Cada vez que Rafael Nadal fala na lesão e na incerteza no futuro, permite-nos espreitar para dentro da cabeça de um super atleta. O tenista canhoto anunciou na sexta-feira que voltará aos courts, um ano depois, e agora reconheceu que, mais do que a anca, está preocupado com não exigir demasiado dele próprio. Que um grandíssimo campeão admita a saudade de sentir nervos, dúvidas e medos a jogar o jogo de sempre não deixa de ser intrigante, ainda que não surpreenda ninguém.
Depois de muitíssimo castigado pelas lesões e fissuras no corpo, depois de revelar uma generosidade e um compromisso hercúleos para com a profissão, Nadal confirma que não desistiu. Aos 37 anos, vai mesmo voltar a jogar, no torneio de Brisbane, a competição que prepara o caminho para o Open da Austrália, nos primeiros dias de janeiro, naquele que é o primeiro major da temporada.
“Tive e tenho medo de anunciar as coisas porque, no final de contas, foi um ano sem competir e é uma operação na anca”, desabafou num vídeo intimista publicado nas redes sociais. “Mas o que me preocupa mais não é a anca, é tudo o resto. Penso que estou pronto e confio e espero que as coisas corram bem e que tenha a oportunidade de poder desfrutar no court.”
Nadal, que já viu Novak Djokovic superar o seu recorde de 22 triunfos em torneios do Grand Slam, deverá encurtar o calendário desportivo, apontando as baterias provavelmente a Roland-Garros, um torneio que já ganhou em 14 ocasiões.
“Foi muito tempo [ausente]”, continuou. “Espero sentir outra vez os nervos de jogar, a expectativa, esses medos, essas dúvidas, espero de mim não esperar nada, esta é a verdade.” Ou seja: “Ter a capacidade de não exigir a mim o que exigi durante toda a minha carreira. É uma época diferente, é uma situação e um terreno inexplorados”.
O atleta espanhol está muitíssimo ciente das armadilhas que habitam a mente de um desportista habituado a ganhar ou pelo menos habituado a dar tudo, tudo em cada momento. Nadal ficou famoso por isso, não só pelas vitórias. “Eu tenho interiorizado o que fiz a minha vida toda, que era exigir o máximo. Agora espero não fazê-lo, aceitar que as coisas vão ser muito difíceis no começo e dar-me o tempo necessário e perdoar-me por as coisas correrem mal no início, que é uma possibilidade muito grande.” Curiosa a ideia de perdão. Nadal, um voraz competidor, antecipa a falta de nível com dignidade. A gestão de expectativas é uma virtude valiosa.
Mas a esperança não ficou alienada. “Pode haver um futuro não tão distante em que as coisas podem mudar se mantiver a esperança e o espírito de trabalho e o físico responder”, sentenciou, com um encolher de ombros e as sobrancelhas muitíssimo cerradas como quem diz que vai dar luta.
O torneio que marca o regresso de Rafael Nadal (e também de Naomi Osaka) começa no dia 31 de dezembro e estende-se até 7 de janeiro, uma semana antes do início do Open da Austrália.
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