A redenção de Bukayo Saka do crime que Bukayo Saka nunca cometeu
Anadolu
O jogador do Arsenal marcou um dos penáltis que deu a vitória a Inglaterra contra a Suíça. Há três anos, na final do Europeu frente a Itália, Saka falhou o castigo máximo que deu o título aos transalpinos, o que levou a uma onda de insultos racistas
Mal Gianluigi Donnarumma deteve o seu remate, naquela noite de julho de 2021, Bukayo Saka já sabia o que o esperava. Aquele castigo máximo ditou que Itália venceria o Europeu, superando Inglaterra no desempate por penáltis. A longa espera por êxitos da seleção inglesa, que dura desde 1966, continuaria.
Em Wembley, em casa, a chance desperdiçada por Saka ditara a derrota. Nova derrota, nova desilusão. E Saka, então de apenas 19 anos, pressentiu imediatamente o que se seguiria.
“Soube instantaneamente o tipo de ódio que iria receber”, confessou o canhoto. Assim foi: as redes sociais de Bukayo, um adolescente de 19 anos cujo crime foi não conseguir marcar um penálti frente a um gigante infinito como Donnarumma, encheram-se de insultos racistas, de mensagens com o maior lixo que se pode encontrar na internet.
Além de Saka, também Jadon Sancho e Marcus Rashford, os outros dois ingleses que falharam na decisão, foram vítimas de insultos e abusos racistas. Saka, jovem negro de pais da Nigéria, Sancho, jovem negro com ascendência de Trindade e Tobago e da Jamaica, Rashford, jovem negro também com ascendência jamaicana.
Aquela equipa inglesa, muito vocal na manifestação de posições anti-racistas — ajoelhando-se sempre no início dos jogos, por exemplo —, terminaria a campanha no Euro 2020 recebendo uma chuva de insultos racistas.
Southgate conforta Saka depois da final perdida contra Itália
Tom Jenkins
Southgate conforta Saka depois da final perdida contra Itália
Tom Jenkins
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Passados três anos, a equipa de Southgate voltou a enfrentar uma decisão por penáltis num Europeu. E Saka voltou a colocar-se perto da bola, perto da baliza, perto do golo, à frente dos traumas de Wembley.
No desempate contra a Suíça, Saka não tomou muito balanço. Quando o apito do árbitro soou, não correu logo. Esperou, não se quis livrar daquele momento. Tomou conta da cena. Esperou e esperou, até rematar para a sua direita. O mesmo lado que em 2021. E marcou.
Para que Inglaterra chegasse ali, Bukayo já fora decisivo. Aos 80', os vice-campeões da Europa perdiam por 1-0 quando o extremo do Arsenal pegou na bola. Num movimento de marca registada, cortou para dentro, procurou o pé esquerdo e atirou cruzado, empatando a eliminatória.
Um momento de personalidade para salvar a equipa de Southgate de mais uma crise. Um jogo de redenção para redimir-se do crime que, na verdade, não cometeu em 2021.
“Onde estão os racistas agora?”
Passados três anos de Wembley, o destino inglês voltou a estar nos pés de descendentes de imigrantes. Não só de Saka, mas também de Cole Palmer, com raízes em St. Kitts and Nevis, ou de Trent Alexander-Arnold, com antepassados em Montserrat. Jude Bellingham e Ivan Toney, os outros jogadores que não falharam, também pertencem ao grupo dos que, quando falham, podem receber insultos que não receberiam caso tivessem um tom de pele mais claro.
Depois do triunfo frente aos suíços, Rio Ferdinand, antigo internacional inglês e um dos mais conhecidos comentadores do país, publicou, nas redes sociais: “Onde estão os racistas agora? Provavelmente ainda a celebrar!”
Mas outra mensagem terá sido ainda mais importante para Saka. Jadon Sancho, que não foi convocado para o Europeu, voltou a 2021 para agradecer ao seu colega: “Estou tão orgulhoso deste rapaz. Fizeste isto por mim e pelo Marcus, irmão”, escreveu, incluindo, também, Rashford no lote dos que, naquele penálti de Bukayo, sentiu o peso de Wembley colocado para trás das costas.
Oliver Hardt - UEFA
Oliver Hardt - UEFA
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Aos 22 anos, Saka tem já experiência de veterano: 226 jogos pelo Arsenal, 38 por Inglaterra, presença em dois Europeus e num Mundial. Talvez por isso, depois da vitória nos quartos de final, o seu discurso tenha sido tão fluido.
“Podes falhar uma vez, mas podes escolher entre voltar a estar naquela posição ou não. Eu sou um tipo que se vai voltar a colocar naquela posição. Acreditei em mim. Voltar depois de algo como aquilo foi muito difícil, mas usei-o para voltar mais forte. Arrisquei e estou muito feliz.”
Em Yoruba, língua falada pelo grupo étnico a que pertencia a sua família na Nigéria, “Bukayo” significa “aquele que traz a felicidade”. Depois do pesadelo de 2021, a personalidade de Saka ajudou a resgatar um pouco de felicidade para uma Inglaterra que vai sobrevivendo no Europeu às custas de talentos como Bukayo.