Ténis

No court Rafael Nadal e na terra batida que é dele, Nadal voltou a sorrir

No court Rafael Nadal e na terra batida que é dele, Nadal voltou a sorrir
PAU BARRENA/Getty
Quatro meses depois de ter voltado a parar devido a uma lesão, Nadal regressou à competição em Barcelona, no torneio de terra batida que já conquistou por 12 vezes e onde o campo tem o seu nome. Naturalmente enferrujado nos movimentos, o espanhol ganhou, em dois sets (6-2, 6-3) a Flavio Cobolli, jovem italiano que quis apressar-se contra a lenda

Houve que passar o pente sobre o court laranja-acastanhado de Barcelona, o ato é costumeiro no piso em questão, os bons costumes no trato do pó de tijolo mandam que se alise a superfície para uniformizar o lugar onde a bola amarela vai ressaltar. Por esta altura da história do ténis, o ato de enfeitar um campo que tinge as sapatilhas e as meias de quem sobre ele joga também deveria ser obrigatório antes do señor tierra o pisar. Soa a reverência, no fundo, é mesmo, e dispensa que o torneio de Barcelona a assumisse nesta logística específica porque já não enganará quem seja.

O pequeno estádio onde uma massa de gente preencheu, esta terça-feira, cada assento disponível ergue-se em torno da “Pista Rafael Nadal”, assim rebatizada em 2017 quando o tenista que lhe dá nome ia com 10 das 12 edições do torneio que conquistou. Na sua predileta terra batida, a supremacia extravasa Roland-Garros, onde tem 14 vitórias e pretende estender o seu intermitente canto de cisne: importunado por lesões, com maior insistência, desde o ano passado, Nadal não competia desde janeiro, no pré-Open da Austrália, optando por evitar riscos e quiçá desânimos ao abdicar de tentar voltar aos courts na primeira visita da época dos circuito aos pisos rápidos.

Paciente, provavelmente farto dos pára-arranca deste périplo para se despedir do ténis nos seus termos e a jogar, Rafa esperou pela fiel terra onde por mais que se semeie haverá uma colheita à espera e quatro meses depois fez da raquete a sua enxada perante Flavio Cobolli. Bruto e brusco a bater na bola, sempre à procura de injetar velocidade as pancadas, o ímpeto do italiano pareceu incomodar o enferrujado Nafal ao início até dificultar a vida ao próprio tenista. Apressado em querer colocar o espanhol de pé atrás, Cobolli fazia daquilo em que pegava um martelo nervoso e precipitado para o erro.

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No primeiro set foram 27 as falhas não forçadas do italiano movido pelo estilo, cheio de pancadas batidas em suspensão, a intenção da força bruta em cada uma delas, mas os 21 anos a notarem-se, também, em quase todas. Se a tentativa em impor um ritmo frenético desde o arranque causou alguma alergia inicial a Nadal, o tempo, aos poucos, foi seu amigo. Não sendo forçado a prolongar os pontos por aí além, as 37 primaveras do campeoníssimo da terra batida sobrepuseram-se à ferrugem nas suas fustigadas articulações.

Fechou o 6-2 mais na leveza de mãos do que na potência de jogo que lhe fez a carreira. Entre dóceis amortis e aproximações à rede após empurrar o adversário para o fundo do campo com bolas cortadas ao bisturi de modo a ressaltarem sobre a linha, Nadal foi adaptando o seu andamento no primeiro parcial. Com calma, sem correrias de maior, teve oito pontos para quebrar o serviço a Cobolli. No segundo set, fê-lo assim que o italiano teve o saque, colocando o jovem adversários nos eixos em que Cobolli arriscava cada vez mais ao constatar que não lhe servia de muito tentar ser uma marreta de pancadas em força contra o espanhol só por saber da sua ausência de competição.

Quando serenou, por momentos, os erros vindos da sua pressa e se acalmou nas trocas de pancadas, os pontos viveram um pouco mais. O seu prolongamento era o pior dos venenos: cansadas e com os músculos já não tão desenhados na pele como há mero um ano, as pernas de Rafael Nadal sofreram em certos pontos. Sem a rapidez de pés de outrora, e mais vezes do que as que gostaria, aqui e ali chegou tarde a bolas a que antes chamaria um figo para aplicar a sua rotativa direita, cheia de spin para incutir na bola que torna letal quando ressalta na terra que é do espanhol. Cobolli, às tantas, roubou-lhe o serviço.

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Mas, com maior ou menor paciência, a juventude e vontade do italiano foram suprimidas pela colocação de bola que, pelos vistos, não abandonou Nadal nestes meses. Sem a mobilidade que colherá somente com o encadeamento de jogos, o seu raio de ação diminuído, Rafa devolveu a gentileza do break logo a seguir e prosseguiu rumo à sua melhor sequência no jogo: atinou as milhares de rotações por segundo dadas à bola pela sua direita, maltratou Cobolli com muitas pancadas cruzadas de esquerda, foi à rede deixar volleys quando necessário.

Tudo entremeado com os seus tiques a ajeitar as garrafas de bebida no banco, a não pisar as linhas ou a limpar o suor da orelha do nariz e da outra orelha a cada serviço, Rafael Nadal melhorou a sua amostra de Nadal nesta altura em que o tempo que lhe resta no ténis será preenchido pelo alcance da boa-vontade do seu corpo - dificilmente, também pela idade, o velho Nadal voltará a ser visto, resta assistir ao quão próximo da sua melhor versão se conseguirá aproximar.

A sua alma continua lá, intacta, a rugir nos melhores pontos e a refilar na não verbalidade consigo próprio, sintoma da exigência que até o fez acenar em desaprovação, no match-point, quando se ouviu um grito a torcer por si antes de servir a bola que fecharia o encontro. Até pediu desculpa a Flavio Cobolli, o derrotado que a ocasião forçaria sempre a ser um protagonista secundário na tarde em que o equipado em tons de lilás e rosa regressou à competição. E Rafael Nadal sorriu por jogar ténis, nesta altura será esse o seu objetivo.

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