Ténis

Parecia que sim, mas com Coco Gauff não foi tudo, em todo o lado, ao mesmo tempo. E ainda bem para ela

Parecia que sim, mas com Coco Gauff não foi tudo, em todo o lado, ao mesmo tempo. E ainda bem para ela
Al Bello

Despontou aos 15 anos e, ao contrário de tantos outros fenómenos, não desvaneceu em menos de nada. A carreira de Coco Gauff, ainda uma adolescente de 19 anos, tem sido sempre em crescimento, lento mas sem soluços, e depois de uma primeira oportunidade, em 2022, de vencer um torneio do Grand Slam, terá agora nova chance, frente a Aryna Sabalenka, na final do US Open

Às vezes é difícil acreditar que Coco Gauff ainda é adolescente. Porque desde 2019 que ouvimos falar dela. Em março desse ano, uma semana depois de completar 15 anos, ganhou o seu primeiro encontro WTA, no Open de Miami. No verão, tornou-se na mais jovem jogadora da história a qualificar-se para o quadro principal de Wimbledon, onde depois eliminaria um dos seus ídolos, Venus Williams, na 1.ª ronda. Semanas depois, chegou à 3.ª ronda do US Open e em outubro venceu o seu primeiro torneio WTA, em Linz, a mais jovem de sempre a fazê-lo desde 2004.

Estava a acontecer tudo, em todo o lado e ao mesmo tempo para Coco Gauff, num desporto habituado ao rápido aparecimento de estrelas imberbes, com muitas a definharem cadentes logo de seguida.

Quatro anos depois desse 2019 de sonho, Coco Gauff ainda não ganhou um torneio do Grand Slam e não foi número 1 mundial em singulares. Mas, curiosamente, isso são boas notícias.

Porque nestes anos, entre pandemia e guerra, nunca deixámos de ouvir falar de Coco Gauff. Daí para cá, Bianca Andreescu e Emma Raducanu venceram o US Open, para logo sucumbirem à pressão da next big thing e às lesões. Coco Gauff, cirandando entre o fim dos anos de meninice sem neles se perder, foi fazendo o seu caminho, sustentadamente, sem êxtases precoces ou buracos negros irreversíveis, subindo calmamente ranking acima até chegar, no ano passado, pela primeira vez ao top 10 WTA e à sua primeira final num torneio do Grand Slam, em Roland-Garros.

Frente a Iga Swiatek, a jovem norte-americana, então com 18 anos, foi terraplanada em dois sets rápidos (6-1 e 6-3), passando por aquela final como se nunca nela tivesse entrado - mais mérito da polaca do que demérito de Gauff, ali pela primeira vez. E como na escada da carreira de Gauff anda-se a ritmo leve, mas sempre para cima, terá agora nova oportunidade de inscrever o seu nome entre as mulheres vencedoras de majors, quando defrontar Aryna Sabalenka na final feminina do US Open na noite de sábado (21h30, Eurosport 1).

TIMOTHY A. CLARY

É o culminar do melhor ano de Coco Gauff, a miúda que aos 12 já dizia querer ser “a melhor de sempre”. O hype era real, com reportagens e entrevistas daquele fenómeno em crescimento, feita da mesma fisionomia e envergadura de Venus Williams e confiança de Serena. Em 2023, venceu três torneios, em Auckland, Washington e mesmo antes do US Open chegou o até agora mais importante título, no WTA 1000 de Cincinnati, onde bateu Switek nas meias-finais e Karolina Muchova na final. A mesma Muchova que ultrapassou nas ‘meias’ de Nova Iorque, na quinta-feira, impassível mesmo num jogo que esteve quase uma hora parado por causa de um protesto de jovens ambientalistas, como se todos estes anos tivessem sido uma rampa pouco inclinada que Gauff foi subindo sem pressas ou particular afobamento até chegar à idade adulta do seu ténis.

Em 2020, depois daquele 2019 de fabulosa apresentação ao mundo, chegou à 4.ª ronda do Open da Austrália, coletando vitórias aqui e ali depois da paragem devido à pandemia, mas sem novos títulos para juntar a Linz. Em 2021, atingiu pela primeira vez aos quartos de final de um torneio do Grand Slam (Roland-Garros), as meias-finais num torneio 1000 (Miami), entrou pela primeira vez no top 20 do ranking e voltou aos títulos, em Parma. Em 2022, apesar de não ter ganhado qualquer torneio, foi número 4 mundial e chegou à final de Roland-Garros.

Criada para ganhar

Ainda que Coco Gauff tenha sacudido dos ombros com classe e a maior das calmas a pressão da menina prodigiosa que já era aos 12 anos, quando venceu o Orange Bowl, uma espécie de Grand Slam para os jovens tenistas, isso não quer dizer que não tenha sido criada desde criança para este momento.

Os pais, Candi e Corey, foram bons atletas universitários, ela na ginástica e atletismo, ele no basquetebol. Nascida em Delray Beach, Flórida, de onde os pais também são naturais, a família passou os primeiros anos em Atlanta até regressarem de novo à Flórida onde perspetivavam mais oportunidades e condições para o treino de Gauff. Coco ainda jogou basquetebol, mas, mais dada a desportos individuais, decidiu que queria ser tenista depois de ver Serena Williams bater Dinara Safina na final do Open da Austrália em 2009.

Tim Clayton - Corbis

Na Flórida, Coco passou a ser treinada pelo pai e estudava em casa com a supervisão da mãe. Aos 11 anos, entrou no programa da Champ’seed Foundation, criada por Patrick Mouratoglou com o objetivo de ajudar financeiramente jovens tenistas com poucas possibilidades económicas, o que lhe permitiu treinar-se na academia francesa do técnico que na altura trabalhava com Serena Williams. Aos 13 anos e cinco meses, Gauff tornou-se na tenista mais jovem a chegar à final de juniores do US Open. Meses mais tarde, venceria o torneio júnior de Roland-Garros.

Hoje, talvez fruto do seu caminho feito sem a sofreguidão própria de quem sabe que a vida de tenista deve ser uma maratona e não um fugaz sprint, os pensamentos de grandeza de Gauff estão não ausentes, mas mais longínquos. A menina que antes dizia não querer ser a nova Serena Williams mas sim a primeira Coco Gauff parece hoje muito mais relaxada na hora de abraçar as comparações com a vencedora de 23 títulos em torneios do Grand Slam. “Estar em qualquer frase onde ela também está é fantástico”, sublinhou, depois de esmagar Jelena Ostapenko nos quartos de final do US Open, tornando-se de permeio na primeira adolescente norte-americana a chegar às meias-finais do torneio depois de Williams. “Quer dizer… ela é a melhor jogadora de todos os tempos e eu não estou nem de perto, nem de longe nesse patamar. Fico mesmo honrada por estar na mesma frase que ela”, continuou.

E isto também é maturidade, vinda de uma miúda que não tem medo de admitir o peso que noutros tempos as expectativas tiveram em si. Que é uma voz ativa na defesa da comunidade LGBTQ+, dos direitos dos afro-americanos e contra a violência armada no seu país. Mais do que títulos e glórias, Gauff fica feliz por ser “uma boa pessoa”, como sublinhou há um ano em Roland-Garros.

Nos últimos tempos, Gauff diz estar a juntar a “resistência mental” à física que já tinha, o que lhe tem permitido não quebrar em situações de enorme stress. Desde a surpreendente eliminação na 1.ª ronda de Wimbledon, ainda não perdeu qualquer encontro e ganhou dois torneios. Não foi abaixo e está no seu momento mais brilhante.

Para este processo de crescimento gradual, que no domingo poderá ter o seu ponto alto, ajudará também que, agora, os pais de Coco possam ser “apenas pais”, como referiu - e não treinadores e professores. Eles fizeram o seu trabalho e, aparentemente, fizeram-no bem. Para Coco Gauff parecia que ia ser tudo, em todo o lado e ao mesmo tempo. Mas, para um ténis norte-americano que desesperadamente procura novas estrelas depois do adeus de Serena - e que tem Ben Shelton nas meias-finais masculinas -, poderá muito bem ser muito, em muitos lados, durante muito tempo, o que é bastante melhor.

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