como a pancada de fundo do court, mas nas últimas semanas mostrou muito mais que isso, muito mais que um único truque. Shelton gosta de se desafiar na rede, onde o seu vólei lhe tem permitido ganhar muitos e bons pontos. Num US Open em que três norte-americanos conseguiram chegar aos quartos de final (além de Ben e de Tiafoe, também lá está Taylor Fritz), o jogador da Florida parece aquele com mais tempo e margem de progressão para acabar com o jejum de títulos de homens norte-americanos num dos quatro principais torneios do calendário.
Quem lhe terá notado talento para tal foi Roger Federer, o seu ídolo de infância, o homem que, tal como confessou à ESPN, tenta imitar não só nas pancadas mas também na atitude e pose em campo. Logo em agosto de 2022, quando se tornou profissional, Shelton assinou com a agência de gestão de carreira do helvético, a TEAM8. Em março, a empresa suíça On, que tem Federer como um dos sócios, fez dele e de Iga Swiatek as primeiras e principais caras da sua linha de roupas desportivas.
Aconteça o que acontecer daqui para a frente, na próxima semana Ben Shelton chegará ao seu melhor ranking de sempre: na pior das hipóteses será número 27 do mundo. Toda uma viagem para quem, há ano e meio, nem no top 500 figurava. O ténis norte-americano, que há muito suspira por uma nova estrela, agradece-lhe a paciência. E deles ele retira toda a energia que o faz planar em campo.