Ténis

A solidão já não é coisa do ténis: os treinadores poderão dar (ainda mais) indicações aos jogadores. Mas nem todos concordam

A solidão já não é coisa do ténis: os treinadores poderão dar (ainda mais) indicações aos jogadores. Mas nem todos concordam
Clive Brunskill
O coaching, durante tanto tempo proibido, tem vindo a ser, gradualmente, introduzido na modalidade. A partir de 2025, os técnicos poderão ajudar ainda mais os seus pupilos, estando até previsto o recurso a “tecnologias de análise de jogo”. Shapovalov e John Millman já manifestaram a sua oposição, rejeição que, no passado, também foi expressa por Roger Federer
A solidão já não é coisa do ténis: os treinadores poderão dar (ainda mais) indicações aos jogadores. Mas nem todos concordam

Pedro Barata

Jornalista

Um ser humano sozinho no meio do court. Um tenista tendo de resolver problemas sem auxílio exterior, um gladiador lançado à arena, forçado a calcular possibilidades, a imaginar soluções, a desenhar estratégias, tudo feito individualmente. Um combate rodeado de solidão.

Era isto o ténis. Era.

Desde 2017, a ATP e a WTA, entidades que dirigem os circuitos profissionais masculino e feminino, têm testado novas abordagens ao coaching, à possibilidade de os treinadores darem indicações aos donos das raquetes durante os encontros. Longe vão os tempos em que um diálogo entre Serena Williams e Patrick Mouratoglou levou Carlos Ramos a sancionar a lendária tenista, durante a final do US Open 2018, espoletando uma monumental discussão entre Serena e o árbitro português.

A permissividade para com o coaching tem vindo, gradualmente, a aumentar, com mais e mais torneios aceitando a prática. Vozes como Roger Federer sempre criticaram a mudança de uma das regras sagradas do ténis, como o suíço expressou em Wimbledon, em 2019, quando se manifestou “completamente contra” a introdução do coaching, indicando que a solidão dos jogadores “é o que faz a diferença no ténis”, considerando que se deveria valorizar “a capacidade que cada um tem de ter de resolver os seus problemas sozinho, sem ajudas exteriores”.

Ora, a partir de 1 de janeiro de 2025, a tal solidão deixará, definitivamente, o ténis. A federação internacional da modalidade aprovou um aprofundamento das regras do coaching, permitindo, basicamente, uma comunicação quase constante entre jogador e treinador.

De acordo com as novas normas, os técnicos poderão dar indicações — verbais ou através de gestos — em qualquer altura do encontro, com exceção de quando os pontos estiverem a ser disputados, ainda que se estipule que essas instruções devam ser “breves e discretas” e que o diálogo só pode decorrer quando tenista e treinador estiverem do mesmo lado do court.

Uma das maiores novidades é que poder-se-á recorrer a “tecnologias de análise de jogo”, não sendo detalhados os formatos autorizados. Teremos no ténis o recurso a ecrãs para mostrar pormenores táticos, ao estilo de modalidades coletivas?

A federação internacional (ITF) justifica estas mudanças alegando que há o objetivo de “unificar as regras do coaching” a nível internacional, pretendendo-se, ainda, retirar aos árbitros a responsabilidade de estarem a “controlar as atuais restrições” à comunicação dos técnicos. Diz-se ainda que estas alterações ajudarão ao “desenvolvimento dos jogadores" e tornarão o ténis “mais justo e entretido”.

Mas não é só Roger Federer que está contra o fim da solidão. Mal a notícia saiu, Denis Shapovalov, 95.º do ranking ATP e antigo 10.º da hierarquia, escreveu que as novas regras o deixam “triste”. “O ténis é especial porque estás sozinho. Por que estão a tentar mudar a beleza deste jogo?”, questionou o canadiano.

John Millman, veterano australiano, também mostrou a sua discordância. Taylor Fritz, sexto do ranking, foi outra voz discordante, no caso em 2022: “O ténis é uma modalidade individual, estamos a mudá-la porquê? O ténis é tão físico quanto mental, e parte disso é porque tens de encontrar soluções sozinho quanto estás no court. É ridículo que, se não fores tão forte mentalmente, tão bom a analisar ou tão perspicaz a criar estratégias, possas ter alguém a dizer-te sempre o que fazer”, opinou o californiano.

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