Não é que tenha a certeza de que vamos ganhar. Não tenho certezas de grande coisa. Já me deixei disso. O futebol fez repensar as certezas há 2 anos quando decidi ir buscar uma garrafa de murganheira ao frigorífico a oito minutos do fim de uma das melhores noites das nossas vidas.
Digo nossas porque nunca como nessa noite me lembro de celebrar com todos. E lembro-me como se fosse ontem. Uma noite inteira a abraçar amigos, familiares e desconhecidos: dos adeptos que nunca falham uma convocatória aos fãs que aparecem uma vez por outra, passando pelos cínicos que afirmaram durante semanas preferir o futebol de clubes ao de seleções, mas que ali estiveram, afinal, comigo no meio da rua a festejar.
Não sei se alguma vez viram um cínico a chorar de alegria, mas é uma coisa maravilhosa.
Conheço apenas duas certezas no futebol: a primeira é que ao fim de algumas horas a levar com banhos de espumante e cerveja uma pessoa fica com um odor insuportável. Essa ninguém nos tira - simbolicamente falando, porque será conveniente tomar um banho antes de ir trabalhar na manhã seguinte.
A segunda certeza, ainda mais inegável, é de que a cada dois anos esta magia se repetirá, daqui até ao fim dos nossos dias. Seja o euro ou o mundial, o futebol português tem agora um desígnio: ou ganha repetidamente as competições em que participa ou se arrisca a ser mais uma manifestação da nossa nostalgia crónica que fica muito bem na RTP memória mas leva a coisa nenhuma.
Não se pense que o corolário é “já ganhámos isto!”. Nada disso. Há muito trabalho pela frente. Começa nos jogadores e na equipa técnica, mas passa também por cada um de nós. Eu, por exemplo, estou incumbido da tarefa de observar todo e qualquer potencial adversário da seleção portuguesa nesta prova. Serão 64 jogos de papel e caneta na mão, a observar atentamente todos os jogos.
Felizmente, tenho uma família que compreende a minha ausência, um país que agradece os meus serviços e um jornal suficientemente ingénuo para achar que isto de escrever um texto por dia é uma boa ideia.
Será um país inteiro a trabalhar para o mesmo fim. Os jogadores no relvado, os treinadores no banco e no balneário, eu e mais uma mão cheia de gajos no microsoft word, o zé e o manel a renovar o stock de cervejas no frigorífico, o frederico e o gastão a tratarem do marisco e dos tremoços, alguém a perguntar inoportunamente o que é um fora de jogo, uma ou outra pessoa a fazer comentários despropositados durante os jogos, e finalmente o ruben a fazer memes para publicar nas redes sociais.
Enfim.
Será um país inteiro a trabalhar o melhor que pode e sabe para que no dia 15 de Julho, 64 jogos volvidos, a noite seja mais longa e a manhã seguinte nos ofereça um novo feriado.
Não sei se vamos ganhar isto, mas nos últimos anos o futebol e a vida ensinaram-me, ou melhor, relembraram-me de uma verdade que não aparece muitas vezes nos livros de auto-ajuda de tão simplória que é: a melhor coisa que Deus nos deu foi um novo dia.
Se eu escrevi isto e o leitor chegou até aqui, é porque estamos cá todos outra vez, mais um dia. Não lhe consigo explicar melhor do que isto. É uma alegria nem sempre exteriorizo, mas está sempre cá. O futebol deve ser uma expressão deste optimismo. Se o futebol não for alegria, amigos, família, festa, vitória ou derrota, que se dane, bola, mais bola, e somente a bola, então deixa de ser o futebol. Aceitemos este novo dia que Deus nos deu, sob a forma de um novo Mundial, uma nova competição de seleções, e um novo sonho para conquistar.
Por isso, amigos, eu volto no dia 16 de Julho. No meu caso será uma viagem curta, da sala de estar, onde se encontra a televisão, até ao quarto dos meus filhos, onde a minha esposa e os meus rapazes aguardarão saudosos pelo regresso deste guerreiro encharcado em cerveja e espumante. Os meus filhos levantarão um cartaz dizendo “dá-me a tua camisola” enquanto a minha esposa segura outro que diz “toma um banho, por favor”.