Luca Nardi fora largado no centro de um campo de ténis com mais de 16.000 mil lugares para, num dia, cumprir todos os desejos de uma vida. Novak Djokovic dirigiu-se à rede e fez um gesto de reconhecimento com a cabeça antes das mãos de ambos se apertarem. Aquela inextricável junção de dedos aproximou como nunca duas realidades que dificilmente se podiam ter tocado sem intervenção da sorte.
A melhor tradução possível para lucky-loser é “suspiro de alívio”. Foi nessa condição que o jovem italiano, de 20 anos, entrou no quadro principal de Indian Wells e defrontou o número um do mundo. Competir contra Djokovic era, por si só, um cenário inesperado. Afinal, Luca Nardi tinha perdido contra David Goffin nas rondas preliminares do torneio, acabando por lhe sair a sorte grande e ser repescado.
Depois de vencer o chinês Zhizhen Zhang, o jogador natural de Pesaro deu de caras com uma das suas referências. Djokovic saltou do póster que Nardi tem no quarto para o outro lado do court. Daí a conseguir ganhar-lhe foram três sets (6-4, 3-6, 6-3), fazendo aumentar o historial recente de resultados negativos que Nole acumula contra italianos, após ter perdido o Open da Austrália para Jannik Sinner.
O póster, contou o próprio Luca Nardi, vai continuar na parede. Ao contrário de outros jovens da sua geração, como Carlos Alcaraz ou Holger Rune, ele não tem residência permanente no topo, estando, por agora, a dormir na cave que é o 123.º lugar do ranking (nunca foi top-100). O início de temporada de Luca Nardi brindou-o com uma derrota frente a Pavle Marinkov que, na altura da realização do encontro, era 1108.º melhor tenista do mundo.
“Nunca pensei que pudesse vencê-lo [Djokovic], mas até há poucos dias também nunca imaginei que pudesse enfrentá-lo. É um milagre, um sonho tornado realidade. Se alguém me tivesse contado isto na semana passada, tê-lo-ia chamado de louco”, comentou. “Há 10 anos que vejo os jogos do Nole. Talvez a única vantagem que eu tinha antes da partida fosse esta. Ele, provavelmente, nunca me tinha visto jogar.”
Um tenista vindo da terra de motas
No meio da cidade de Pesaro, há um capacete de motociclista gigante. Quatro metros de altura por seis de largura valem ao monumento a presença no livro dos recordes. Valentino Rossi, sete vezes campeão do mundo de MotoGP, considera aquele local a sua “segunda casa”. Luca Nardi considera-a a primeira.
Vindo de onde vem, o tenista fez dos passeios de mota o seu passatempo preferido, isto quando o ténis lhe dá descanso. Desde os sete anos que bater bolas para o outro lado do court é uma atividade que lhe ocupa tempo. Quem o acompanha desde que começou a tentar esmerar-se no manuseamento da raquete diz que fora do campo era desajeitado, mas que, dentro dele, a técnica era aprimorada numa modalidade cujo irmão mais velho, Niccolò, se aventurou primeiro.
“Durante muito tempo, Luca só encarou o ténis como uma diversão e isso, sem dúvida, teve o seu lado positivo”, contou o treinador, Francesco Sani, à televisão italiana "SuperTennis. “Disputou torneios importantes desde cedo, mas entrava em campo com a mesma tranquilidade que apresentava nos treinos. O processo de amadurecimento deve envolver primeiro a pessoa e depois o jogador. É difícil que as duas coisas não andem de mãos dadas”.
Enquanto ainda procura entrar pela primeira vez no quadro principal de um Grand Slam, Luca Nardi vai-se destacando num nível mais abaixo. No Porto, em 2023, ganhou um dos seus cinco torneios Challengers naquela que pode ter sido a última final de João Sousa, português que se vai retirar após o Estoril Open.
A vitória de Nardi frente a Djokovic em Indian Wells fez do italiano apenas o terceiro tenista fora do top-100 a ganhar ao sérvio num torneio Master 1.000 e o segundo lucky-loser (o primeiro foi Lorenzo Sonego) a bater o recordista de troféus em torneios do Grand Slam. Segue-se agora o norte-americano Tommy Paul.
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