Quarta-feira, 3 de abril de 2024. Eis o fim da carreira de João Sousa, que se despede como o melhor tenista português de sempre. Dono de uma série de marcas únicas para o ténis nacional, há uma, no adeus, que ganha contornos simbólicos: o vimaranense é o único a ter participado em todas as edições do Estoril Open desde 2015, quando o torneio assumiu a versão atual.
No Clube de Ténis do Estoril, sucessor do Jamor como palco da única paragem portuguesa do circuito ATP, Sousa, depois de perder contra Arthur Fils, foi homenageado na presença de pais, irmão, treinadores e colegas tenistas. Com lágrimas escorrendo pela cara, prometeu que não se tratava de um adeus à modalidade à qual dedicou “a vida”, mas sim um “até já”, ainda que incerto de qual a função que o manterá ligado à bola amarela.
Se o fim do minhoto como jogador é, garante ele, uma passagem para outros papéis que assumirá no ténis, o futuro do Estoril Open apresenta dúvidas maiores. Enquanto um emocionado Sousa sai de um court como protagonista pela derradeira vez, é impossível garantir se 2024 será um “até já” para o torneio, à espera que o calendário vire de ano, ou se teremos um adeus, a conclusão de uma viagem que trouxe a Portugal o circuito ATP, ininterruptamente, desde 1990.
A incerteza
O alargamento dos Masters 1000, categoria abaixo dos Grand Slams, comeu espaço no calendário para 2025. Na versão inicial dessa volta ao mundo de raquetes na mão, o Estoril fica de fora.
O Estoril ficou de fora da primeira versão do calendário para 2025, mas organização e jogadores acreditam que haverá solução
João Zilhão, diretor do torneio, garantiu ao Expresso, antes da competição, que não deitava a toalha ao chão. Há “negociações a decorrer nos bastidores” e, sem revelar muito, levantou a possibilidade de “mudança de local” ou de “data” para encaixar a competição cascalense no mundo ATP, cujo roteiro para o próximo ano incluiu 60 paragens em 29 países.
Na terça-feira, 2 de abril, o tempo vestiu-se de cinzento e as nuvens passaram o dia chorando, unindo-se ao tom nostálgico do Estoril Open 2024, ano em que o torneio louva a despedida do seu vencedor em 2018 sem saber se irá sobreviver. Numa jornada sem ténis, que levou a organização a devolver o dinheiro dos bilhetes aos espetadores, dois jogadores de elite refastelam-se num sofá, tentando passar o tempo da melhor forma.
Casper Ruud, 8º da hierarquia mundial, e Hubert Hurkacz, 10º, dão voz, em conversa com o Expresso, ao recorrentemente escutado elogio dos craques ao torneio. “Montam um belo show aqui”, diz o primeiro, vencedor do troféu em 2023, que ficou “um pouco triste” ao saber da ausência para 2025; “Gosto muito de estar aqui, o ambiente é excelente, sentimo-nos muito bem-vindos”, assegura o segundo.
Os ingressos para a maior parte dos dias esgotaram, calor humano que leva Hurkacz a sublinhar o “trabalho fantástico da organização”. O polaco confessa que, nos bastidores, se “ouvem rumores sobre conversações para o futuro” e lança o desejo de que “continue a haver um torneio ATP em Portugal”.
Na verdade, o desconhecido não é estranho para João Zilhão. Em 2015, João Lagos abandonou o projeto e o atual diretor teve de tentar reconstruí-lo, logrando, em contrarrelógio, reunir todos os apoios, patrocínios e financiamento necessários.
A referência
Na mesma jornada em que João Sousa ouviu um último “game, set and match”, duas promessas portuguesas também jogaram. Jaime Faria (220º do ranking), de 20 anos, foi batido pelo espanhol Jorda Sanchís, Henrique Rocha, de 19, chegou a encostar Gaël Monfils às cordas, mas perdeu contra o espetacular veterano francês. Rocha, 197º da hierarquia, é o oitavo jogador mais cotado entre os menores de 20 anos.
Ambos os adolescentes não conhecem um mundo em que o circuito principal não passe por Portugal. Ruud, finalista das duas últimas edições de Roland-Garros e antigo vice-líder do ranking, explica que, para países que não são potências históricas do ténis, como a sua Noruega e Portugal, ter um torneio ATP é “muito importante”, funcionando como inspiração para os mais jovens, que “veem os melhores de perto e pensam: ‘se calhar eu também posso fazer isto’”.
Em 2018, o norueguês, então um jovem a tentar afirmar-se, disputou em Braga um Challenger, a divisão abaixo do circuito ATP. O torneio realizou-se uma semana depois da vitória de Sousa no Estoril Open e o tenista notou que se “falava imenso do João nas televisões e jornais”, pensando que o vimaranense “estava em todo o lado” e “a mudar a cultura de ténis” de Portugal.
Traçando paralelismos entre a realidade da modalidade no seu país e naquele onde agora está, Casper dá força à ideia de que João Sousa “abriu caminho para esta geração mais jovem”. Faria e Rocha eram crianças quando, na Malásia, em 2013, chegou o primeiro título ATP para o ténis português.
A homenagem
Há uma parte do Estoril Open que vive indiferente à circunstância de estarmos num torneio de ténis. Nas diferentes zonas da área VIP, que se vai dividindo em pequenas salas mais ou menos exclusivas, há conversas de circunstância e sorrisos de ocasião servidos em copos de vinho acompanhados dos cigarros eletrónicos.
Casper Ruud, 8º do ranking, descreve João Sousa como “um excelente tipo” e “o grande embaixador do ténis português”
Aquela realidade é tão alheia ao voar das bolas amarelas que se, por artes mágicas, Nadal e Federer aparecessem a jogar no court central ninguém notaria, não haveria espanto, continuando o mundo a girar entre comes, bebes e socialização. No entanto, pouco depois das 17h de 3 de abril, houve um momento em que todo o Clube de Ténis do Estoril olhou para a terra batida, susteve a respiração e fez silêncio. Um profundo silêncio, antagónico ao ruído de fundo que caracteriza a parte social do evento.
A solenidade devia-se aos pontos finais do melhor de sempre das raquetes nacionais. Terminava-se um capítulo do desporto português e as emoções começaram por chegar da zona onde estavam as pessoas mais próximas do vimaranense, onde as faces já preparavam o terreno para as lágrimas.
Confirmada a derrota contra Fils, iniciou-se uma homenagem. A família, que em 2004 se endividou para que um adolescente de 15 anos fosse para Barcelona perseguir o sonho do ténis, uniu-se num sentido abraço.
“De consciência tranquila”, Sousa retira-se “realizado” e “feliz”. Nenhum português chegou mais alto no ranking (28º) ou venceu mais encontros em quadros principais de Grand Slams (27). Só ele ganhou títulos ATP, e foram logo quatro, num total de 12 finais.
Ruud qualifica João como “o grande embaixador do ténis português”, um “exemplo” pela “energia e intensidade” de jogo, armas que contornavam o menor requinte técnico. Hurcacz reconhece “uma grande carreira” de um “excelente tipo, dentro e fora do court”.
Nesta saudade disfarçada de torneio de ténis que é o Estoril Open 2024, o tributo ao minhoto também teve direito a invasão de campo protagonizada por colegas de Sousa. Numa fotografia de família, posaram antigos integrantes do top 100, como Pedro Sousa e Rui Machado, gente que vive o seu auge na modalidade, como Nuno Borges, e quem cresceu com o homenageado como referência a seguir, como Jaime Faria e Henrique Rocha.
No dia seguinte ao fechar do ciclo para João Sousa, Frederico Marques, o seu técnico de sempre, sugeriu que o vimaranense fosse treinar às 10 da manhã. Gozando da sua nova condição de ex-tenista, Sousa, sorridentemente, rejeitou. É tempo de dedicar tempo aos amigos, indo jogar golfe ou andar de karts. Para o Estoril Open, o torneio umbilicalmente ligado à vida de João, o futuro é bem mais incerto.