A Arábia Saudita vai pagar a Nadal? Sim. Ele precisa do dinheiro? Não. E diz que o acordo que assinou com o país não vai melhorar a sua vida
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Ainda a recuperar de uma lesão, Rafael Nadal veio esclarecer o acordo para ser embaixador da Federação de Ténis Saudita, garantindo que não assinou um contrato multimilionário nem a sua vida vai mudar “um cêntimo”. Aos 37 anos, o espanhol admitiu que olhou para o final de carreira e quer dar “uma oportunidade” ao país do Médio Oriente para evoluir
Seja quem for, tenha o percurso imaculado que lhe percecionarem ter, um desportista que hoje pegue na caneta, assine preto no branco e dê o aperto de mão para fechar qualquer negócio com a Arábia Saudita será imediatamente chacinado na opinião pública, consentânea no julgamento de que há que apontar o dedo a quem se associe a um país onde a pena de morte é praticada e os direitos humanos - dizemvárias organizações internacionais - são uma preocupação atirada para debaixo do tapete.
Obreiro de uma carreira sensacional assente no seu braço esquerdo, Rafael Nadal é dos atletas mais populares no mundo. A meio de janeiro, a Federação de Ténis Saudita revelou que o espanhol era o seu novo embaixador, colando ao anúncio uma frase do tenista que agravou a forma como a novidade foi acolhida: “Para onde quer que olhes na Arábia Saudita podes ver o crescimento e o progresso, estou com vontade de formar parte deste projeto.”
De pronto, criticou-se o conquistador de 22 torneios do Grand Slam e colecionador de 124 milhões de euros em prize money ao longo da carreira por aliar-se a um país que tem atirado dinheiro para cima do desporto, em cortejo a grandes competições (futebol, Fórmula 1 e golfe os exemplos mais flagrantes) numa manobra denunciada como sportswashing. Rafael Nadal era mais um cedente aos milhões, suspiraram muitos. Um mês depois, o jogador veio justificar-se, dizendo que “a Arábia Saudita não necessita” dele para “lavar a sua imagem”.
Impecavelmente penteado, Nadal falou, na noite de quarta-feira, em entrevista ao canal “La Sexta” acerca de vários temas e deste em particular para apresentar as suas razões, que definiu como desportivas e não financeiras. “Não assinei um contrato multimilionário”, defendeu o espanhol, sem pudores em explicar o acordo que “não vai melhorar” a sua vida “nem um cêntimo” e reconhecendo que “sabia” como “ia ser criticado”. O objetivo, garantiu, é “contribuir” para a Arábia Saudita ser um país “mais desportivo”.
Por estes dias ainda a recuperar da lesão muscular sofrida em Brisbane, na Austrália, que o obrigou a abdicar de jogar no primeiro Grand Slam do ano, o tenista insistiu que “houve um erro” na divulgação do comunicado da parceira, sugerindo sem mencionar a tal frase acerca do progresso na nação do Médio Oriente, apesar de ter tocado nesse ponto: “Informei-me e há oportunidade para uma mudança real no país, eu dou hipóteses a que haja esse progresso.” Porque crê que “o desporto tem o poder de mudar vidas” e os sauditas “não têm a cultura” de praticá-lo.
Rafael Nadal visitou o país em dezembro e descreve-o como “atrasado em muitas coisas”. Deu conta de cláusulas que permitem a qualquer uma das partes rasgar o acordo em qualquer altura caso certas combinações não ocorram - “se não conseguir essa evolução, direi que me enganei por completo” -, confirmou que vai abrir lá uma academia e que terá de ir à Arábia Saudita um certo número de vezes por ano. “Fui uma pessoa coerente ao longo da minha vida e creio que terei liberdade para poder trabalhar com os valores que que devo trabalhar. Não o farei de uma maneira em que não me sinta confortável”, assegurou, na entrevista ao “La Sexta”.
Parte da negociata com o país poderá ter incluído a presença de Nadal no 6 Kings Slam, o torneio de exibição agendado para outubro, em Riade, que além do espanhol reunirá Novak Djokovic, Carlos Alcaraz, Daniil Medvedev, Jannik Sinner e Holger Ruge, com o conceito que está no nome da prova a sair um pouco coxo: dos seis tenistas, este último, dinamarquês, é o único que para já nunca venceu um Grand Slam. Será, muito provavelmente, uma das últimas provas da carreira do espanhol, que aos 37 anos estimou retirar-se no final desta época.
Até lá, pediu que o “deixem trabalhar” neste projeto com o reino saudita porque “a carreira está a chegar ao fim” e ele queria continuar “ligado à educação e ao desporto”. Foi para essa perspetiva que Nadal olhou. “Sei o que [as pessoas] não gostam” da Arábia Saudita, referiu, “eu também não gosto”, acrescentou, mas, sabendo que “as mudanças não são da noite para a o dia porque precisam de tempo”. Ele “não está de acordo com tudo isso”, sendo o isso os direitos humanos que a entrevistador, às tantas, puxou para a conversa, e Rafa localizou outra origem das críticas - “muitas vezes, as pessoas opinem sem perguntar”.
E se lhe perguntam, Nadal responde: “Necessidade? Nenhuma. Se me pagam? Sim. Se necessito do dinheiro que vou receber? Para nada, não me vai mudar a vida. O meu contrato com eles é para promover o ténis.”