Ténis

Djokovic e Alcaraz foram amiguinhos de ocasião na Arábia Saudita

Djokovic e Alcaraz foram amiguinhos de ocasião na Arábia Saudita
AHMED YOSRI
Com o português e recém-reformado Carlos Ramos na cadeira de árbitro, o sérvio e o espanhol foram a Riade jogar um encontro de exibição. Entre sorrisos e brincadeiras descontraídas, houve três sets de ténis entre os dois homens que lideram o circuito e pareceram estar já de forma afinada para continuarem a segurar a bitola da modalidade em 2024

Luzes néon a trilharem os limites do court, uma arena escurecida para bolas gigantes de ténis serem lá projetadas, ecrãs gigantescos a mostrarem versões à desenho animado dos tenistas. Para os seduzir a estarem no seu palco de pompa e extravagância, o torneio de exibição em Riade terá abanado com muitas notas de dinheiro na direção de Carlos Alcaraz, o primeiro a entrar em campo, sorridente na face e fluorescente na veste, e de Novak Djokovic, aparecido com a sua pele escurecida pelos raios de sol do Dubai, onde tem afinado a preparação de pré-época.

No dia anterior, o sérvio publicava um vídeo no qual é visto só de calção e pé na areia no seu Instagram, a puxar pela rapidez de pés no bem bom da praia; na véspera de Natal o espanhol partilhava fotografias de raquete na mão, a treinar porque “não paramos para férias”. Esta quarta-feira, tendo Carlos Ramos, árbitro português recém-reformado, a servir-lhes de bem-disposto cicerone junto à rede, partilhando cavaqueira com ambos antes do jogo arrancar, os dois polos dominantes do ténis em 2023 concordaram em jogar uma partida a feijões na Arábia Saudita, por mais contraditória que seja usar a expressão em mais esta abertura de asa do país a grandes nomes do desporto.

Entre muitos dos pontos, nenhum dos tenistas escondeu a leveza da ocasião. Quando Alcaraz fez uma das suas com um dos seus ataques furtivos à rede logo após o serviço, aveludando um volley para fechar o ponto, Novak esticou o braço e apontou um dedo ao espanhol, validando a mestria da pancada. Poucos minutos mais tarde, Carlos ligou as suas orelhas com um sorriso quando Djokovic devolveu a gentileza com um amorti cheio de efeito, dos que ameaçam fazer a bola regressar ao lado de cá da rede após ressaltarem na margem de lá. A própria cara do sérvio ao engavetar a pancada - esbugalhou os olhos, abriu a boca em espanto, aquela provocação que o contexto permite - denotava a descontração do evento.

Durante os pontos, contudo, o ténis era rápido e vertiginoso, arriscado por vezes e enferrujado noutras, mas por razões de saudar. Sobretudo no lado de ‘Carlitos’, a tentativa em acelerar a bola a maior velocidade do que aquela em que esta lhe chegava, e para os cantos do court, fazia-o errar mais do que Djokovic, mais contido nos laivos de risco. Apesar de arrancar o encontro logo a quebrar o serviço ao ocupante do trono do ranking mundial, o espanhol perdeu (4-6) o primeiro set fruto da sua insaciável vontade em disparar foguetes em qualquer ocasião. Mais contido e em paz com o ligeiro jogging a que se vetava em bolas mais puxadas e às quais, por vezes, não se esticava para chegar, Djokovic era parcimónio nos seus esforços.

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O segundo set começou com o espanhol a roubar de novo o serviço a Novak e a encadear com outra fluidez o seu jogo. As direitas estonteantes caíam entre fronteiras do campo, os seus amortis escondidos até à última apareceram. Djokovic ria-se, era o que podia fazer quando as suas mãos perto da rede, à qual subiu com maior frequência, não estancavam a potência do espanhol. Fisicamente, as corridas irrequietas do prodígio de 20 anos e a força bruta que canaliza para a raquete pareceram a par com o que evidenciou nos picos da temporada que passou. O espanhol fixou um 6-4 para levar o jogo para um terceiro parcial. Era o que os espetadores desta exibição queriam.

Celebrando exageradamente um ponto ganho com um punho erguido ou cabeceando uma bola para o outro lado do campo após falhar um contra-amorti, Novak Djokovic mantinha-se jovial e brincalhão, era a leveza de espírito dos 36 anos de quem já muito se teve que superar em concentração para chegar onde está. Do alto dos 24 Grand Slams com os quais lidera a manada do ténis e da cascata infindável de recordes, sem destoar da sua afamada predisposição para embarcar nas brincadeiras de jogos de exibição, o sérvio foi tendo bastantes mais reações descontraídas perante pontos ganhos ou perdidos, face a grandes pancadas que fazia ou letais bolas majestosas que sofria.

A sabedoria da idade, o tanto que já conquistou, a personalidade também, deixavam-no carregar no botão a que Carlos Alcaraz pareceu mais avesso. O espanhol não ‘desligava’ - sorria como resposta, não de sua iniciativa; ria se antes viesse um mimo do outro lado da rede. E no terceiro set, o que teve melhor ténis, a sua cara compenetrada teve menos interrupções à medida em que a velocidade de bola aumentava e ambos se permitiam a puxar mais o lustro às raquetes. Pareciam ter um acordo tácito para fecharem o encontro com a beleza vista em quase todos os cinco jogos oficiais que já partilharam (em três meias-finais e duas finais, espalhados por torneios Masters 1000, do Grand Slam e as ATP Finals).

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O que lhes corre nas veias e eles não controlam é a sede, a fome, o vício em caçar uma vitória, a denominação pode variar de nomenclatura, mas o sumo é o mesmo: um e outro, embora com as devidas e ainda enormes diferenças de trajeto, vivem da superação constante contra quem lhes tenta devolver uma bola de ténis. As trocas de bola no terceiro set prolongaram-se, os winners espetacularizaram-se, as caras de amiguinhos rarearam a partir do 3-3. A aparente melhor forma física de Alcaraz evidenciou-se em todas as pancadas quando o risco se tornou propriedade de ambos.

Quando ‘Carlitos’ fechou a exibição (6-4) os sorrisos voltaram, mas Novak bateu ao de leve com a raquete na tela da rede antes do cumprimento e do abraço finais. Não foi propriamente a feijões que se jogou, pelo menos não sempre.

A jogarem livres de pressão, sem bicharocos mentais a sussurrarem-lhes hesitações e dúvidas fruto da grandeza da ocasião, o sérvio e o espanhol evidenciaram, de novo, que neste confronto de gerações está o duelo mais espetacular do ténis atual. Entre Alcaraz e Djokovic cabe um adolescente de idade e a bitola da modalidade deverá continuar a ser governada por eles em 2024. O próximo reencontro poderá ser já na Austrália, onde daqui a pouco mais de duas semanas (14 de janeiro) começará o Grand Slam inaugural da época - e previsivelmente com menor dose de descontração sorridente nas suas caras. Amigos de ocasião na Arábia Saudita, em breve rivais uma vez mais compenetrados em ganhar ao outro.

Porque, para uma exibição, o jogo acabou aí, nessa faísca que Carlos Alcaraz não escondeu nas declarações ao microfone: “Eu treino para vencer o Novak.”

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