Ténis

Rafael Nadal gosta de ser prudente e ainda não sabe quando, nem em que estado, voltará a jogar ténis

Rafael Nadal gosta de ser prudente e ainda não sabe quando, nem em que estado, voltará a jogar ténis
Clive Brunskill/Getty
O espanhol, rei de várias coroas da terra batida, não joga desde janeiro e, cerca de quatro meses após ser operado a uma lesão no abdómen, diz que tão pouco sabe quando vai regressar aos courts. Aos 37 anos, Nadal afirma que tem “o sonho” de “voltar a ser competitivo”, mas, num par de entrevistas, a única certeza que deu foi que 2024 deverá mesmo ser a última temporada da sua carreira

Rafael Nadal é sábio, a vida ensinou-o a não cantar de gala antes da festa e o instrumento maior dessa aprendizagem foi o mais custoso, o deveras castigador, o corpo que quando pretende provar um ponto é inclemente. Essa é a sabedoria do “cauto” espanhol, assim se descreveu ao “AS”, ele confessou que gosta de ser prudente precisamente porque as agruras corporais o ensinaram a sê-lo. “Já passámos por muitas”, disse, no plural, quando o vemos de raquete na mão a topspinar bolas sem clemência está sozinho no court, mas Nadal vive rodeado de gente com quem partilha as dores da sua carreira, que são muitas. A fumarada de todas as suas conquistas é que por vezes as oculta de certa forma.

É alcunhado como ‘Touro de Manacor’, lugar de Maiorca onde vive, porque a sua maneira musculada, bruta e potente de jogar deu-lhe o legado que tem no ténis onde é estranho, curioso também, ouvi-lo resumir à “Movistar” como falhou “quatro anos e meio de Grand Slams” na carreira. Ser o próprio Nadal a evidenciar que somos levados pelas luzes incandescentes das suas 22 conquistas dos maiores torneios que há, 14 só em Roland-Garros, do facto de ser o quinto tenista com mais títulos singulares (92), provoca quase uma saudade do que ainda não perdemos. A noção de o fim estar próximo, afinal, é reforçada por ele e pela sua consciência: “O meu objetivo atual é colocar-me numa situação de poder treinar e chegar a um nível competitivo para jogar no circuito. Sou muito consciente disso.”

Há quatro meses, esse pedregulho de realidade caiu quando Nadal anunciou que ia ser operado a uma lesão de segundo grau no psoas iliaco, músculo da zona lombar que juntou uma arrelia à crónica mazela de que sofre no pé esquerdo. Estimaram-lhe cerca de cinco meses de recuperação. O balanço é que faltaria, por esta altura, apenas um para o espanhol de 37 anos reatar a amizade com a raquete e foi agora, quando ainda está no limbo, que decidiu dar um par de entrevistas em dias seguidos. A cirurgia “parece que correu bem”, Rafa está a recuperar lentamente e “com pés de pluma”, as suas 24 horas têm manhãs e tardes entre o ginásio e trabalho de reabilitação, mas o sumo da mensagem de ambas as entrevistas desagua na mesma foz:

Nadal não sabe quando volta a jogar, nem em que estado o fará. Desconhece quais serão os objetivos que terá quando o fizer. E incapaz é de sequer aferir se será competitivo.

Icon Sportswire

À semelhança do amigo Roger Federer, massacrado sem dó pelo corpo a berrar-lhe um basta pelo megafone das persistentes lesões, a quem deu literalmente a mão há um ano, em Londres, na Laver Cup onde chorou lágrimas de melancolia pelas incontáveis comunhões de talento que partilharam em jogos de ténis, Rafael Nadal está a arcar com a sua penitência corporal. Como o joelho do suíço, que o parou durante 14 meses antes do doloroso adeus, o pé e o abdómen do espanhol estão a frená-lo desde janeiro, espera ele para que ainda consiga ver um último amanhecer da carreira em 2024. “Creio que vai ser o meu último ano, estou bastante convencido. Se bem que, ao mesmo tempo, não sei. Se sei a 100% que será o meu último ano? Não o posso garantir”, divagou ao jornal “AS”, cheio de uma incerteza auto-gerada.

O seguro e decidido Nadal que despacha esquerdas que fazem a bola girar com milhares de rotações por minuto para ser letal no ressalto em terra batida, onde ele é rei de coroa eterna, virou o Rafa que fala com pinças, carregado de cautelas. “Gosto de ser prudente”, admitiu, “se tenho capacidade para poder treinar bem na plenitude das condições, melhorar é uma motivação diária”, deixou no ar, acrescentando que “melhorar é querer saber o que necessito para tentar ser competitivo e potenciar as coisas que me podem ajudar a sê-lo”. São frases de incógnita, pedaços da dúvida de um homem incapaz de estar 100% seguro do que aí vem.

Na conversa televisionada com a “Movistar”, o jogador voltou ao que os seus esgares de dor e os coxeios no campo evidenciavam antes da operação: “O último ano e meio foi duro, sem tranquilidade, sem nada.” Os resultados que ia tendo “maquilharam a realidade do dia a dia”, Nadal aguentou e adiou submeter-se ao bisturi do cirurgião. Agora que o fez, prefere a paciência - mas dentro da sua contradição. Tanto diz que “o sonho” é “voltar a jogar, voltar a ser competitivo, e não ganhar Roland-Garros ou Austrália”, como uns minutos passam e já aloca o sonho a “dentro de poucos meses saber como e onde” está.

Há neblina no horizonte do espanhol, ou talvez ele prefira nublar as expetativas de quem o espera ver de volta.

Em 2007, a deixar-se cair no chão quando ganhou o match point na final de Roland-Garros contra Roger Federer.
Clive Rose/Getty

O ano de 2024 tem Jogos Olímpicos marcados para o pó de tijolo de Roland-Garros, lugar onde Nadal se transformou alquimista dessa matéria laranja - ganhou o Grand Slam por 14 vezes e tem uma estátua sua à entrada do complexo. “Se posso jogar, mas não estou em condições de [lá] ganhar, aí talvez me apetece fazer uma digressão de despedida”, suspeita, para a sua versão do Dr. Jekyll e Sr. Hyde responder que “os JO são um desafio bonito se conseguires ser competitivo” e a “forma de planear o calendário muda” caso sinta que tem hipóteses de “ganhar em Roland-Garros”. Já sabemos que ele nada sabe agora, nem certezas pode dar, após ter visto Novak Djokovic vencer, há meses, a primeira edição do torneio em 19 anos que não teve o espanhol a competir.

Antes de Paris houve Melbourne e depois haveria Nova Iorque, o sérvio usou os três sítios para ultrapassar o espanhol em número de majors e “os números são números”, isso é “indiscutível” para Nadal. “Ele é o melhor da história em títulos e nada há a discutir. Não me cai nenhum dente, nem tenho o ego tão grande para tentar mascarar a realidade”, assumiu de novo ao “AS”, dono da “má sorte” por ter “um corpo desta maneira” que tanto o lesionou recentemente, “mas isso também faz parte do desporto”. Sacudido de “qualquer tipo de frustração”, garante que “não vai tentar ser o que não é através de uma luta pessoal”.

Rafa está em paz com a cantilena dos Grand Slams, reconhecendo que Djokovic vive tal sina “de forma mais intensa”.

Também perguntaram a Nadal se gostaria de ser treinador e “ninguém sabe o dia de amanhã”, questionaram se o golfe pode ser um escaparate competitivo após a sua reforma das raquetes, ele disse que vai continuar a “tomá-lo como um hóbi” e até o sondaram acerca de hipótese de quiçá ser presidente do Real Madrid lá mais para a frente. Sambando no palavreado das respostas, em todas redundou no mesmo - quem sabe, talvez, “não sei”. Sobre os Jogos Olímpicos, foi mais certo noutra hipotética visão: “Gostava de jogar pares com Carlos Alcaraz.” O resto é feito da nebulosidade que Rafa nutre, e ele sabe porquê:

“Também há a possibilidade de não recuperar e não voltar a jogar. Espero que não seja assim, mas tenho de ser realista, saber a dificuldade que encontro no dia a dia e vivê-la com naturalidade.”

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