O início encantou, o fim desesperou: Roger Schmidt já não é treinador do Benfica
FILIPE AMORIM
Nem 24 horas após o empate em casa do Moreirense, que elevou para cinco os pontos perdidos em quatro jornadas do campeonato, o Benfica anunciou que está a ultimar um acordo para a saída do treinador. Roger Schmidt. O último dos 115 jogos do alemão com os encarnados foi fiel à gorda última imagem que deixa: a de um técnico incapaz de fazer evoluir o futebol da equipa
Foi em Moreira de Cónegos, no mais pequeno dos estádios da I Liga, mas, na sexta-feira, atolado de adeptos benfiquistas e pleno de câmaras concentradas tanto no relvado como nas movimentações das bancadas, que uma relação de nervos a rodeá-la e de aparente estagnação a caracterizá-la em campo conheceu o derradeiro ato, quiçá já premeditado quando Rui Costa, intempestivo, com urgência, abandonou a tribuna do recinto ainda antes de Lawrence Ofori marcar o penálti para o clube da casa, aos 84 minutos.
Seria o 1-0, o Benfica empataria nos descontos, aos 90'+8, mas o presidente já não estava a ver porque talvez já estivesse a deliberar sobre o que este sábado o clube anunciou - que “iniciou negociações com o treinador Roger Schmidt para a cessação do contrato de trabalho desportivo com efeitos imediatos.”
A SAD encarnada confirmou à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) de que vai terminar a relação com o alemão ao fim de duas temporadas inteiras e o que já se jogou nesta, em que o Benfica é o atual 6.º classificado do campeonato com duas vitórias, um empate e uma derrota. O desfecho foi precipitado pelos resultados recentes, como sempre o é no futebol, mas, tendo ficado aquém do exigido neste arranque de nova época, os sintomas de aparente inércia já eram visíveis desde a curso anterior.
O Benfica à moda de Roger Schmidt evidenciou insuficiências óbvias, sobretudo quando queria atacar a baliza adversária, durante grande parte de 2023/24. À falta de dinâmicas coletivas, a equipa dependeu em demasia das arrancadas com bola de Rafa Silva ou dos rasgos das ideias de Ángel Di María. Com bola, os encarnados iam à boleia do português em transições rápidas e procuravam incessantemente o argentino em jogadas mais demoradas para que fosse ele a inventar algo.
Nenhum dos dois, à sua maneira, teve pé nesta época. Terminado o seu contrato, Rafa saiu sem alarido para o Besiktas, da Turquia e, com férias prolongadas pela ida à Copa América, o trintão Di María apanhou a pré-época a meio e a sua falta de ritmo tem-no tirado da equipa titular que em quatro partidas oficiais ainda acentuou mais a seca criativa dos encarnados transladada da última época. O enfadonho jogo em casa do Moreirense sugeriu-o novamente, as palavras do treinador, no final, acentuaram o clima de indefinição que reina. “Neste momento não sei exatamente porque é que temos tantos problemas para marcar”, admitiu, no seu inglês de sotaque germânico que sempre pareceu insuficiente para expressar o que ia dentro de Roger Schmidt.
O técnico deixa 115 feitos no Benfica, preenchidos com 80 vitórias, 20 empates e 15 derrotas. A maioria dos resultados favoráveis e das impressões cativantes aconteceram há duas épocas, portanto há bastante tempo.
O raiar da era Schmidt, em 2022, trouxe a Portugal os métodos expectáveis do alemão com carreira feita a moldar equipas para pressionam alto e logo na área adversária, prontas a reagirem fortemente à perda da bola e a serem capazes de asfixiar os adversário por, nesse momento, terem os jogadores próximos para o fazerem em bloco. Este seria um resumo possível do primeiro Benfica com o treinador.
Na maioria de 2022/23, os encarnados eram uma máquina de pressionar e contra-pressionar, roubando o fôlego aos adversários internos e até lá fora, na Liga dos Campeões, sobretudo enquanto teve Enzo Fernández, o dínamo argentino do meio-campo que não só distribuía jogo com regra e esquadro, exímio no passe, como era um polo de (boa) agressividade a comandar a pressão da equipa.
A sua venda ao Chelsea, em janeiro de 2023, após o Mundial do Catar, seria um equinócio para a vigência de Roger Schmidt.
Não que explique tudo, é impossível um só jogador concentrar os motivos, mas não mais houve vislumbre do Benfica forte a pressionar a campo inteiro, repentista a tentar roubar logo a bola após ficar sem ele e compressor a soltar os jogadores em padrões de movimentos ofensivos para atacarem a baliza. Os encarnados foram campeões nessa primeira época. Depois, na segunda, houve vezes em que jogaram com sofreguidão indisfarçável.
SOPA Images
Os sintomas de um treinador incapaz de ressuscitar as ‘velhas’ valias da equipa, ou sem intenção de se adaptar às adaptações que os adversários em Portugal não tardaram a fazer - porque o futebol não pára, é um jogo do gato e do rato de evolução -, acompanharam o Benfica ao longo de 2023/24, uma temporada repleta de solavancos e intermitências da qual se extraiu a Supertaça como único troféu. Em maio último, os decibéis das críticas já bem audíveis até aos ouvidos mais desatentos, Rui Costa defendeu o que muitos denegriam: “É minha convicção que Roger Schmidt é o melhor treinador para o Benfica neste momento e não arredo pé disso até prova em contrário.”
O monocórdico alemão ficou, repetindo a sua cassete para este temporada, o discurso cheio de “top” a elevar exibições que habitavam lá em baixo na estima de quem assistia aos jogos. Para fora, as intervenções de Roger Schmidt pareciam ignorar o óbvio. De dentro do clube, também não vinham ares de que as coisas estivessem a mudar.
O mercado de transferências não ajudou à definição do que o treinador e a direção pretendiam exatamente para a equipa. Chegou um lateral esquerdo (Beste), um médio de trabalho (Leandro Barreiro), um avançado com rasto farto em golos (Pavlidis) e agora outro (Amdouni) sem que os encarnados, em campo, reencontrassem um fio de jogo claro e frutífero. A desinspiração coletiva continuou, a falta de evidências de dinâmicas coletivas também. E sem Di María, nem David Neres, vendido ao Nápoles, a equipa emagreceu igualmente nas individualidades que pudessem abanar, sozinhas, o marasmo.
À falta de mudanças, perante tanta demora em notar-se o dedo do treinador na correção das carências, seria uma questão de tempo até os resultados sofrerem com a sintomatologia. No sábado, Roger Schmidt garantia ter “a energia” para prosseguir. A descida de Rui Costa às entranhas do estádio em Moreira de Cónegos teve opinião diferente.
Em maio, quando falou sobre a última época e defendeu o alemão, o presidente deixou também uma garantia: “Quem disser, em qualquer clube do mundo, que não pensa em planos B, C ou D, ou não está a fazer bem o seu papel ou está a mentir.” É essa garantia que agora o condena a ter alguma solução já aprontada na manga.