Ténis

Jamie Murray: dos treinos com a mãe aos grandes torneios com o irmão, “o ténis é um jogo baseado no sentimento e no coração”

Jamie Murray: dos treinos com a mãe aos grandes torneios com o irmão, “o ténis é um jogo baseado no sentimento e no coração”
Shi Tang

O primeiro britânico a liderar o ranking mundial de ténis destacou na Web Summit a importância da mãe, Judy Murray, na sua formação e a experiência única de jogar com o irmão Andy Murray na Taça Davis. Atualmente diretor de torneios no ATP 500, o jogador de pares abordou ainda o papel crescente da inteligência artificial no desporto, deixando conselhos aos jovens tenistas

“Sete vezes campeão do Grand Slam, uma lenda do ténis de pares, antigo número 1 do mundo, ganhou mais de 30 títulos em torneios, alcançou mais de 60 finais e ganhou a Taça Davis.” Assim que foi apresentado Jamie Murray, o tenista profissional escocês que, em 2016, se tornou o primeiro britânico a chegar à liderança de um ranking mundial de ténis.

Filho da tenista Judy Murray, Jamie explicou que a mãe teve um importante papel durante a sua infância na promoção do gosto pelo ténis: “Tive muita sorte em ter uma mãe que foi uma incrível treinadora, que me ensinou a mim e ao meu irmão [o vencedor de três Grand Slams, Andy Murray] competências muito boas desde muito cedo. Deu-nos uma base muito boa para nos tornarmos jogadores profissionais”, contou no primeiro dia da Web Summit, a 11 de novembro. “E tive muita sorte também em ter um dos melhores treinadores de duplas do mundo, o Louis Kaye, que me ajudou a desenvolver o meu jogo e a perceber o que é preciso para ser um jogador de ténis de topo.”

Jamie já jogou com o irmão, Andy, na Taça Davis o torneio anual de seleções no ténis e revelou que foi uma experiência singular. “É único poder jogar com o meu irmão num nível tão alto, e quando ganhámos a Taça Davis ele era número 1 ou 2 do mundo nessa altura”, relatou. “Nós jogámos na Escócia, que não tem eventos profissionais de ténis, e o apoio que tivemos foi de loucos. E eu sabia o quanto o meu irmão queria ganhar: exatamente tanto quanto eu, talvez até mais.”

“Foram jogos loucos na Escócia, foi muito divertido. E quando olho para trás na minha carreira, são os jogos mais memoráveis por causa das emoções que me evocam.”
Andy Murray (à esquerda) e Jamie Murray (direita) no Torneio de Wimbledon
Francois Nel

O especialista em jogos de pares explicou que a química entre colegas de equipa é muito importante, pelo que ter uma boa relação com o parceiro é uma grande ajuda na hora de ultrapassar as dificuldades no campo, “que vão aparecer inevitavelmente”.

“Passamos tanto tempo com aquela pessoa, sabes? Acordamos à mesma hora, tomamos o pequeno-almoço, entramos no carro juntos, almoçamos, treinamos, e nisto ainda nem chegamos à parte mais importante do dia, que é competir no ambiente mais stressante de sempre.”

É devido a este ambiente desafiante que Jamie considerou que os tenistas são, geralmente, pessoas disciplinadas e acostumadas a trabalhar sob pressão ou prazos curtos. “Muitos jogadores de ténis são também pessoas bastante adaptáveis, porque nada é certo na nossa vida, mesmo coisas tão básicas como saber a que horas vamos jogar. Há muito no ar, então eu acho que os jogadores são pessoas muito adaptáveis e muito resilientes.”

“Eu joguei mais de mil jogos, o que são muitas jogos, e perdi um monte deles. Então habituas-te e aprendes a lidar com as perdas, e isso é algo que o ténis te ensina.”

Segundo Jamie, apenas uma pessoa pode sair derrotada todas as semanas, pelo que, a dado ponto no torneio, alguém vai experienciar desapontamento. É com a aprendizagem, explica, que se vai ultrapassando este sentimento e preparando para a próxima semana, “porque essa é a beleza do ténis, é que há sempre outro evento para ir logo na semana seguinte”.

O atleta de 39 anos recorda o início da sua carreira, quando tinha ainda 18 anos, lembrando como não se preocupava com o corpo. “Hoje em dia recuperar é tão importante”, indica. “Os jogadores querem jogar por tanto tempo quando possível, querem longevidade e atualmente temos muito mais informação disponível e muitos mais equipamentos nos torneios para nos ajudar com isso. Porque se conseguires enfiar mais um, dois ou três anos na tua carreira, isso é incrível, eu acho”.

Atualmente, Jamie é diretor de torneios no ATP 500, um dos torneios mais prestigiados internacionalmente da série ATP, e tem-se divertido a ver o evento “do outro lado”. “Estou habituado a estar de calções e t-shirt e do nada nessa semana estou com um fato. Foi estranho estar ao pé dos meus colegas de fato, as pessoas veem-me de forma diferente, e eu sinto-me diferente”, confessa. “Mas tem sido muito divertido, aprende-se muito”.

“Acho que vai haver mais e mais tecnologias baseadas em inteligência artificial que nos vão ajudar com analise de dados, seja com os pontos fortes e fracos dos jogadores, com padrões ou com formas de jogo”

O tenista partilhou o seu testemunho num dos palcos da Web Summit, no passado dia 11 de novembro, e, como o assunto tecnológico não poderia escapar, falou sobre as novas possibilidades que a inteligência artificial (IA) veio abrir no desporto.

Jamie Murray no primeiro dia da Web Summit, a 11 de novembro
Paul Devlin

“Tenho a certeza que a IA vai conseguir monitorizar como nos sentimos, a nossa frequência cardíaca, a qualidade do sono, tudo isso, para perceber como se sente o corpo e se há algum risco de lesão. Atualmente já a usamos para otimizar o treino”, aponta.

“Mas também acho que o ténis é um jogo baseado no sentimento e no coração, e apesar de ser inevitável que a IA se envolva, espero que seja no sentido de potenciar esse sentimento e não de afastá-lo”.

“É preciso trabalhar duro. Ninguém chega ao topo sem se esforçar muito, isso é certo”

Aos mais jovens que aspiram a uma carreira semelhante, Jamie advertiu que o mais importante é que não se deixem levar pelos resultados. “Porque em última instância, até começares a jogar nos seniores, não importa se és o número um dos juniores ou o número 10.000, não te garante nada. O que interessa é desenvolveres o teu jogo e o teu físico o máximo que conseguires, porque é um jogo muito físico.”

“É muito divertido ir aos eventos, e motiva-te a continuar a trabalhar duro e a tentar ganhar partidas suficientes para manter o teu ranking, para que possas continuar a ir a estes eventos”, revela. “Para mim nunca foi difícil, porque eu adoro o que faço.”

O jogador revela ainda que se aprende com a viagem, e aconselha estes jovens a aproveitá-la, “porque nem sempre vai ser incrível”. No entanto, “quando se chega onde se queria chegar é muito gratificante”.

Texto escrito por André Sousa e editado por Diogo Pombo

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